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Adriana Varejão celebra 40 anos de carreira com três exposições internacionais

Com uma das trajetórias mais potentes da arte contemporânea brasileira, a artista apresenta mostras em Nova York, Lisboa e Atenas

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 19 abr 2025, 16h36 - Publicado em 19 abr 2025, 07h00
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Adriana em frente às obras que compõem a mostra "Don´t forget: we come from the tropics" (Vicente de Mello/divulgação)
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Em quatro décadas de produção, Adriana Varejão construiu uma das trajetórias mais potentes da arte contemporânea brasileira. Carioca, com projeção internacional, ela ressignificou o gesto artístico ao transformar o suporte em ferida aberta. Suas obras, onde azulejos coloniais se misturam a carne exposta, não suavizam a história — escancaram.

A violência do passado, marcada em cortes profundos, atravessa o tempo e ainda pulsa no presente. Assim, com o pé na porta no mundo das artes — e também da história do país — ela se firmou como uma das artistas com um dos discursos mais urgentes do nosso tempo.

Ao longo de sua trajetória, que em muitos momentos se confunde com a própria arte, Varejão explorou uma ampla gama de materiais e testou suportes diversos para abordar temas centrais da identidade brasileira: colonialismo, mestiçagem, corpo e memória cultural.

Neste ano, ela se superou mais uma vez ao apresentar sua obra em três exposições simultâneas, realizadas em diferentes partes do globo: Nova York (EUA), Lisboa (Portugal) e Atenas (Grécia). Cada uma delas propõe um recorte específico da história, com olhares distintos, mas todas atravessadas por sua paixão pela cerâmica e pela habilidade em reinventar o uso dos azulejos — um de seus elementos mais presentes.

Quando a reportagem da Bravo! entrevistou a artista por telefone, na véspera da inauguração da mostra na Hispanic Society Museum & Library (HSM&L), em Nova York, Adriana Varejão vivia um turbilhão. Ao mesmo tempo em que comemorava sua primeira individual na metrópole, ela processava o luto pela perda da sogra, a ensaísta Heloísa Teixeira (Adriana é casada com Pedro Buarque de Holanda), integrante da Academia Brasileira de Letras do Rio de Janeiro.

“Essa correria não é nada. Nada. Tudo ficou pequeno perto disso. Porque ela, além de ter sido uma pessoa da minha família, era minha mestra também. Eu a conheci bem antes de ela ser minha sogra. E ela foi uma grande pessoa, assim, para as mulheres. Então, na verdade, viver esse luto que está sendo difícil… o resto tá fácil”, desabafa a artista, ao comentar como tem equilibrado os três projetos em cartaz simultaneamente.

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Adriana em frente a Mata mata, de 2024 (Vicente de Mello/divulgação)
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Montar uma exposição, para Adriana Varejão, está longe de ser uma tarefa simples. A artista não separa suas obras do espaço em que serão exibidas — pelo contrário, seu processo criativo depende do diálogo com o ambiente, com o acervo e com o entorno. Esse envolvimento torna cada projeto mais complexo, pois exige pesquisa, escuta e, muitas vezes, a criação de obras pensadas especificamente para aquele contexto.

“Não sou o tipo de artista que cria obras desconectadas do espaço expositivo ou do contexto em que serão apresentadas. Nada contra, mas não é o meu processo. Eu preciso dialogar com o ambiente, com a coleção, com o entorno.” Para a exposição nova-iorquina, por exemplo, ela estudou e interagiu diretamente com o acervo e com a arquitetura do prédio histórico localizado no Harlem.

Seu processo criativo é guiado por uma disciplina rigorosa. Não acredita em epifanias ou em ideias milagrosas que surgem do nada. Prefere confiar no estudo, na pesquisa e na elaboração do conceito como ponto de partida para decidir que caminho seguir. “Com o conceito em mãos, passo a imaginar como essa ideia se manifesta visualmente: vai ser uma pintura, um prato, uma escultura? Cada técnica é escolhida de acordo com o que o conceito pede. A ideia orienta tudo — até a técnica e os materiais.”

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Adriana Varejão, Mata Mata, 2024. óleo sobre fibra de vidro e resina. 150 x 150 x 25 cm. Parte da série Pratos (Vicente de Mello/divulgação)

Ainda assim, como todo artista que lida com os altos e baixos da criação, ela também enfrenta bloqueios. Para eles, só há um caminho. “Acredito no trabalho. As ideias surgem quando a gente está em ação, em embate com o fazer. Se estou com bloqueio criativo, vou para o ateliê. Fico por lá, mesmo sem saber o que fazer. Escuto música, folheio livros, rabisco qualquer coisa — mesmo que não sirva para nada. Só de estar ali, as coisas começam a acontecer. E se não acontecerem, volto no dia seguinte.”

