A revolução artística de Joana Vasconcelos
Técnicas de crochê, bordado, iluminação e manipulação têxtil se combinam em esculturas que impressionam pelo impacto físico e densidade simbólica

A artista portuguesa Joana Vasconcelos acumula uma série de marcos inéditos ao longo de sua trajetória. Aos 53 anos, com mais de 30 dedicados às artes plásticas, Joana se destaca como pioneira em múltiplos aspectos. Foi a primeira mulher — e a mais jovem — a realizar uma exposição no Palácio de Versalhes, na França, cuja mostra se tornou a mais visitada naquele país nos últimos 50 anos. Além disso, foi a primeira portuguesa a expor no renomado Museu Guggenheim Bilbao.
Em 2023, sua obra alcançou outro dos grandes centros históricos da arte ocidental: foi exibida nas prestigiadas Galerias Uffizi e no Palácio Pitti, em Florença, em um diálogo direto com mestres como Da Vinci, Michelangelo e Caravaggio.
Outro destaque importante na carreira de Joana foi sua participação na Bienal de Veneza, um dos eventos mais influentes do circuito artístico internacional. Essa experiência marcou um momento de reconhecimento global e ampliou ainda mais sua presença no cenário contemporâneo, consolidando seu papel como uma das artistas mais relevantes da atualidade.
A carreira internacional de Joana Vasconcelos ganhou impulso em 2005, quando apresentou A Noiva na Bienal de Veneza, naquela que foi a primeira edição do evento a contar com uma curadoria exclusivamente feminina. Desde então, a artista retornou à Bienal outras três vezes, destacando-se especialmente em 2013 ao idealizar o Trafaria Praia — o pioneiro pavilhão flutuante na história da mostra — representando Portugal.
Apesar de seu reconhecimento por todo o mundo, Joana mantém uma relação afetuosa com o Brasil, onde recentemente voltou a expor na Casa Triângulo, em São Paulo. A mostra reuniu obras inéditas da artista, além de peças já consagradas, como a monumental escultura têxtil Valquíria Miss Dior. Medindo 3,51 metros de altura, 7,29 metros de largura e 7,52 metros de profundidade, a peça é composta por 20 tecidos da marca Dior e integra a série Valquírias, iniciada por Joana em 2004. A série propõe uma releitura contemporânea do imaginário das valquírias da mitologia nórdica, guerreiras que conduziam os heróis mortos ao além.

Joana Vasconcelos domina técnicas como crochê, bordado, iluminação e manipulação têxtil para criar esculturas que impressionam tanto pelo impacto físico quanto pela densidade simbólica. Na obra Valkyrie Léonie, por exemplo, os tecidos fornecidos pela Dior — ricos em flores e texturas sofisticadas — assumem papel narrativo ao evocar a figura de Ginette Dior (também conhecida como Catherine ou Miss Dior), florista e integrante da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial.
O trabalho da artista, como evidencia a exposição, também carrega um forte compromisso social, dedicando-se a dar visibilidade às mulheres frequentemente apagadas da história oficial.
Na segunda sala da mostra, os visitantes encontram três esculturas suspensas que exploram a leveza, o equilíbrio e o movimento. Essas formas têxteis, também trabalhadas manualmente com tecidos Dior, remetem ao fluxo da água, criando um ambiente sereno e poético.
A Bravo! visitou a exposição e conversou com a artista, que fez um balanço de sua carreira, seus ideais e seu amadurecimento artístico.
Bravo!: Pode contar um pouco, inclusive sobre a escolha dos materiais — se há alguma influência desse aspecto?
Joana Vasconcelos: Não, eu escolho os materiais de acordo com a ideia e o projeto que estou desenvolvendo.
Neste caso, as peças vieram da Dior porque fiz uma colaboração com eles. Eles me forneceram os tecidos, e eu desenvolvi as peças a partir disso. Mas, em geral, os materiais que escolho estão ligados à obra ou ao discurso que quero construir.
Não trabalho daquela forma tradicional, em que se começa pelo material ou pela técnica e depois se desenvolve o projeto ao longo do tempo. Eu preciso primeiro ter a ideia, e então busco o material adequado para ela. Portanto, o material faz parte do processo, e é muito importante, pois sem ele não se alcança o discurso conceitual correto.
Essas obras tiveram sua primeira exibição na Coreia, em Seul, depois foram para Hong Kong, na China. Depois passaram por Berlim, Bruxelas, e também estiveram na Alemanha. Agora estão aqui.

É impressionante o processo de construção. Quanto tempo, aproximadamente, leva para fazer essas peças?
Essas peças levam cerca de quatro meses para serem feitas. O processo é relativamente rápido, mas envolve várias etapas: crochê, trabalho manual intenso, e dentro delas têm partes insufláveis.
E além disso, há todo o trabalho manual envolvido. Tudo é feito à mão — os crochês, por exemplo, são completamente artesanais e demandam muitas horas de dedicação.
Pode contar um pouco sobre a história por trás de Alba e como ela dialoga com sua visão de arte e feminismo?
Eu costumo dar nomes das minhas peças a mulheres que foram esquecidas pela história ou cuja história não foi devidamente contada, o que infelizmente ainda acontece hoje.
Muitas mulheres tiveram papéis fundamentais em suas épocas e contextos, mas foram apagadas dos relatos históricos.
Quando vou a algum lugar, dou às peças o nome de mulheres importantes para o desenvolvimento e a história daquele local.

