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Festival Arte Serrinha: onde a arte e a natureza se encontram

Bravo! viajou até Bragança Paulista e conversou com artistas que exibem obras inéditas no interior do estado

Por Gabriela Rassy
26 jul 2024, 09h00
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 (Karina Iliescu/divulgação)
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Um festival que une linguagens e territórios, em uma experiência de arte e conexão mais pura com a natureza. Já faz 22 anos que a Fazenda Serrinha, em Bragança Paulista, imprime novos capítulos na história da arte com o Festival Arte Serrinha. Sempre com base em residências únicas, resistência e, como convém ao universo artístico, resiliência, o evento leva artistas para fora do espaço urbano e convida o público a conhecer produções inéditas feitas a partir das provocações do próprio território.

Este ano chega marcado por uma parceria inédita com o necessário e renovado Museu da Língua Portuguesa, norteando a curadoria numa escolha que reflete e celebra exatamente o idioma que une nações brasileiras, portuguesas e africanas. Desta vez, o idealizador do festival, Fabio Delduque, convidou o português Carlos Antunes, da Bienal de Coimbra, e a angolana Mehak, da Galeria Jahmek Contemporary Art, para assinarem ao seu lado a curadoria da residência artística. Guiados pelo tema “Atlânticos”, o time traz uma transposição das distâncias oceânicas e os fazeres artísticos em música, artes visuais, artes plásticas, gastronomia, moda e dança.

Para absorver os ares da serrinha e as vivências na terra reflorestada, antes ocupada pelo pasto, foram convidados os angolanos Wyssolela Moreira e Gegé M’bakudi, os portugueses Inês Moura e Jorge das Neves e os brasileiros Jonathas de Andrade e Shirley Paes Leme. Inspirados pela urgência ambiental e artística provocadas na fazenda, desenvolveram obras que, em 2025, devem compor uma mostra temporária no Museu parceiro que se dedica ao nosso idioma compartilhado.

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Residências que provocam

Munida de inúmeros gravetos coletados pela fazenda, a artista Shirley Paes Leme buscava inspiração para fazer uma escada que nos levaria até o céu. “O mundo provoca a gente. E ao ser provocado, a gente dá um retorno. Esse é o papel do artista. A gente inventa coisas que não existem. E é essa provocação em mim que eu devolvo para o mundo”, reflete Shirley, que tem o trabalho permeado por questões relacionadas à ecologia. “Nós temos uma urgência brutal no planeta. Nós temos que fazer alguma coisa porque não sobreviveremos”. 

Já Jorge das Neves, pela primeira vez no Brasil, estava como uma esponja, ainda absorvendo as possibilidades. “Acho que mais do que cuidar da terra é cuidar dos homens. Porque ao cuidarmos dos homens, acho que cuidamos da terra. Acho que se cuidarmos todos uns dos outros, no fundo, quem vai ganhar é o planeta”.

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(Gabriela Rassy/fotografia)

Conectada há anos com as terras brasileiras, Inês Moura trabalha com a ideia de duas identidades unidas e separadas pelo Oceano Atlântico. “Há muitas coisas que eu não tinha ainda noção antes de ter vindo para este lado do oceano. Sinto muito que há coisas que eu vim descobrir aqui sobre mim, seja a minha espiritualidade, seja o lado mais corporal da entrega do mundo”, conta. “Esse Atlântico, foi por mim trabalhado muitas vezes, em outros trabalhos, como uma mancha de água, como esse corpo líquido que divide estes dois países”.

Outra artista em sua primeira visita ao Brasil é a angolana Wyssolela Moreira, que investiga cosmologias indígenas nos territórios entre África e América. “A relação de Angola e Brasil sempre foi tão grande, bem maior do que eu acho que os brasileiros têm noção. Nós sempre consumimos muita coisa que vem do solo brasileiro. A mídia, a música, tudo. E é muito interessante o consumo que nós fazemos do que é brasileiro agora, nesta era contemporânea, comparado ao consumo que o Brasil fez do que é de Angola”.