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Adriana Varejão, Mata Mata, 2024. óleo sobre fibra de vidro e resina. 150 x 150 x 25 cm. Parte da série Pratos (Vicente de Mello/divulgação)

A disciplina e o apreço pela rotina vêm da infância. Filha de militar — seu pai, Francisco Varejão, foi piloto da Aeronáutica —, Adriana cresceu em um ambiente rígido. E, embora tenha ingressado nas artes aos 20 anos, o plano inicial era outro. Por insistência do pai, chegou a iniciar o curso de Engenharia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Sua vocação, acreditava, era a Arquitetura — mas foi convencida de que essa carreira não teria futuro.

“Nos anos 80, a profissão de arquiteto praticamente desapareceu no Brasil… Era aquela época dos prédios horrorosos, depois do modernismo, ditadura militar, tudo sendo construído por engenheiros. Aí ele falou: ‘Imagina, você vai fazer arquitetura? Faz engenharia, que engenheiro faz o papel de arquiteto.’ Sabe?” A decisão, ela admite, foi um equívoco. Curiosamente, foi nesse período que ingressou em cursos de artes do Parque Lage, no Rio, e começou a produzir com intensidade. Em menos de cinco anos, já era uma artista premiada.

“A rotina, pra mim, é libertadora, não aprisiona. Quando estou sem ela, me sinto mais perdida. Meu horário não é cravado, mas tenho o hábito de ir e voltar do ateliê todos os dias e passo a maior parte do tempo lá.”

Fora do ateliê, o trabalho continua — a cabeça segue funcionando. Mas é também nesses momentos que outras coisas importantes acontecem: conversas, leituras, lazer. Acho que a disciplina precisa existir tanto pro trabalho quanto pro descanso.”

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Apesar do foco absoluto no trabalho, Adriana defende um conceito que costuma ser esquecido: a “disciplina no lazer”. “Os dois precisam de disciplina. Porque senão a gente começa com o ‘tô cansada, não vou’. Aí não vai na estreia do filme do amigo, na abertura da exposição do artista jovem… e perde coisas incríveis. É isso: tem que ter disciplina também pro lazer. Ir à praia, sair de casa, dar um mergulho — mesmo com preguiça. Não é só o trabalho que exige esforço, o descanso também precisa de vontade.”

Por ora, no entanto, o descanso parece distante. Três exposições individuais — em Nova York, Lisboa e Atenas — tomam conta da agenda da artista neste momento. Conheça, a seguir, mais detalhes dessas mostras.

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Adriana Varejão, Guaraná, 2024. óleo sobre fibra de vidro e resina. 150 x 150 x 25 cm. Parte da série Pratos (Vicente de Mello/divulgação)

Don’t Forget: We Come From the Tropics

A exposição “Don’t Forget: We Come From the Tropics”, em cartaz na The Hispanic Society of America, em Nova York, marca a primeira mostra individual de Adriana Varejão em um museu nova-iorquino. O nome foi inspirado em uma frase da escultora brasileira Maria Martins: “Don’t forget, I come from the Tropics” (“Não se esqueça: eu venho dos trópicos”). A escolha foi um gesto de afirmar uma identidade separada das classificações impostas por narrativas eurocêntricas da história da arte.

A mostra é composta por cinco grandes pratos tridimensionais — da série “Pratos” — e uma instalação escultórica inédita. A mostra integra o novo programa de arte contemporânea da Hispanic Society, reaberta em 2024 após uma década de reformas, e busca ampliar o diálogo entre passado e presente, tradição e contemporaneidade — e, sobretudo, aproximar novos públicos de seu valioso acervo.

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Instalada em um edifício histórico de arquitetura marcadamente barroca, a exposição dialoga diretamente com o espaço e com a coleção permanente da instituição, especializada em arte dos mundos de língua espanhola e portuguesa. Varejão, que também assina a curadoria de uma seleção de cerâmicas do acervo, apresenta obras inspiradas em tradições de diferentes origens — da cerâmica marajoara pré-colombiana às peças turcas de Iznik e chinesas da dinastia Ming —, incorporando elementos esculturais que evocam técnicas de mestres como Bernard Palissy e Rafael Bordalo Pinheiro.

No pátio da entrada, a artista instalou uma sucuri de grandes proporções em fibra de vidro que se enrola na estátua de El Cid, que pertence à instituição, desafiando os símbolos imperiais e patriarcais representados pelo monumento. A serpente, símbolo ambíguo de força e transformação, ali, atua como metáfora de resistência e reinterpretação histórica.

