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A retórica do minimalismo

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h17 - Publicado em 4 mar 2020, 05h07

Na estrada há mais de 25 anos, a banda americana Low dispensa a grandiloquência sonora; leia a entrevista exclusiva para a Bravo!

Foto: Paul Husband

Por Edson Valente

Slow down, ou, em português, desacelere. Esse era o slogan de um comercial da GAP, varejista americana de roupas, no ano de 2000. A trilha sonora da peça apresentava uma versão lenta da clássica canção de Natal Little Drummer Boy, interpretada por uma banda cujos matizes de alguma maneira foram bem simbolizados pela propaganda em questão.

Afinal, os primeiros passos do Low, ainda no começo dos anos 1990, chamaram a atenção justamente pela vagareza no andamento das canções, contribuindo para a caracterização de um nicho do rock alternativo que ficou conhecido como slowcore — termo, aliás, refutado pelo grupo.

A versão da música natalina no comercial da GAP dá uma boa ideia da carta sonora que essa banda de Duluth, Minnesota (EUA), sacou da manga de nuances estilísticas possíveis no cenário pós-oitentista que se rendia ao grunge. E não apenas no sentido da lentidão, mas também e sobretudo no do minimalismo, vertente de fato abraçada pelos fundadores do Low. Basta ouvir a bateria monocromática — porém intensa –, a construção densa da linha melódica, a distinção conferida aos vocais — outra das forças do som do Low, o calor das vozes em meio a paisagens instrumentais mais geladas (vide a composição cênica do comercial, jovens enturmados em meio a uma tempestade de neve).

Decorridos mais de 25 anos de seu surgimento, a banda segue sua toada mantendo o cerne do princípio: Alan Sparhawk na guitarra e nos vocais e Mimi Parker na bateria e também nos vocais, um casal não só na música mas também na vida privada.

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O caminho deles já foi cruzado por baixistas — o atual, Steve Garrington, é o quarto de sua história –; filhos — Alan e Mimi tiveram um casal –; participações em trilhas sonoras — a do filme Killshot — Tiro Certo, por exemplo, inclui uma faixa do grupo –; projetos paralelos; reverberações inusitadas — Robert Plant se declarou admirador e gravou duas canções do Low, “Monkey” e “Silver Rider”; diferentes produtores — entre eles Steve Albini, nome associado ao grunge por ter trabalhado com o Nirvana e que propiciou o nível de ruído exato aos discos do Low de 1999 e de 2001, Secret Name e Things We Lost in The Fire, respectivamente.

Não é pouco para quem supostamente desacelera. Talvez o longo alcance se deva mesmo ao devagar e sempre. Ou à fé — por sinal, Alan e Mimi são mórmons — nos próprios alicerces. Afinal, é mesmo pela amplificação do mínimo, e por toda a inventividade e a contundência que rodeiam esse minimalismo, que o Low abala as estruturas.

Em 2018, a banda deu nova mostra do quanto consegue se mover musicalmente sem desrespeitar os limites do espaço sonoro a que ela mesma se impôs. Em se tratando de Low, o tom beirou a ruptura: as melodias foram desconstruídas para simbolizar um entorno fragmentado e refém dos desajustes do poder.

Assim, o álbum Double Negative, lançado pela gravadora Sub Pop, é perturbador na medida de uma resposta à altura aos disparates de personagens como Trump. O “duplo negativo”, aliás, provém de uma frase do presidente americano a respeito de um suposto apoio à Rússia.

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Foi sobre o disco, eleito por publicações como a britânica The Wire como um dos melhores do ano, e sua relação em perspectiva histórica com a trajetória do grupo que Mimi Parker falou à Bravo! em entrevista exclusiva. Leia a seguir.

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Muitas vezes o Low soou como uma banda à frente de seu tempo, mas, em Double Negative, o grupo soa como uma banda perfeitamente inserida em seu tempo. Como você definiria as motivações políticas e artísticas que levaram à realização desse álbum?

