Maior exposição de Andy Warhol no Brasil ocupa museu da FAAP
A exposição Andy Warhol: Pop Art! reúnde 600 obras, com destaque aos retratos de Marilyn Monroe e Elvis Presley e as latas da sopa Campbell

Direto de Pittsburgh, nos EUA. O destino? O Museu de Arte Brasileira da FAAP, em São Paulo, que acaba de receber um vasto acervo de obras de Andy Warhol, ícone absoluto e principal emblema da Pop Art no mundo. A exposição Andy Warhol: Pop Art!, inaugurada no início do mês, reúne 600 obras — das mais conhecidas, como os retratos de Marilyn Monroe e Elvis Presley e as latas da sopa Campbell, até peças inéditas que nunca haviam saído de sua casa, o The Andy Warhol Museum (Pittsburgh, EUA), como os tecidos produzidos pelo artista nos anos 1950.
Esta é a maior exposição de Warhol já realizada no Brasil, embora não seja a mais grandiosa fora dos Estados Unidos, como o museu chegou a divulgar — corrige Amber Morgan, diretora de coleções e exposições do Andy Warhol Museum, em Pittsburgh. “Acho que isso foi citado erroneamente, mas é a maior do Brasil. Tem algumas mostras que fizemos que foram maiores. Mas essa tem sido muito interessante por ser muito diversa. Outras podem ter sido maiores, mas não passavam por toda a carreira de Warhol, como essa faz”, conta a diretora em entrevista à Bravo!.
O processo de negociação para a mostra começou há três anos, entre as equipes de curadoria dos EUA e o Instituto Totex — responsável por trazer a exposição ao país. A proposta inicial de Amber era mais contida: seriam emprestadas 85 obras. Mas o coletivo brasileiro pensava em algo um pouco mais amplo. Foi então que o Instituto Totex e a diretoria do MAB compreenderam a importância de incorporar uma perspectiva brasileira à arte de Warhol, além de oferecer um panorama completo sobre a trajetória do artista. Após diversas conversas e com a confiança conquistada, definiu-se, enfim, o envio de 600 itens ao país.
Uma das figuras centrais nesse processo de acordo foi a curadora Priscyla Gomes, que concebeu a mostra em São Paulo e colaborou na seleção das obras que integrariam esse percurso. O primeiro passo, para ela, era apresentar Warhol não como um mito das artes, mas como um artista arrojado movido pela curiosidade e experimentação. “Desde o primeiro momento, era crucial fugir dessa visão da ‘genialidade do artista’ e tentar mostrar os processos e os agentes que conviveram nesses diferentes momentos de experimentação da trajetória de Warhol.”
Andy Warhol, Marilyn Monroe (Marilyn), 1967Para dar conta desse projeto ambicioso, foram ocupadas as duas salas do museu: a Sala Annie Alvares Penteado e o Salão Cultural, totalizando uma área de 2 mil metros quadrados. “A primeira, que é a sala menor — a Sala Annie — apresenta o que a gente chama de serialidade como ruptura. Nela, estão reunidas obras dos anos 50 que revelam essa faceta dele como ilustrador e designer publicitário, além de trabalhos que marcaram uma virada, como as latas Campbell, a caixa Brillo e todo esse conjunto de obras que ajudaram a construir essa figura mítica de Warhol. Também estão os primeiros trabalhos em que a serigrafia é incorporada”, conta a curadora.
Nesse mesmo espaço, é apresentado o jovem Warhol — um designer que havia se mudado de Pittsburgh, onde vivia com uma família extremamente religiosa, para Nova York, onde teve contato com os maiores nomes da moda (seu ponto de partida) e, mais adiante, das artes visuais. Na cidade, conheceu Tina Fredericks, diretora de arte da revista Glamour. Tina, talvez, tenha sido sua fada madrinha no primeiro momento. Warhol logo passou a colaborar com Vogue e Harper’s Bazaar até começar a ser requisitado por grifes como Tiffany & Co. e Bergdorf Goodman.
“Aqui mostramos os trabalhos dele do começo de carreira, como ele migrou para as artes visuais. Ele saiu dos trabalhos comissionados, como designer e publicitário, para as artes visuais — como ele usou isso e como começou a ser lançado na mídia, a ficar na fama com os objetos da pop art. Com as sopas Campbell, que todo mundo conhece, e também com a questão da iconografia, dos ícones, das celebridades que ele trouxe para as obras, para o mundo da arte”, complementa o produtor Roberto Souza Leão, um dos fundadores do Instituto Totex.