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Adriana Varejão, Guaraná (verso), 2024. óleo sobre fibra de vidro e resina. 150 x 150 x 25 cm. Parte da série Pratos (Vicente de Mello/divulgação)

Entre os Vossos Dentes

A exposição “Entre os Vossos Dentes”, no Centro de Arte Moderna Gulbenkian, em Lisboa, apresenta um diálogo intenso entre as obras de Adriana Varejão e da artista portuguesa Paula Rego (1935–2022). Dividida em 13 salas temáticas, a mostra destaca como as duas artistas, de maneiras diferentes, abordam temas como violência, poder, corpo e memória.

A ideia da exposição surgiu em 2017, quando Varejão visitou o ateliê de Rego, após terem feito juntas uma pequena mostra no Rio, na Carpintaria (na Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel). A partir daí, nasceu o desejo de organizar uma exposição maior, reunindo obras das duas. Embora tenham trajetórias distintas — a artista portuguesa preferia retratar experiências íntimas, enquanto Varejão trabalha com questões históricas e sociais —, há conexões fortes entre seus trabalhos, especialmente na forma como tratam temas duros e urgentes.

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A mostra reúne cerca de 100 obras e foi organizada por Varejão em parceria com Helena de Freitas e Victor Gorgulho. Para a cenografia, Varejão convidou a cineasta Daniela Thomas

Em vez de fazer comparações diretas entre as artistas, a exposição propõe encontros entre as obras, criando ligações por afinidade temática ou visual. Um exemplo marcante é a sala que reúne a série sobre o aborto de Paula Rego, dos anos 1990, com pinturas de Varejão feitas para a Bienal de São Paulo de 1994 — ambas tratam do corpo e da dor com força e sensibilidade.

O título da mostra vem de um poema “Poemas aos Homens do Nosso Tempo”, de Hilda Hilst e faz referência à resistência e à luta contra opressões. Segurar algo entre os dentes seria um gesto de firmeza diante das violências enfrentadas.

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Adriana Varejão em frente a “Guaraná” da série Pratos (Vicente de Mello/divulgação)

Histórias Moldadas

Em Atenas, ela inaugura sua primeira exposição individual na galeria Gagosian, entre 15 de maio e 14 de junho. A mostra reúne obras inéditas inspiradas em quatro tradições cerâmicas distintas, em diálogo com peças históricas.

Dividida em quatro salas, a exposição começa com a cerâmica grega, incluindo um vaso original emprestado pelo Museu Benaki, apresentado ao lado de criações de Varejão. A segunda sala é dedicada à cerâmica de Maragogipinho, no Recôncavo Baiano, região reconhecida por sua forte tradição artesanal. 

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Adriana Varejão, Urutau, 2024. óleo sobre fibra de vidro e resina. 150 x 150 x 25 cm. Parte da série Pratos (Vicente de Mello/divulgação)

As obras nasceram a partir do contato desses dois universos aparentemente distantes: a cerâmica grega e a do Recôncavo Baiano. Em sua pesquisa, ela visitou o Museu Benaki, na Grécia, e mergulhou nas tradições visuais da cerâmica antiga. Ao mesmo tempo, foi até Maragogipinho, o mais importante polo da cerâmica popular brasileira.

“Comecei a sobrepor essas duas tradições e pensar: o que acontece quando colocamos a Grécia em diálogo com o Recôncavo?”, conta Varejão. A partir dessa pergunta, surgiram obras que combinam referências clássicas e populares. Daí foram criados novos sentidos para formas, técnicas e narrativas ligadas à história da arte e à cultura visual – tanto do ponto de vista cronológico e territorial.

Já a terceira sala propõe uma releitura da cerâmica chinesa da dinastia Song, com destaque para um incensário original também cedido pelo Museu Benaki. A última sala se inspira na cerâmica de Iznik, da Turquia, marcada por seus intensos tons de azul.

“São obras craqueladas, e esse processo é bem delicado. Algumas funcionam logo de cara, outras não. Comecei a desenvolver essa exposição depois de abril do ano passado, quando fui a Maragogipinho. Acredito que a concepção começou ali, com essa viagem. Comprei algumas peças, trouxe, e talvez ali já tenha nascido o esboço da exposição.”, explica a artista.

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Adriana Varejão, Urutau (verso), 2024. óleo sobre fibra de vidro e resina. 150 x 150 x 25 cm. Parte da série Pratos (Vicente de Mello/divulgação)
Adriana Varejão, exposições internacionais

Nova Iorque – Hispanic Society Museum & Library
Adriana Varejão: “Don’t Forget: We Come From the Tropics”
27 de março a 22 de junho de 2025

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Lisboa – Centro de Arte Moderna Gulbenkian
“Entre os Vossos Dentes”
10 de abril a 22 de setembro

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Atenas
– Gagosian
Ainda sem título
15 de maio a 14 de junho

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