Fotógrafo João Farkas é destaque da temporada Brasil na França
O artista exibe série sobre o litoral norte do Brasil em mostra ao ar livre em Paris

O fotógrafo João Farkas é um dos destaques do Ano do Brasil na França, a maior mostra internacional já dedicada à cultura brasileira. Até o fim de agosto, suas imagens poderão ser vistas ao ar livre na praça Federico García Lorca, às margens do rio Sena, em Paris. O espaço cultural, conhecido como “Prainha”, integra o Paris Plage, projeto que transforma a área do Sena em uma grande área de lazer durante o verão europeu.
Com curadoria de Emílio Kalil, a exposição reúne 18 fotografias de Farkas, das quais dez fazem parte da série Costa Norte. Desenvolvido ao longo de quatro anos, o projeto percorreu cerca de 2.200 quilômetros do litoral brasileiro, entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. Foram sete expedições que resultaram em mais de 25 mil imagens captadas. Além de Farkas, a mostra conta com a participação de nomes como Maureen Bisilliat, fotógrafa inglesa radicada no Brasil desde os anos 1950, e Luiz Braga.
Paralelamente, a série Costa Norte segue em cartaz em Parnaíba (PI) até o fim de agosto, com previsão de circulação por Salvador, Belém e São Paulo. O fotógrafo também trabalha, com apoio da Finco, em uma nova exposição que reúne imagens produzidas ao longo das últimas duas a três décadas em diversas regiões do país, apresentando um olhar mais abrangente sobre o Brasil.

Nascido e residente em São Paulo, João Farkas estudou fotografia no International Center of Photography e na School of Visual Arts, em Nova York, entre 1980 e 1981. Atuou como correspondente fotográfico das revistas Veja e IstoÉ, onde foi editor de fotografia entre 1981 e 1985. Com mais de 40 exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, suas obras integram acervos importantes, como MASP, MAM-SP, MAM-BA, Museu de Arte do Rio, Maison Européenne de la Photographie e International Center of Photography.
Recentemente, lançou o livro homônimo Costa Norte, publicado pela Edições Sesc, que reúne 200 imagens selecionadas entre as mais de 20 mil produzidas durante o projeto. A Bravo! falou com o fotógrafo sobre a sua nova exposição.
Seu trabalho transita entre a exuberância da natureza e os modos de vida que surgem em diálogo com ela. De que forma a série Costa Norte amplia ou desloca esse olhar em relação às suas produções anteriores, como Amazônia Ocupada e Trancoso?
Olha, esse projeto Costa Norte, ele é de novo um projeto meio amazônico no tamanho, na pretensão, porque eu me comprometi, me obriguei a percorrer os 2.200 quilômetros dessa costa, e então foi um projeto tão grande quanto a Amazônia, que demorou dez anos, e Trancoso, que demorou também uns dez anos. Esse a gente fez em quatro anos. O que diferencia esse projeto, na verdade, é que desde a década de 80, 90, quando eu comecei a fotografar, a velocidade com que o Brasil está ocupando o seu território, de forma, muitas vezes, completamente desajeitada, cresceu numa rapidez enorme. Hoje a gente visita uma região e três, quatro anos depois, ela já está ocupada, enquanto em Trancoso, na Amazônia, e são processos de décadas. Então, o que mais impressiona nesse projeto é a velocidade com que o documento tem que ser feito.

O que significa para você representar o Brasil no Ano do Brasil na França, especialmente levando imagens que fogem dos estereótipos turísticos e oferecem uma visão mais complexa da nossa paisagem e cultura?
É claro que ser convidado para representar o Brasil fora, apresentar um pouco do Brasil fora, o trabalho da gente, dá um super orgulho, é um reconhecimento importante. E o curioso nesse trabalho é que propus para o Kalil que a gente fizesse realmente uma coisa um pouco diferente para que não caísse naquela coisa que o Oswald de Andrade chamava de macumba para turista, que em fotografia é muito fácil você cair em mostrar arquétipo, seja já muito gastos de clichês brasileiros, ou seja, de denúncias, de devastação, etc. A gente preferiu fazer uma coisa que fosse mais estética mesmo, quer dizer, a gente tem um trabalho que poderia estar sendo feito. Em qualquer lugar do mundo, do ponto de vista de modernidade e de diferenciação em relação às imagens fotográficas que a gente tem acostumado a ver. Então para mim foi muito importante o Kalil ter aceitado essa proposta e eu espero que isso tenha uma certa repercussão do ponto de vista de mostrar outra forma de ver o Brasil, não só de mostrar o Brasil.

