Bienal de Arte: Vivendo diante do impossível
A 35ª Bienal de Arte de São Paulo terá início em setembro abordando o viver diante das crises. Nós conversamos com os curadores
A Bienal de Arte de São Paulo tem uma grande responsabilidade. Ela é, afinal, a segunda mais antiga do mundo, atrás apenas de Veneza, que acontece há 128 anos. Por tradição, esse evento que ocorre a cada dois anos, tem o encargo de colocar em evidência o que há de mais emblemático e atual na arte contemporânea que se produz no país e também além das fronteiras. Assim como no Carnaval, onde as escolas de samba definem seus enredos, e os temas que querem dar destaque, a Bienal faz os próprios diagnósticos do contexto presente, selecionando artistas e obras que conversem bem com o seu tempo. Para fazer a magia acontecer, a Fundação Bienal de São Paulo aproveita o intervalo de dois anos para escolher o corpo de curadores, que irá dar forma para o evento. Para a 35ª Bienal, foi escolhido um robusto coletivo, composto pelos artistas, pesquisadores Diane Lima (Brasil), Grada Kilomba (Portugal), Hélio Menezes (Brasil) e Manuel Borja-Villel (Espanha).
O desafio é permanente: aproximar e convencer o público de que as obras dialogam, sim, com suas realidades. Para isso, é fundamental que os organizadores espelhem a diversidade e também façam dela um critério central na seleção dos artistas. Desse encontro multidisciplinar, para a edição deste ano, aonde cada parte trouxe suas perspectivas e urgências, nasceu um assunto em comum: Coreografias do Impossível. Mas o que significa isso, afinal?
“Os artistas presentes nesta Bienal se relacionam de diferentes modos com a própria ideia do impossível, seja através dos contextos impossíveis em que vivem e da maneira como encontram para enfrentá-los, contorná-los, atravessá-los ou escapa-los. São contextos onde a violência total se instala, onde a própria ideia de liberdade e igualdade se realiza de modo impossível, ou melhor dizendo, não se realiza. Isso também se aplica aos artistas cujas formas expressivas e expressões estéticas são impactadas e transformadas pelas próprias impossibilidades desse mundo”, resume o curador, antropólogo e pesquisador Hélio Menezes.
Para Manuel Borja-Villel, pesquisador, historiador da arte e diretor do Museo Reina Sofía, de Madri, a imagem de uma coreografia, um aspecto da dança, simboliza os esforços diários do mover diante de tantos bloqueios e impedimentos, que aparecem em suas diversas formas. “A coreografia do impossível é uma contradição de termos. A coreografia implica, literalmente, uma dança, um movimento de onde ele se move e vai criando o próprio espaço, o próprio mundo. O impossível é um pouco a sociedade atual na qual vivemos, onde as regras são estabelecidas, e onde temos guerras, distopias, pandemias e emergência climática.”
Enquanto os meses se aproximam da abertura da 35ª Bienal, que acontece em 6 de setembro, a Fundação anunciou no último mês a lista parcial dos nomes que participarão dela. Ao todo, serão 37 artistas, quatro duplas e dois coletivos. Desses, 92% são negros, indígenas e/ou não-brancos. Em termos de diversidade, a exposição já é histórica. Além disso, mais de 70% são trabalhos de artistas do Sul Global, ou seja, fora de territórios que costumam predominar em instituições de arte.
O curador Hélio Menezes lembra que diante dos desafios da atualidade, para alguns grupos as dificuldades ainda são maiores. “Vivemos num mundo dividido, em que as possibilidades são mais viáveis para uns do que para outros, e todas essas diferenças são impactadas pelo racismo e pelo racismo ambiental, pela intolerância, pela misoginia e pela LGBTfobia, que reverberam em modos de produção artística que lidam com outras temporalidades.”
Há, claro, um resquício de esperança no meio dos entulhos do impossível, iluminado, justamente, pelos artistas. O evento não se limita a confrontar uma realidade, mas também imaginar soluções para uma realidade mais justa e digna. “O que vemos nesse horizonte coreográfico são estratégias e políticas do movimento que essas práticas vêm criando para imaginar mundos que confrontam as ideias de liberdade, justiça e igualdade como realizações impossíveis”, afirmam os curadores no texto de apresentação da 35ª Bienal.
Confira algumas das obras selecionadas: