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A nova saga de Macunaíma, a anti-heroína

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h23 - Publicado em 25 mar 2019, 13h48

Crítica: Obra de Mário de Andrade trans-criada por Iará Rennó é instigante e contemporânea

Fotos: Chris von Ameln

Por Debora Pill

A montagem de Macunaíma Ópera Tupi — Trans_criação, apresentada pela
cantora e compositora Iara Rennó em comemoração aos 90 anos (completados em 2018) da maior obra de Mario de Andrade, chega instigante e contemporânea.

O espetáculo musical partiu da formação encenada em 2010 no Teatro Oficina, se aprofundou na mitologia original e ampliou sua ação de representatividade feminina, negra, indígena e LGBT.

Desta vez Makunaima assume vários corpos, como o da multiartista transgênero Aretha Sadick, do artista macuxi Jaider Esbell, das cantoras Luz Marina e Vanessa Negravat, além da própria Iara. No papel do escritor, o ator Pascoal da Conceição. No corpo de baile, as dançarinas, pesquisadoras e coreógrafas Regina Santos, Luciane Ramos-Silva, Janette Santiago, Mia Omori, Ana Maira Favacho e Silvana de Jesus.

O repertório musical é composto basicamente pelas canções do disco
Macunaíma Ópera Tupi lançado em 2008 com banda formada por músicos que a acompanham desde então: Curumin (bateria, sampler e voz), Simone Sou (percussão e vocal), Guilherme Held (guitarra), Daniel Gralha (trompete), Edy Trombone (trombone e percussão) e Aline Falcão (baixo synth e teclados) mais quarteto de cordas sob direção de Luiz Amato com arranjos de Dante Ozzetti e Arrigo Barnabé.

São 22 artistas no palco, onde a música é o fio condutor e que dialoga com teatro, dança e interações audiovisuais. Gert Seewald assina cenografia e, em parceria com Iara, a direção artística do espetáculo.

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Ao texto original do livro juntaram-se trechos de cartas de Mário e de mitos
originais narrados para Koch Grunberg, fragmentos de obras seculars como A
Odisseia
, de Homero, o Discurso da Servidão Voluntária de La Boetie, O
Príncipe de Machiavel, Poesia Pau Brasil de Oswald Andrade e citações de
autores e artistas contemporâneos como Micheliny Verunshk, Toni Morrison e
Tom Zé.

Mario dizia que um dos maiores propósitos de “Macunaíma” era refletir sobre
nossa identidade. Por esse motivo, ele criou uma rapsódia que relacionava
constantemente aspectos de unidade e homogeneidade do nosso complexo
DNA cultural. Propôs a união através do valor da diferença.

Reviver por duas horas e meia o começo de nossa história é, em muitos aspectos, angustiante. Violência, destruição, miséria humana. Ao mesmo tempo, se conectar por duas horas e meia com a imensidão de forças e camadas que co-habitam nossa identidade brasileira é alimento. Verdadeiro banquete em um país que deixa sua história morrer de fome.
Interessante notar a costura que a própria Iara fez entre dois momentos
grandiosos de independência e renovação da nossa cultura: a Vanguarda
Paulista e a Semana de 22. Iara é filha da cantora, compositora e instrumentista Alzira E, que fez parte da produção musical feminina na Vanguarda Paulista. Ela foi parceira de Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé e se apresentou no teatro Lira Paulistana em 1980. Iara começou sua carreira se apresentando ao lado da mãe, em 1994 e, mais tarde, entre 1998 e 2001, integrou a banda de Itamar.

A Semana de 22 fez parte da comemoração do centenário da independência do Brasil e foi a primeira manifestação coletiva pública na história da cultura
brasileira a favor de um espírito novo em oposição ao conservadorismo que por ali reinava. Mario foi um dos idealizadores e, na ocasião do evento, leu seus poemas no palco do Theatro Municipal de São Paulo — e foi vaiado.
Em tempos de ondas conservadoras, Iara e sua trupe acolheram o natural e a
invenção, deixaram brechas para o pulso da trans_criação e improviso e foram
aplaudidas de pé durante a temporada realizada no Sesc Vila Mariana.

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