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A dupla face do medo

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h42 - Publicado em 21 fev 2017, 13h26
Capas “Poltergeist/Anúncios de TV” e “Cobra/Rato” (fotos: Pedro Agilson)

Por Beatriz Goulart

O MAR — Museu de Arte do Rio abre nesta terça-feira, dia 21, a exposição O Nome do Medo, da artista mineira Rivane Neuenschwander, que reúne capas feitas com crianças a partir dos seus medos. Iniciado em 2015, o projeto estimulou cerca de 200 crianças de 6 a 13 anos a listar e desenhar seus maiores temores e a confeccionar as peças. Vários materiais foram usados: algodão, organza, fitas, plásticos, linhas, e todo o trabalho contou com a colaboração do fashion designer Guto Carvalhoneto.

O projeto abrangeu 12 oficinas realizadas na Escola do Olhar e na EAV/Parque Lage, com atividades em grupo e individuais, deixando entrever as necessidades de cada criança. Em seguida a artista propôs o desenho das representações, para costurar medo e proteção na mesma roupagem, apontando a duplicidade desse afeto, por exemplo como ferramenta de formação e deformação cultural. No total, 32 capas foram produzidas.

Como reza a psicanálise, por um lado, o medo é uma construção social que, em uma sociedade mais justa, permite à criança medir a sua força com a força do objeto de enfrentamento, construindo habilidades a partir da capacidade de julgamento. Nesse sentido, foram listados medos mais afeitos ao seu universo, como leão, cabra, cobra, lobo, abelha, águas muito fundas, aranha, cobra venenosa, formiga vermelha, incêndio, furacão, gambá, ganso, grito, lacraia, mula sem cabeça, sombras, sonhos, um pouco de escuro, homem do saco, cocô de pombo, dengue, assombração…

Por outro lado, por meio de muitos enunciados, desenhou-se a sinuosidade política e social que o país tem vivido, explicitada em elementos coercitivos, denunciando a violência que atravessa o mundo adulto com severa repercussão na infância — medo da guerra, ir para o inferno, de eu não ter emprego e morar na rua, palhaço assassino, alguém da minha família ser preso, do cara que estava com uma metralhadora, estupro, igreja, xuxa, polícia, tiroteio, de todos serem infectados por zumbis …

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A exposição tem curadoria de Lisette Lagnado e patrocínio do prêmio da Fundação Yanghyun, da Coreia do Sul, em parceria com a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Leia a seguir entrevista com a artista.

“Mosquito da Dengue/Janela”, “Monstro Estranho” e “Separação/Nada” (fotos: Pedro Agilson)

Pensando na sua arte, que resgata a potência criativa do medo, como está representado o seu maior temor pessoal nesse projeto?

Por meio do trabalho eu pude, sim, elaborar algumas questões pessoais ligadas ao medo, tentando, por exemplo, fazer a distinção entre angústia, medo, fobia e pânico. E, embora o projeto não tenha sido pensado para o resgate dos medos da minha infância, voltar à minha própria história pessoal é inevitável. Isso ficou evidente na seleção dos medos que entraram nas capas. Essa seleção é feita de maneira meticulosa e há ali uma identificação profunda com o que é evocado por meio de uma palavra, ou, mais precisamente, de um medo nomeado. Mas como o projeto permitiu, do começo ao fim, a assimilação da subjetividade do outro, tanto a Lisette (curadora) quanto o Guto (fashion designer), além de outros envolvidos, puderam também contribuir na seleção dos medos, entrando com seu repertório pessoal e trajetória de vida. Isso traz a dimensão coletiva do medo, pois já não interessa mais o meu ou o seu medo particular, mas o medo como afeto central de nossas vidas; o medo como instrumento de coerção dentro de uma sociedade; o medo como sentimento conflituoso que permeia nossa estrutura psíquica.

Quais foram as premissas e fontes de inspiração?

O projeto se apoia no poema O Medo, de Carlos Drummond de Andrade, que continua dolorosamente atual… Foi escrito na década de 40, durante o Estado Novo, na ditadura Vargas. Espelha o que estamos vivendo agora em termos políticos no Brasil e no mundo. A lista de medos reflete a multiplicidade de questões pertinentes ao nosso presente, e também ao nosso futuro: medo de guerra, meteoro, bala perdida, fim do mundo, desastres naturais… são medos comuns a todos, adultos e crianças.

Para onde o trabalho te conduziu?

A questão é: qual o futuro que se esboça para nossas crianças? O que estamos fazendo com as crianças ao privá-las das brincadeiras, do lúdico, confinando-as em mundos virtuais limitados e solitários que são muitos dos jogos eletrônicos? É por meio da brincadeira que a criança elabora o mundo dos adultos, a realidade que a cerca. A dimensão da experiência está minguando cada vez mais. A mostra tenta resgatar essa dimensão da experiência lúdica, seja nas capas ou no teatro de sombras instalado em um palco de madeira, que permite à criança ativar os trabalhos. Se, para a psicanálise, o problema crucial para a espécie humana é saber se seu desenvolvimento cultural conseguirá sobrepujar a pulsão do homem para a agressão e a autodestruição, a arte tem ido além das saídas sublimatórias, propondo caminhos participativos, além dos portais dos museus, contando com a intersubjetividade para se realizar.

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Nome do Medo, de Rivane Neuenschwander. MAR — Museu de Arte do Rio (museudeartedorio.org.br). Praça Mauá, 5, Centro. CEP 20081–240, Rio de Janeiro, RJ. Até 10/3. R$ 20 (R$ 10, meia), grátis às terças-feiras.

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