Ao longo das sete expedições pela costa norte do Brasil, quais foram os encontros, situações ou descobertas que mais te impactaram, seja do ponto de vista humano, seja ambiental?
Esse trabalho da Costa Norte, ele foi o que mais me surpreendeu, porque eu encontrei situações geográficas ou de paisagem e de humana muito surpreendentes a cada viagem. Então, por exemplo, eu nunca imaginei que o Delta do Parnaíba tivesse a riqueza de idiomas, de situações e de visuais que acabei vendo. Nunca imaginei que o Amapá fosse aquilo que vi. É outro mundo, é um mundo completamente diferente. O Marajó, o norte do Marajó e o Amapá também foram grandes surpresas, porque são coisas que a gente não vê muito, que a gente não tem contato. Então, aquele mundo líquido do Delta do Amazonas, aquela. Coisa dos canais das ilhas dos rios e as cidades e uma coisa que praticamente a gente não conhece a gente não tem essa convivência e encontrei pessoas incríveis como, por exemplo, lá no Piauí no litoral do Piauí que é um litoral muito pequeno existe um movimento muito interessante lá de tentar organizar um turismo cultural sustentável em parceria com as populações locais e eu conheci artesãos incríveis e o trabalho incrível que eles estão fazendo com as crianças é foi muito interessante.

Você fala sobre um diálogo constante entre o transitório e o transcendente, entre o episódico e o universal. Como essa tensão se manifesta nas imagens que compõem a exposição em Paris?
Essa exposição, em Paris, ela tem um aspecto muito gráfico. Ela trabalha num conceito que o Paulo Herkenhoff apelidou de mínima semântica, onde o espectador se defronta com imagens que ele não é capaz de decifrar imediatamente, e cria uma interrogação, um mistério, e aos poucos o espectador vai descobrindo o que ele está vendo. Por que a gente fez dessa forma? Porque trabalhar com natureza hoje é muito difícil, porque as pessoas já viram tudo, elas acham que já viram tudo, já viram o pôr do sol, já viram isso, já viram a Amazônia, já viram tudo. Então se você não for capaz de produzir imagens absolutamente inovadoras e surpreendentes, você não consegue capturar a atenção. O outro lado disso é que a gente tem que acrescentar uma dose muito grande de beleza e de poesia, porque as pessoas se comovem muito por isso. Então a gente associa esses dois elementos, que é um elemento de estranhamento e um elemento de reconhecimento da beleza, que é uma coisa até meio fora de moda, porque a arte está se virando com outras coisas, e isso atrai muito as pessoas e cria um vínculo com aqueles ambientes que a gente está tentando mostrar e tentando fazer serem queridos e preservados. Então, embora essa exposição em Paris seja muito, vamos chamar assim, vanguardista ou esteticamente preocupada, ela está inserida na mesma relação que eu tenha mantido. Com os ambientes que eu fotografo e com os públicos, que é essa relação de atração e surpresa.

Vivemos um momento de urgências ambientais e sociais cada vez mais visíveis. Na sua opinião, qual é o papel da fotografia documental e, particularmente, do seu trabalho nesse cenário?
Ah, essa é uma pergunta muito interessante e muito estimulante, porque a gente tem ouvido falar que o mercado tem se virado pouco para a fotografia, a fotografia estaria em um patinho feio das artes plásticas e gráficas, e eu sempre digo para as pessoas que quem está perdendo ao virar as costas para a fotografia é o Brasil, porque o Brasil tem uma dimensão visual importantíssima, é um dos países mais ricos do mundo em termos de imagens. O Brasil está passando por transformações ambientais e humanas avassaladoras e a fotografia brasileira está registrando isso, tem grandes fotógrafos fazendo grandes trabalhos. Registrar é uma coisa, o segundo momento seria mostrar, é preciso que essas imagens circulem, para isso a internet tem funcionado muito, uma vez que a imprensa está muito pouco voltada para a imagem, então a internet tem funcionado muito.
E não é raro você ver o trabalho dos fotógrafos envolvido com os ativistas e os fotógrafos se transformando em ativistas. Eu mesmo nunca me consideraria um ativista ambiental, mas depois do que vi acontecer no Pantanal, eu fiquei completamente mobilizado, porque agora na Costa Norte é impressionante a capacidade que o Brasil tem de destruir patrimônio natural e a gente precisa preservar esse patrimônio. Eu não estou falando de colocar o país no museu, mas de ser capaz de se apropriar do nosso território de forma coerente com produção de riqueza sem destruir o capital natural que é monstruoso que o Brasil tem.
Apesar de não haver um circuito imediato para essa exposição, a série Costa Norte está atualmente em cartaz em Parnaíba, onde ficará até o fim de agosto. Depois disso, a mostra deve circular por Salvador, Belém e São Paulo.
Quanto à exposição em Paris, que estou desenvolvendo com apoio da Finco, ela reúne imagens feitas ao longo dos últimos 20 ou 30 anos no Brasil. Diferente do trabalho anterior, não se trata de uma região específica, mas de uma visão especial sobre o país como um todo. Pretendo levar essa exposição a uma instituição assim que for possível.
