Antônio Obá revisita o nascimento como metáfora em nova exposição
A mostra está em cartaz na galeria Mendes Wood DM, em São Paulo, onde o artista investiga a vida como um ciclo contínuo de nascimentos e imprevisibilidades
Antônio Obá subverte a ideia romântica do artista movido por lampejos criativos. Ele prefere a rotina disciplinada — com hora para começar e terminar, em um ateliê bem definido. O caos precisa estar distante. A organização, para ele, é parte essencial do processo. É nesse tom que se revelam os bastidores de sua nova exposição individual, “Nascimento”, em cartaz na galeria Mendes Wood DM, no coração da Barra Funda, em São Paulo.
Na mostra, Obá se lança em uma investigação nada simples, embora trate de um tema comum a todos: a vida como uma sucessão de nascimentos e imprevisibilidades. Ele chama a atenção para o fato de que nascer é estar sujeito ao inevitável. E, diante dessa falta de controle, criamos símbolos, ritos e significados para acreditar que ainda conduzimos algo. É nesse jogo entre acaso e narrativa que seu trabalho se estrutura.
“O nome Nascimento, que dá título à exposição, foi a primeira coisa que determinei — antes mesmo de criar qualquer obra. Não sei explicar exatamente por quê, eu simplesmente sabia: vai ser Nascimento. Acho que tinha a ver com o que eu estava sentindo e pesquisando naquele momento”, contou o artista à Bravo! durante visita à exposição. “A partir daí, as obras foram surgindo, sempre em torno dessa ideia — o que seria esse nascimento? Há nesse processo algo da gênese, um ponto de partida que dá margem a tudo. E esse ‘tudo’ acontece ali, dentro da própria obra, porque estamos sempre lidando com o imponderável. Nada é certo. A única certeza é o próprio ato de acontecer.”
Entre os destaques da mostra está uma série de pequenas pinturas inspiradas nas 22 cartas dos Arcanos Maiores do tarô, imagens que simbolizam momentos decisivos da vida.
“Acho que há muito de sorte, muito do que acontece dentro de uma casa. Acontecimentos que simplesmente ocorrem, e você não sabe bem o que são. Então, tenta encontrar formas de dizer. A religião tenta dizer, a psicologia tenta dizer, o tarô tenta dizer. Aos poucos, essas referências começaram a surgir, somando-se como tentativas ou criando uma espécie de alívio, uma forma paliativa de não morrer na angústia total de não saber.”
A exposição ocupa seis ambientes da galeria. Logo na entrada, dois jardins de Espada-de-São-Jorge funcionam como proteção simbólica, formando um corredor que leva a dois postes de madeira inteiramente cobertos por pregos — uma alusão dolorosa ao pelourinho. Entre eles, cabos sustentam uma cabeça de bronze, da qual pende um prumo. A instalação se apresenta como uma oferenda ao senhor dos caminhos, um diálogo direto com Exu.
Nos demais espaços, o público encontra pinturas, esculturas, fotografias, instalação e vídeo-performance — todas marcadas pela identidade visual e simbólica característica de Obá. Em uma das ações mais instintivas do projeto, o artista pintou um grande mural poucos dias antes da abertura, sem esboços ou planejamento prévio. O improviso foi parte da proposta: as imagens deveriam nascer umas das outras, num processo guiado pela intuição.
“Deliberei não fazer nenhum esboço. Porque isso, de certa maneira, me neutralizaria — embotaria o susto natural de estar aqui, fazendo e tentando organizar as imagens que iam surgindo aos poucos. Havia uma pista ou outra, mas não um processo de pensamento obsessivo no sentido de ‘nossa, o que vou fazer ali?’”
Nem todas as obras são inéditas. Uma das instalações, Ka’a porá (2024), é composta por esculturas de pernas e pés que lembram um pequeno jardim — pés como raízes de onde brotam troncos. O título remete à figura mítica da Caipora, protetora das florestas. A mostra encerra-se com o vídeo Encantado (2024), em que o artista se coloca como um peregrino na mata.
“Nascimento” também marca um renascimento simbólico do próprio artista — de sua linguagem, de suas técnicas, de suas memórias.
“Costumo dizer que muito do meu trabalho é autorreferente — não totalmente autobiográfico, mas autorreferente. Muita coisa nasce de relatos familiares e se mistura à memória coletiva presente nos símbolos que utilizo. Todo o processo acontece nesse gesto de revolver a terra para descobrir o que está enterrado. É quase um trabalho antropológico, um ofício de coveiro: exumar, reorganizar, limpar o terreno e encontrar o que havia sido esquecido.”
Antonio Obá – Nascimento
Até 28 de fevereiro, 2026
Mendes Wood DM – R. Barra Funda, 216 – Barra Funda, São Paulo
Seg a sex, das 11h às 19h; sab, das das 10h às 17h
Gratuito
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