Fico feliz em saber que você tem nos considerado à frente de nosso tempo. Não tenho essa percepção, mas gostei disso. Nós fizemos esse disco pensando que era o som do momento, ao menos para nós. Ele soa como o que estava acontecendo em nossos corações. Ficamos indignados com os acontecimentos políticos aqui [nos EUA] e isso se refletiu no som. Os sons no disco são extremos de acordo com os tempos que estamos vivendo. Posto isso, nunca tivemos a intenção de fazer um álbum político, e ele não o é de fato. Mas é uma reflexão sobre o que estávamos sentindo, que é o que toda música deveria ser.

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O Low sempre foi muito cuidadoso ao escolher os produtores dos álbuns da banda, e o resultado final de Double Negative mostra a importância do trabalho de BJ Burton ao produzir o disco. Como se estabeleceu essa parceria?

Conhecemos BJ logo depois do lançamento de The Invisible Way [álbum de 2013]. Ele nos convidou para visitar os April Base Studios [estúdio criado em Eau Claire, Wisconsin, por Justin Vernon, do Bon Iver, grupo que BJ Burton produziu]. Depois disso, trabalhamos com ele em nosso disco anterior [a Double Negative], Ones and Sixes [de 2015]. Assim que terminamos esse álbum, percebemos que poderíamos ir além com aquelas ideias, o que parece sábio, e que BJ estaria disposto a seguir conosco. Ele é muito propenso a tocar as coisas para a frente.

A vida é fragmentada, mas há linhas que permeiam suas diversas partes e que de alguma forma dão algum tipo de unidade ao todo. O poder de Double Negative está sobretudo em seu todo. Você considera que o Low tem conseguido, através de seus discos, potencializar a singularidade do som da banda apesar da diversidade entre seus trabalhos? Quais são as linhas sonoras do Low que atravessam toda a vida do grupo?

Acho que, quando há pessoas fazendo música, não importa quem são, elas deixarão suas assinaturas no som. Em nosso caso, tivemos quatro baixistas diferentes, e cada um acrescentou uma qualidade especial à banda. Claro que a constante somos Alan e eu. Embora tenhamos mudado como indivíduos, ainda somos nós mesmos. Assim, quando cantamos, ainda vai soar como Low. Também mantivemos uma estética minimalista constante ao longo do tempo. Quando começamos, decidimos por usar sons e instrumentação esparsos. Mantivemos essas restrições principalmente. Isso nos permitiu crescer dentro desses perímetros. Ao fazer isso, nós nos permitimos expandir quando queremos. Não há regras dentro de nossas regras.

Como vocês gerenciam a integração e as interfaces de trabalho, família, filhos, turnês, valores, religião e medos? Como o seu estilo de vida reflete no som da banda?

Quando começamos a banda, éramos muito inocentes. Realmente acho que, se tivéssemos pensado bem, talvez não o tivéssemos feito. Sabíamos que tínhamos que tentar. Família, filhos etc. vieram junto com a gente. Nós éramos uma banda de turnê e era isso o que sabíamos. Nossos filhos vieram, e às vezes levávamos nossas vidas na estrada. Nós nos consideramos seres espirituais, e isso tem nos ajudado a equilibrar as coisas. Todos esses fatores contribuem para o nosso som e a verdade da música.

Uma resenha de The Curtain Hits the Cast (álbum do Low de 1996) disse que o disco apresenta curtos poemas de amor. Seria a música da banda sempre sobre o amor ou a sua falta? E o que seria o amor nessa interpretação?

Essa é uma ótima descrição para esse disco. Às vezes escrevemos canções de amor. Às vezes escrevemos músicas que carecem dessa emoção. Às vezes relembramos nossas gravações e então só podemos ouvir o que estávamos sentindo e pensando. O amor é muito complicado. Nunca é uma coisa só. O amor pode ser duro e difícil ou suave e livre. Nós achamos que sentimos todas essas coisas em momentos diferentes e elas estão na música.

Quais os planos para o futuro? Alguma chance de tocarem na América Latina e no Brasil?

Tivemos um ano muito movimentado. Neste momento, nossos planos são mínimos. Estamos escrevendo e vendo o que isso traz. Adoraríamos ir para a América Latina! Vamos ver o que acontece.

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