Isso acontece desde o começo da sua trajetória?
Sim. As valquírias, por exemplo, são deusas guerreiras da mitologia nórdica que conduziam os heróis mortos no campo de batalha para o Valhalla. Eu não estou trabalhando exatamente em um campo de batalha, mas é como se eu devolvesse a vida a essas mulheres corajosas que existiram na história do mundo.
Você sempre deu essa importância para essa dimensão feminina?
Sim. O mundo da escultura é muito masculino, e o da escultura monumental, ainda mais. Estar nesse universo predominantemente masculino mostra o quanto ainda falta igualdade e qualidade nas relações.
O mundo continua muito desigual e desequilibrado nesse sentido, porque ainda é controlado por um modelo de macho alfa branco.
Não há uma verdadeira partilha do poder nem a integração das mulheres, que são metade da humanidade. Essa diferença é penalizada e pouco acolhida. Eu vivo num mundo onde a maior parte são homens. Mulheres escultoras monumentais ainda são poucas.
Minhas peças refletem essa dimensão feminina, e por isso não trabalho com os mesmos materiais ou da mesma forma que os homens.
Trago elementos efêmeros para os espaços e também trabalho com esculturas ao ar livre, porque essa é uma forma diferente de atuar.

Sempre quis saber sobre sua escolha por trabalhar com obras monumentais, ainda mais sendo uma artista sozinha nesse meio. Em que momento você se interessou por essa escala? Isso tem a ver também com a vontade de dar visibilidade às mulheres?
A escala e os materiais têm tudo a ver com o discurso. Por exemplo, se eu fizer um sapato feito com panelas, as panelas têm um tamanho próprio, e o sapato assume aquela dimensão naturalmente.
Eu não decido fazer algo grande só para ser grande, eu decido com base no material e no conceito que quero transmitir. A dimensão surge no processo, não é algo definido no começo.
Sobre o uso de objetos do cotidiano na sua obra — algo que aparece muito quando se fala do seu trabalho — tem relação com a sustentabilidade? Hoje fala-se bastante sobre isso.
Para mim, sustentabilidade é tudo que está ao nosso redor, é não ultrapassar o necessário. Temos toda a inspiração dentro de casa, não precisamos ir longe.
Ser sustentável é gastar o mínimo possível e usar ao máximo os recursos que temos por perto. O ambiente doméstico é uma fonte de inspiração, onde panelas, bancos, tecidos, móveis, roupas, tudo pode ser usado para criar arte.
E no seu trabalho você dialoga muito com o universo da moda, que sabemos que é uma das indústrias mais poluentes do mundo.
Exato. Por isso, eu trabalho muito reciclando elementos do ambiente doméstico — sejam tecidos, roupas, utensílios, duchas… No fundo, eu reaproveito o que já está ao nosso redor, não busco materiais externos, mas sim aquilo que temos dentro de casa.
Como você vê sua arte, ou a arte em geral, diante das tensões sociais e políticas atuais no mundo? Acha que a arte tem que assumir uma função política ou social?
Claro que a arte tem que incorporar isso. O mundo não é igual, não há igualdade nos direitos humanos nem nas oportunidades. Minha própria carreira reflete isso.
Eu fui a primeira mulher a entrar em determinadas instituições, depois a primeira mulher portuguesa a trabalhar no Uganda, e muitas vezes sou a primeira mulher em várias situações. Agora, no Palácio de Versailhes, sou a primeira artista.
Ser a “primeira” em tantas ocasiões revela o quanto o mundo ainda é desigual. Se o mundo fosse realmente igualitário, eu não estaria abrindo esses caminhos.
Imagino que essa posição traga um sentimento ambíguo: ao mesmo tempo em que há felicidade por conquistar esse espaço, há também a consciência do desafio que isso representa.
Sim, há a felicidade de abrir caminhos, mas não é fácil, porque você está sozinha na frente. Não houve alguém antes para abrir caminho.
Você sente que houve mudanças?
Houve, mas não no nível do poder. As estruturas políticas, econômicas, religiosas continuam dominadas pelo macho alfa branco.
E nas instituições culturais?
Nos museus, a maioria dos diretores é homem, mas as comissárias são maioria mulheres.
Isso interfere no seu modo de fazer arte?
Não. Meu discurso mostra que o feminino pode se expressar de forma diferente, mas com o mesmo impacto, alegria e qualidade.