Ela conta que seu trabalho perpassa pela ancestralidade e pela relação cosmocientífica de como o indígena africano vê a si e ao seu entorno. “Devido ao contexto histórico de Angola e de como a colonização se deu no país, há uma questão de identidade muito grande. A forma como as pessoas estão aculturadas é muito eurocentrizada. E o problema não é só o adquirir do que é o eurocêntrico, mas o esquecimento do que é africano, do que é teu”.

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Wyssolela vê o brasileiro muito mais livre, aberto, preenchido. “Quando tu olhas de uma forma cosmológica, de conhecimento indígena, tudo é ligado ao teu ser e quem tu és. E a tua participação no coletivo, na natureza. Eu considero meu trabalho como de descolonização, com certeza. Porque é um trabalho de procura, de reencontro, de memória. Eu vou me reencontrando de várias formas e vou convidando as pessoas ao meu redor para fazerem a mesma coisa”. 

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(Gabriela Rassy/fotografia)

A Serrinha nos abraça

A impressão da Fazenda Serrinha é de arrebate. O ar que apontava insalubre nos termômetros paulistanos já entrava nos pulmões de outra forma. Pelo gramado, jovens artistas das residências de dança com Morena Nascimento, se espalhavam ao sol antes de voltarem aos ensaios. 

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Durante 20 dias de julho, eles se somaram aos tantos outros que embarcaram em pesquisas de artes visuais ao lado de Virginia Medeiros; de gastronomia com Morena Leite; de moda com Dudu Bertholini; de pintura com Dudi Maia Rosa; de música com Jaques Morelenbaum. Completavam ainda o quadro, bolsistas da Ocupação Nove de Julho e do Núcleo Luz, convidados a vivenciarem e produzirem a partir dessas tantas conexões.

Caminhando pelos gramados rodeados por uma mata refeita a dedo – o que inclusive rendeu o título de Reserva Particular do Patrimônio Natural –, instalações e esculturas de importantes artistas se acomodam entre as folhagens. Entre elas, “A grande espiral”, de Bené Fonteles, numa referência ao famoso Spiral Jetty de Robert Smithson, que inaugura a ideia de museu a céu aberto, lá em 2004. 

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Ailton Krenak e Bene Fonteles, em 2016 (Festival de Arte Serrinha/divulgação)

Bené marca ainda presença com a Oca Xinguana, construída em 2016 por indígenas do baixo Xingu. Inaugurada com a presença de Ailton Krenak e de cinco diferentes etnias indígenas, o espaço serviu por anos como um ponto de convivência e intercâmbio entre culturas. 

“Hoje a gente tem aproximadamente 20 obras. E tem uma questão aqui também, que é uma certa liberdade que é dada para os artistas de criarem, eventualmente, coisas efêmeras, que duram uma temporada. A ideia, diferente de um museu, é que seja um laboratório, um espaço para experimentação. Obviamente que alguns trabalhos acabaram ficando com esse caráter mais permanente e tal, mas isso não é uma condição”, explica Fabio Delduque.

Enquanto os dias são de produção, as noites encontram nas festas e nos momentos ao redor da fogueira as conexões. No cair do sol e nos finais de semana até os últimos dias de julho, o Festival se abre ao público com uma programação que vai desde conversas com os artistas até exibições de filmes, shows, espetáculos de teatro e oficinas. Fora do evento, a Fazenda ainda recebe visitantes em sua pousada, rodeada por um bosque.

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(Gabriela Rassy/fotografia)

Ainda há tempo de aproveitar o Festival Arte Serrinha, que segue até 27 de julho, quando acontece a ativação anual da obra ‘Eu Te Como’, de José Roberto Aguilar. Tomada por chamas, ela finaliza esse primeiro capítulo de um ciclo que se encerra de fato no próximo ano com a exposição no Museu da Língua Portuguesa. E lá estaremos, com a sede de quem sabe a potência que vai encontrar. Vida longa, Serrinha!

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