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Iole de Freitas: Os primeiros anos como artista

Retrospectiva faz um recorte da produção da mineira durante período que viveu na Itália, na década de 1970

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 14 jun 2023, 11h47 - Publicado em 14 jun 2023, 11h17
Iole de Freitas
 (Iole de Freitas / IMS/divulgação)
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Há sempre um momento na vida de um artista determinante no estilo que irá desenvolver, em sua linguagem e até temas de interesse. Para a belo-horizontina Iole de Freitas, não foi só um momento histórico, mas um lugar que a inspirou a se iniciar nas artes plásticas. Na década de 1970, ela se mudou para Milão. Inicialmente, sua mudança para Itália foi para acompanhar o marido, o também artista Antonio Dias. Mas ali descobriu um campo artístico muito pulsante e ativo, e começou a produzir suas próprias obras por meio da fotografia. Aquele foi o início de seu percurso, que nos seguintes desaguou na escultura e nas instalações.

Iole de Freitas
(Iole de Freitas / IMS/divulgação)

Essa fase de seu amadurecimento foi registrada na exposição Iole de Freitas, anos 1970 / Imagem como presença, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Com curadoria de Sônia Salzstein, professora de história e teoria da arte e diretora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, a mostra traz uma seleção de 16 sequências fotográficas, 9 filmes e 3 instalações, ainda pouco conhecidas pelo público brasileiro. E permanece em cartaz até 24 de setembro.

O ano está sendo agitada para Iole. Em julho, ela abrirá outra exposição, uma retrospectiva de sua carreira no Instituto Tomie Ohtake. Confira nossa conversa com ela:

Iole, você tem uma trajetória bastante rica. Estudou dança, design e, então, passou a trabalhar com arte. Em que momento você se encontra nas artes plásticas?
Isso foi se construindo. Eu sempre tive interesse pelas artes visuais e pela arquitetura. Eu ia fazer arquitetura, mas quando a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) foi inaugurada no Rio de Janeiro optei por ela, porque eu já trabalhava muito no ateliê do Luiz Watson, que foi onde eu conheci o Carlos Vergara produzindo joias de prata, cobre e muitos tecidos com materiais inusitados, tiras de couro, de barbante, de linha etc. Então esse lado [da criação] sempre foi muito presente. Acho que houve um afunilamento na hora do processo de individualização, na construção de uma linguagem que fizesse ponte com o outro.

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Iole de Freitas
(Iole de Freitas / IMS/divulgação)

Para quem não é artista, existe essa visão até um pouco mítica sobre como artista se forma, de como se constrói essa identidade. Então, voltando às suas primeiras criações artísticas, você consegue lembrar o que estava tentando experimentar?
Acho que tinha tanto a questão da percepção do corpo, do espaço, que continua existindo até hoje. Buscava uma linguagem que não fosse a pintura, nem escultura do ponto de vista da tradição e nem mesmo da pintura expandida. No Rio, eu convivia com o Hélio Oiticica, com o Antonio Dias, com o Vergara, e havia todo um campo experimental muito pulsante. Estava muito introjetada em nós essa ideia da arte ser um espaço de invenção.

Busquei a foto e o filme, comecei inclusive com os filmes Super-8, 16 e dali fui fazendo a sequências fotográficas. Então foi uma busca de criar uma linguagem nas artes visuais que não correspondesse às expectativas de constituição de uma pintura ou de uma escultura.

O body art, a possibilidade da performance usando vídeos e filmes, surgiu no momento em que um grupo de artistas, em grande parte mulheres, estava buscando a construção da linguagem por meio desses atributos. Acho que tem um instante em que se cruzam as questões individuais específicas com o campo cultural que o artista busca, e que com qual se relaciona.

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Iole de Freitas
(Iole de Freitas / IMS/divulgação)

Houve também um forte exercício de colocar o seu corpo como objeto de experimentação. Como foi isso?
Sim, eu fazia dança. Sempre falo que existem ações com funções. Quando você faz uma dança, por exemplo, constrói de modo que ela se baste em si. Pelo menos para mim, existem mil maneiras. Os espaços vão se dando e direcionando. Durante anos trabalhei com o meu corpo como instrumento e como fala principal. Afinal, era essa experiência que tinha.

“Acho que tinha tanto a questão da percepção do corpo, do espaço, que continua existindo até hoje. Buscava uma linguagem que não fosse a pintura, nem escultura do ponto de vista da tradição e nem mesmo da pintura expandida”

Iole de Freias

Em que momento você chega na Itália?
Foi um período muito importante. Eu estava casada com Antonio Dias, ele já estava morando na Itália e conhecia bem o meio de arte. Lá, fui procurar escolas de design, que ainda não existiam na Itália, e acabei trabalhando no núcleo de desenho industrial, que chamavam de imagem corporativa, da Olivetti. Foi uma ótima experiência porque tinha grandes arquitetos e jovens profissionais vindos dos mais diversos lugares. Então nós tivemos essa oportunidade, mas depois eu entendi que eu queria aplicar essa vontade de construir a linguagem em algo que fosse em si, que não estivesse em função de outro projeto externo ao meu, de construção da linguagem. Assim, primeira exposição que fiz foi uma projeção dos filmes Super-8.

