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3º Festival Vórtice: desnudando a arte erótica

Mostra em cartaz em São Paulo traz obras de mais de 100 artistas que expandem o conceito de sexualidade na arte contemporânea.

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 19 jun 2024, 10h12 - Publicado em 18 jun 2024, 10h00

A arte erótica sempre existiu, embora muitas vezes em espaços menores e mais escondidos, para um público reduzido. O interesse sempre esteve presente. O Festival Vórtice, dedicado à sexualidade na arte contemporânea, foi criado para destacar as contradições que subjugam a arte erótica a um status inferior na história da arte.

Criado em 2022 por Leonardo Maciel e Paulo Cibella, o evento chega à sua terceira edição, ocupando algumas salas no primeiro andar do Edifício Vera, no Centro Histórico de São Paulo. Segundo os curadores, a iniciativa não é fruto de um amor pela linguagem erótica, mas de uma postura política para tirar artistas da exclusão. “O Brasil ainda tem uma visão muito careta para a arte e sexualidade, tanto nas instituições quanto entre galeristas e colecionadores. A ideia de criar um festival desde o início é promover a circulação dos artistas no Brasil, porque há muitos artistas e muita produção, mas eles ficam à margem do sistema de arte. Falando claramente, nenhuma galeria ou museu quer colocar pau na parede”, diz Paulo Cibella. “Trata-se de uma produção que existe e não pode ser ignorada, embora ainda seja marginalizada. No entanto, temos muitos colecionadores de arte erótica no Brasil.”

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Manuela Ullup, Dobradura (2022) (Festival Vórtice/reprodução)

Quando foi criado, o Vórtice era um pequeno salão de arte com obras de apenas seis artistas em um espaço de 25 metros quadrados. Desde então, o evento cresceu, atraindo novos artistas e visitantes curiosos. A exposição deste ano, em cartaz até 30 de junho, exibe trabalhos de 100 artistas brasileiros de diferentes regiões do país como Alex Flemming, André Brunharo, Bella Tozini, Charlles Cunha, Cynthia Loeb, Daniel Jaen, Élcio Miazaki, Falo Magazine, Giba Gomes, Glau Glau, Hudinilson Jr., João Guilherme Parisi, Lufe Steffen, maisumamariana, Marcos Akasaki, Omar Khouri, Paulo Jorge Gonçalves, Peter de Brito, Philipp Anchieta, Rafael Dambros, Rodrigo Kupfer, Sérgio Adriano H e Suyan de Mattos.

Os curadores destacam a diversidade etária, de gênero e de identidade sexual dos participantes, incluindo criadores heterossexuais. “Não é uma exposição exclusiva para artistas da comunidade LGBT+. Ela é aberta a todos. Por exemplo, temos a Simone (Simone Fontana Reis), uma senhora heterossexual na faixa dos 50 a 60 anos, mãe e avó. Assim, saímos dessa bolha e abrangemos a sociedade como um todo, falando de sexo de forma ampla”, diz Leonardo.

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João Guilherme Parisi, Lutinha (2024) (Festival Vórtice/reprodução)

O festival explora a expansão do conceito de sexualidade na sociedade contemporânea. “Falamos de masculinidade, feminilidade, visibilidade lésbica, gay, trans, e de fetiches, incluindo os mais extremos. Abrangemos basicamente todo o espectro da sexualidade.”

Os curadores também discutem as mudanças nos padrões de beleza e corpos ao longo do tempo. “Os modelos femininos de Matisse e Picasso eram mulheres com axilas peludas, enquanto no Renascimento, as mulheres mais cheinhas eram o ideal. A arte reflete o contemporâneo, com corpos dissidentes e corpos padrão se posicionando de forma identitária. Mas o padrão de beleza ainda prevalece, especialmente na pornografia masculina, que valoriza loiras com seios grandes e homens musculosos. A arte erótica masculina ainda cultua um pouco esse padrão.”

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Tolentino Ferraz, Torso masculino (2023) (Festival Vórtice/reprodução)

Talvez mais do que o sexo, é a nudez que ocupa um espaço central no festival. Nesse contexto, não se pode esquecer que a nudez nunca foi um assunto estranho à História da Arte. Nas pinturas, inclusive, o nu, principalmente feminino, foi reproduzido quase como um padrão a ser seguido – e pouco problematizado. A circunstância foi ganhando outros contornos quando a nudez passou a expor outros corpos. Foi então que o moralismo passou a falar mais alto. Aquele estilo de arte passou a ser retratado como dissidente. Um dos retratos que insinuam esse aspecto reproduzido durante séculos na pintura é a fotografia “Bárbara”, de Bella Tozini.

O espaço expositivo inclui fotografias, esculturas, instalações, autorretratos, ilustrações, videoperformances e documentários. Além das simulações de cenas de sexo, há autorretratos em pinturas e fotos, e peças menos figurativas que fazem referência a outras obras de arte e artistas. Por exemplo, “Andy’s Candies” de Philipp Anchieta remete “A Dança” de Henri Matisse, com Andy Warhol como um dos personagens. “Andy Warhol’s Last Supper” de Glau Glau reproduz “A Última Ceia” de Leonardo Da Vinci.

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Cynthia Loeb, Em crise (2024) “Estou ovulando! Preciso transar urgente! tenho 40 anos e não posso perder tempo” (Festival Vórtice/reprodução)

Leonardo Maciel, um dos curadores, apresenta sua própria obra “Aqui vou eu”, um fotolito coberto por vidro laminado quebrado. “Inspirei-me em Busby Berkeley, um coreógrafo e diretor americano dos anos 1930, precursor do psicodelismo e conhecido por suas extravagâncias no set. Esta é minha primeira obra nu, e demorou muito tempo para que eu me assumisse para minha família. Há toda uma questão de negação e autoestima envolvida. Essa quebra no vidro reflete um pouco disso”, explica Leonardo.

No fim do festival, serão anunciadas as obras vencedoras, selecionadas pelo público e pelos curadores. Todas as obras estão à venda, com preços variando de R$70 a R$24 mil, como no caso de “Exercício de me ver III” de Hudinilson Jr.

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MaisumaMariana, Calor na nuca (2023) (Festival Vórtice/reprodução)

Um dos objetivos para as próximas edições é ampliar o apoio. “Atualmente, contamos com duas frentes de suporte: a verba de oficinas e cursos que oferecemos, além da colaboração dos artistas. Cada artista contribuiu com 100 reais para a exposição, e este ano conseguimos o apoio do RG Bar, um clube de sexo em São Paulo. Ainda assim, as contas ainda não fecham”, declara Paulo.

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3ª edição do Festival Vórtice

De 31 de maio a 30 de junho
Edifício Vera | Rua Álvares Penteado, nº 87 – 1º andar – Centro Histórico de São Paulo
De segunda a sábado, das 10h às 19h
A entrada só será permitida mediante a doação de 1kg de alimento não perecível, que será destinado às vítimas do Rio Grande do Sul

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