Talvez uma pergunta simples, mas qual conselho você daria para jovens artistas que estão começando e podem se sentir oprimidas?
Recebo muitos jovens no meu ateliê, incluindo intercambistas pelo programa Erasmus.
Sempre digo o mesmo para as jovens artistas: nunca desistam, trabalhem muito e não façam nada que não queiram fazer.
Você atualmente vive em Lisboa. Como sente o ambiente artístico aí, tendo sua experiência internacional? Portugal estaria na frente em igualdade de gênero nas artes?
Não. É um problema mundial. Na Europa é um pouco melhor, mas no geral o poder continua igual, com pouca partilha. Enquanto isso persistir, o mundo continuará desequilibrado.
Metade da população — as mulheres — não têm voz, não têm os mesmos direitos humanos, acesso à saúde e educação.
Enquanto o mundo for controlado por poucos, não será um lugar democrático ou justo para todos, pois as vozes de todos não são ouvidas.
Voltando ao Brasil, gostaria que você falasse um pouco da sua afinidade com o país.
Brasil para nós, portugueses, é como família. Sentimos uma grande familiaridade, porque muitas famílias portuguesas têm antepassados que foram para o Brasil.
Ao longo dos séculos, houve muita migração para lá, e quase todo mundo tem um avô ou bisavô brasileiro.
Essa relação é muito íntima, como uma relação familiar. O Brasil é um país com uma dinâmica muito diferente, com uma luz, uma cor e uma dimensão que são dez vezes maiores do que Portugal. Há um enorme potencial de expansão. Além disso, o Brasil possui uma tropicalidade que simplesmente não existe na Europa.
Portugal é um país europeu, inserido numa cultura e tradição fortemente europeias, que partilha muito com países como a Espanha. Somos um país do sul da Europa, com uma cultura parecida com a dos italianos, espanhóis e franceses.
Quando chegamos aqui, percebemos essa mistura cultural, especialmente com a presença forte de italianos e espanhóis. Essa mistura existe também na Europa, mas aqui, nas Américas, ela se manifesta de forma diferente — com uma tropicalidade, um cheiro e uma luz totalmente distintos.

Há muita guerras nas redes, disputas entre os dois países.
Existem coisas muito diferentes, mas ao mesmo tempo há elementos de grande familiaridade. Essa contradição é muito interessante.
Eu acho triste ver o discurso que se cria nas redes sociais, sobre uma suposta guerra ou disputa entre os dois países. Isso não existe. O que existe é a riqueza da diversidade do mundo, que é fantástica. Recentemente, estive na Suíça, onde terei uma exposição na próxima semana, em Ascona — um lugar lindo, nas montanhas, com um pequeno lago.
Lá as pessoas falam dialetos diferentes, têm comidas diferentes. Existem frutas que eu nunca vi nem experimentei. O planeta é tão rico e diverso, que a única coerência é justamente a diferença.
Essa diversidade é a grande riqueza da Terra e da humanidade. Uns falam assim, outros falam assado; uns têm a pele mais clara, outros mais escura; alguns vivem no norte, outros no sul; uns à beira-mar, outros nas montanhas. A humanidade é fantástica.
Isso remete à imagem de você viajando, tendo contato com diferentes culturas. Como você busca inspiração?
A inspiração está dentro de nós, em cada pessoa.
Não posso deixar de perguntar sobre sua experiência em Versalhes. Pode falar um pouco sobre a emoção de participar desse projeto?
Versalhes foi uma experiência muito difícil e complicada. Eu não tinha muita experiência, tinha uma equipe pequena, e o trabalho foi muito exigente.
Por outro lado, foi um momento fantástico, em que pude me expandir e fazer coisas que nunca tinha feito antes. Foi ali que eu disse: “Agora vou mostrar quem eu realmente sou.”
Foi uma experiência incrível, especialmente porque não participei da Ala do Rei, como Anish Kapoor e Jeff Koons, mas sim da Ala da Rainha. A relação com Maria Antonieta e com o Palácio foi muito marcante. Foi uma experiência transformadora. A partir dali, meu ateliê mudou, e percebi que era capaz de realizar grandes exposições, o que me motivou a continuar.

E depois do Brasil, quais são os seus outros projetos?
Tenho uma exposição na Suíça, em Ascona, e preciso me preparar para ela.
O que vai apresentar lá?
São peças menores, mas a exposição é grande, ocupa dois andares e está cheia de trabalhos. Vai ser muito interessante.
É um contexto totalmente diferente — um prédio antigo, no meio das montanhas, perto do lago. É fascinante essa diversidade do planeta: línguas, pessoas, comidas, experiências… tudo muito rico e múltiplo.
Joana, gostaria de dar últimas palavras, falar algo sobre essa exposição ou sobre sua carreira de forma geral?
É com muito prazer que venho aqui. Já trabalho há 20 anos com esta galeria, e é uma alegria acompanhar sua evolução. É engraçado poder voltar 20 anos depois e expor novamente.
Esses laços que criamos pelo mundo formam uma rede muito interessante. Mantemos relações próximas com galeristas, jornalistas, e o mundo deveria funcionar assim: as pessoas interligadas, ajudando umas às outras a seguir suas jornadas.
Entrevistadora: Muito obrigada pela conversa.
Artista: Obrigada você.

Até 9 de agosto de 2025
Local: Casa Triângulo – Rua Estados Unidos 1324, Jardins/São Paulo
Gratuito.