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Foi um período muito ativo e político, inclusive do movimento feminista. Se você olhar na minha cronologia, você vê que essas exposições dos anos 1970, as coletivas das quais eu participei nos museus alemães, suíços, e na Bienal de Paris de 75, muitas tinham essa afirmação do trabalho feito pelas artistas mulheres.

Iole de Freitas
(Iole de Freitas / IMS/divulgação)

E como foi voltar para o Brasil depois dessa experiência na Itália?
É sempre difícil estar num lugar e ter que voltar. Mas era uma possibilidade de aprofundar o diálogo e relações com artistas brasileiros como José Rezende, Tunga, Paulo Sérgio Duarte e Paulo Venancio, com quem tenho, até hoje, uma relação de amizade. No início, não foi tão simples porque eu vinha de um campo cultural extremamente ativo e o meu trabalho já tinha reconhecimento lá. Mas foi bom num certo sentido, porque tinha um espaço extremamente aberto aqui, no qual pude desenvolver parte da construção dessas grandes instalações. Se eu tivesse ficado lá, provavelmente teria dado continuidade aos filmes e às sequências fotográficas.

Pela linguagem artística, eu acho que é admirável também o quanto você foi ousada nos seus primeiros trabalhos, no sentido de se desafiar e fugir do óbvio. Como foram esses primeiros experimentos fotográficos?
Posso dizer que eu desobedecia todas as regras que vinham. Olhando para as imagens, consigo dizer o período exato das fotos a partir das luzes, pois sei o filme que usei, se era um Ektachrome, Kodachrome, um filme para luz de tungstênio. Minha regra era desobedecer. Se o filme era para luz de tungstênio, eu usava de outro jeito. Eu não ficava testando muito, usava o filme de uma maneira oposta da que diziam que era para usar. Era um filme só para fazer aquela única ação. A ideia era usar as técnicas, o que era proposto como tipo ideal de cada tipo de película e fazer tudo ao contrário.

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Iole de Freitas
(Iole de Freitas / IMS/divulgação)

Finalmente, sobre a Mostra. Como que foi chegar na exposição e rever todos os trabalhos desse momento introdutório e tão importante da sua carreira?
Não teve tanto impacto porque eu gosto muito de fazer as coisas, de estar envolvida. Eu tive esse apoio incrível da equipe do IMS, de modo que trabalhei com eles durante todo o ano. Foi um trabalho muito afetuoso. Gosto de discutir cada parafuso das coisas e tudo foi uma construção, não teve surpresa. Foi tudo muito pensado, desenhado e acompanhado junto. O IMS me chamou para acompanhar o maravilhoso trabalho de impressão, assim como todas as decisões de instalações. Mas, claro, na hora de abrir, foi uma grande alegria, mas não foi uma alegria pontual, e sim estendida durante todo o processo. Era o trabalho de muita gente.

“Posso dizer que eu desobedecia todas as regras que vinham. Olhando para as imagens, consigo dizer o período exato das fotos a partir das luzes, pois sei o filme que usei […] Se o filme era para luz de tungstênio, eu usava de outro jeito. Eu não ficava testando muito, usava o filme de uma maneira oposta da que diziam”

Iole de Freias

 

Fico curioso para saber sua opinião sobre as redes sociais e todo esse universo de possibilidade de brincar com as imagens, utilizando os mais diversos filtros. São coisas que você faz há muito tempo, muito antes mesmo do surgimento dessas mídias.
Não sei dizer, eu não uso nada. Eu não vejo porque não uso redes sociais.

Mas sobre esses primeiros experimentos com as fotos, não foi uma experiência atravessada. Lembro que para o filme de 16mm, o aluguel da câmera era caríssimo, então se você tem um aluguel por uma semana e você tem verba para comprar uma bobina, pela lógica do mundo você utilizaria tudo certinho. Mas exatamente porque eu tinha uma oportunidade como essa que fazia tudo diferente. É a mesma atitude que tenho nas grandes exposições. Vou fazer tudo que já sei? Não. Quanto mais única for a oportunidade, mais única é a invenção.

Iole de Freitas
(Iole de Freitas / IMS/divulgação)
Iole de Freitas, anos 1970 / Imagem como presença

IMS Paulista – Avenida Paulista, 2424, Consolação – São Paulo
De 6 de maio a 24 de setembro; terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h
Entrada gratuita

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