“Tivemos a ideia de criar uma cidade pop, onde tivesse vários bairros temáticos, cada um representando uma parte da potência, da versatilidade de Warhol. Ou seja, todas as plataformas e mídias por onde ele transitou e navegou.”
Na exposição, é possível conferir diversos desenhos de sapatos femininos encomendados para a Glamour. Na época, Warhol utilizava o método blotted line, uma técnica de contorno que resulta em linhas irregulares, borradas e com aspecto duplicado, como se fossem pequenas falhas de impressão. Seu traço delicado, com linhas tremidas e o uso expressivo de carimbos e colagens, logo se tornou sua marca registrada no mundo da publicidade.
Ali também estão concentradas suas ideias que anteviam o futuro do show business, como os “15 minutos de fama” — Warhol antecipava que todos teriam seus 15 minutos de fama —, estabelecendo conexões diretas com o presente. “A gente vê essa hiperexposição nas redes sociais e nas mídias, e eu acho que ele já tratava disso nos anos 1960 — e ainda vemos a reverberação hoje porque ele também experimentou com o digital. Tem um vídeo dele no lançamento de um computador pessoal, no qual pinta a Debbie Harry. É o primeiro momento dessa migração, e, nos diários, ele menciona o desafio de lidar com isso. E eu acho que havia essa tentativa também de se associar ao que havia de mais novo, de manter um espírito de vanguarda”, afirma Priscyla Gomes.
Nos anos 1960, Warhol não apenas acompanhou a ascensão da televisão e dos meios de comunicação de massa, como também absorveu a lógica da fama e do sensacionalismo midiático, incorporando esses elementos ao vocabulário visual da pop art. Foi nesse contexto que surgiram algumas de suas obras mais emblemáticas, como os retratos de Marilyn Monroe, Elvis Presley e Elizabeth Taylor, além das latas de sopa Campbell e das caixas Brillo – todas reunidas na mostra.
E, claro, não é deixado de fora seu famoso ateliê, a Factory, espaço icônico que se tornou o coração da cena artística de Nova York nos anos 1960 e 1970. A Factory era um espaço pulsante de criatividade, um ponto de convergência para artistas, músicos, cineastas e celebridades. Warhol transformou aquele ambiente em uma verdadeira linha de produção artística, onde o próprio processo criativo se tornava, muitas vezes, tão relevante quanto a obra pronta. O Factory foi fundamental para consolidar a grande persona de Andy Warhol.
The Velvet Underground, The Velvet Underground & Nico, 1967“As pessoas tinham uma expectativa achando que todos vinham à Factory para ver o Andy Warhol. E, na verdade, era o contrário. Ele estava lá para ver as pessoas que circulavam, ouvir suas histórias e suas ideias, porque isso também fazia parte do processo. A exposição aborda isso, não apenas os comissionamentos, mas também as ideias que ele questionava”, explica a curadora brasileira.
Hoje, seu nome é lembrado como um dos mais disruptivos no mundo das artes. No seu auge, ele abraçou as imagens, símbolos e representações visuais da cultura de massa, algo que outros artistas abominavam. Foi nessa toada que ele diminuiu as fronteiras entre obra de arte e mercadoria, até levar essa ideia às últimas consequências, quando transformou o conceito de reprodução em série em linguagem artística — algo radical para o contexto da arte nos anos 1960. “Quero ser uma máquina”, ele chegou a manifestar nesse sentido.
“Quando a gente vê a série televisiva, algumas coisas feitas para a MTV, pensa: ‘Nossa, isso ainda é visualmente atual. Fala tanto sobre a gente.’ Eu acho que isso é uma das razões pelas quais a gente ainda olha para Warhol como um contemporâneo”, destaca Priscyla Gomes.
Operação de guerra
Tão impressionante quanto a exposição são os esforços empregados para colocá-la de pé, explica Roberto Souza Leão. “É uma logística bem complicada, porque você não pode arriscar o legado do artista. Não é só uma questão de valores — existe uma norma internacional, é como nos seguros de avião: não se pode transportar mais de 100 milhões de dólares num único veículo, seja avião ou caminhão. As seguradoras fazem resseguro e não permitem ultrapassar esse limite. Então, mesmo fora da questão financeira, você não pode concentrar um acervo tão representativo num só lugar. Se houver um acidente, você perde tudo.”
No transporte das obras de Andy Warhol, cada detalhe é tratado como operação de guerra. Sem voos diretos de Pittsburgh para São Paulo, as peças foram divididas em três lotes, seguindo por rotas diferentes, em caminhões distintos, embarcadas em aviões separados, com horários e destinos estratégicos. Por questões de seguro e geopolítica — agravadas pelo cenário atual de guerras e instabilidade —, os organizadores dividiram as obras em três cargas, que partiram por rotas distintas: via Nova York, Dallas e Miami. A fragmentação evita perdas irreparáveis em caso de acidentes, tempestades ou até mesmo atentados.
As caixas são especiais: com proteção térmica, antivibração e sob vigilância constante de um courier, profissional do museu responsável por acompanhar todo o trajeto. As obras só embarcam ou desembarcam com ele presente. No avião, seguem em compartimento exclusivo — sem carga viva, inflamável ou qualquer outro tipo de material por perto.
Ao chegar ao Brasil, nada de abrir caixas no aeroporto. Se houver necessidade de vistoria, um agente da Receita Federal acompanha a comitiva até o museu. Lá, as caixas descansam por 24 horas antes de serem abertas, em um processo de aclimatação rigoroso. O cuidado maior, dizem os especialistas, é com a umidade — e não com a temperatura. Obras em papel, como muitas de Warhol, sofrem com a variação brusca de umidade, que pode fazer o material rachar ou se deteriorar. Por isso, manter os 50% ideais de umidade relativa do ar é regra de ouro.
O transporte e a montagem das obras de Andy Warhol em São Paulo envolveram um esquema logístico de uma complexidade absurda, com foco absoluto na segurança e conservação do acervo. A chegada ao Brasil demandou uma semana de transporte e, já em solo paulista, mais duas semanas de montagem, além de uma terceira dedicada a ajustes e testes.
A grandiosa “The Big C (The Last Supper)”, instalada na “Sala Annie”, com 10 metros de largura por 3 de altura, veio desmontada. A instalação envolveu três técnicos americanos e 17 brasileiros, em um trabalho de precisão milimétrica que durou 16 horas. Já a delicada “Oxidation Painting”, feita com urina sobre placas metálicas, exigiu ser acoplada em uma moldura blindada, vedada contra oxigênio e variação térmica — além de um ar-condicionado instalado atrás da parede.
Toda obra parte dos Estados Unidos com um laudo técnico feito por um conservador americano. Ao chegar, é examinada em minúcia por ele, ao lado de um profissional brasileiro, que juntos verificam qualquer alteração causada pelo transporte. Esse mesmo procedimento se repete no retorno das peças, como parte do protocolo internacional de seguros. O seguro, aliás, teve de ser feito sob legislação americana, conforme exigência do governo dos EUA, demonstrando as várias camadas jurídicas, técnicas e diplomáticas envolvidas em uma exposição deste porte.
Devido ao fato de esses transportes comprometerem a integralidade das obras originais, algumas peças raramente saem do instituto sede. Na exposição, há exemplos de obras inéditas ao público. “Os tecidos que estão nessa sala — aquela que mostra a trajetória dele de artista comercial para artista visual — nunca saíram do museu [de Pittsburgh]. Visitando o The Andy Warhol Museum, em Pittsburgh, vimos e achamos impressionante. E a curadora nos disse: ‘Não, isso a gente nunca mostrou’. Como nunca foram expostos, as cores estão intensas, saltam aos olhos. Ela completou: ‘Possivelmente a gente não vai mais mostrar esses tecidos, porque eles vão perdendo a cor com a luz, com a oxigenação, com tudo.’ Então, o que trouxemos é uma chance única de conhecer esse início de carreira dele, com esses materiais.”
Outro exemplo, “Vesúvio”, uma das peças emblemáticas no salão principal, nunca havia sido exposto fora de Pittsburgh. “Foi o sobrinho de Warhol quem nos contou que essa obra era uma das favoritas do artista. Eu acho que é muito interessante ver esse lado B dele, que ninguém conhece.”, conclui Roberto.
MAB FAAP | Rua Alagoas, 903 – Higienópolis | Prédio 1 – Subsolo
Período da exposição: Até 30 de junho de 2025. De terça a domingo, das 10h às 18h, com última entrada às 17h30.
Ingressos:
3ª a 6ª feira: R$ 50 inteira | R$ 25 meia-entrada
Sábados, Domingos e Feriados: R$ 70 inteira | R$ 35 meia-entrada