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OLÁ,

Arte e sabotagem

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h20 - Publicado em 22 fev 2018, 12h55
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A quarta edição da trienal do New Museum mapeia o que jovens de 19 países têm a dizer sobre o mundo de hoje

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“Senzenina” (2018), do sul-africano Haroon Gunn-Salie (Foto: Haroon Gunn-Salie)

Por Bruna Nicolielo, de Nova York

Quando o New Museum organizou sua primeira trienal, em 2009, sob o título de Younger than Jesus e com artistas nascidos depois de 1976, muita gente torceu o nariz para o recorte etário. A ênfase na juventude internacional, no entanto, acabou por diferenciar a mostra de uma série de bienais, trienais e outras exposições semelhantes que explodiram mundo afora nos últimos 20 anos. Nessa 4a edição — Songs for Sabotage, em exibição em Nova York até 27 de maio –, os selecionados capturam a política conturbada e frustrante do mundo contemporâneo em partes tão díspares como Zimbábue, Grécia, China, África do Sul, Brasil e Rússia, para, quem sabe, oferecer seus insights sobre os dilemas globais. “Os jovens artistas historicamente expressaram uma voz para a mudança”, afirma Alex Gartenfeld, um dos curadores da exposição.

Em sua pesquisa, Gartenfeld e Gary Carrion-Murayari fizeram mais de 20 viagens ao redor do mundo, algumas delas a lugares onde as comunidades de artistas não eram acessíveis digitalmente. “Voltamos o nosso olhar para espaços artísticos alternativos, como forma de questionar como os mercados globais de arte têm crescido”, diz Gartenfeld. O resultado é uma seleção de nomes emergentes entre 25 e 38 anos, de 19 países diferentes, todos conectados por seu compromisso com o contexto local e com a análise crítica das circunstâncias históricas que os vinculam, como o colonialismo e o racismo institucionalizado. Os trabalhos escolhidos, segundo a dupla de curadores, servem como apelos à ação, ou “modelos para desmantelar e substituir as redes políticas e econômicas que envolvem a juventude global de hoje”.

A premissa pode parecer ambiciosa, sobretudo diante da ênfase em termos como “modelo” e “sabotagem”, presentes tanto no discurso dos curadores como nos materiais de divulgação. Mas, se as reflexões pessoais sobre identidade reunidas na mostra não oferecem uma cartilha para o conserto do mundo, elas certamente têm muito a dizer sobre o estado desse mesmo mundo (e dos que ainda estão por vir). E o tom oscila entre urgente, irritado, divertido e pungente.

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Frame de vídeo do chinês Song Ta

O chinês Song Ta, por exemplo, faz vídeos que depreciam a autoridade do governo do seu país e foram banidos de exposições. Para a trienal, ele persuadiu oficiais navais do temível Exército de Libertação do Povo a montar uma montanha-russa e, em seguida, gravou seus esforços para manter a compostura. Atributos associados a esses homens, como a força, a coragem e a confiança, rapidamente se dissipam durante o passeio. Na instalação, Song questiona noções de gênero e autoridade, enfatizando o absurdo por meio da trilha sonora: trechos da ópera Carmen, de 1875, que, classicamente, indicam caos. O resultado é provocador, mas também divertido — o vídeo arrancou risos no dia da abertura.

Já a peruana Daniela Ortiz discute divisões étnicas e racistas vigentes desde o período colonial, respondendo com gestos subversivos. Ela concebeu propostas de intervenção em monumentos a Cristóvão Colombo em Madri, Barcelona, Lima, Nova York e Los Angeles, que variam entre a decapitação da estátua a sua substituição por esculturas cerâmicas de origem indígena com dizeres como “O sistema de controle migratório é a continuação do colonialismo”.

Uma das intervenções, idealizada para um monumento que fica em frente a uma das Trump Towers em Nova Iorque, exibe uma jovem imigrante atirando uma flecha em direção ao prédio, enquanto outro incendeia uma ordem de deportação. Imagem poderosa que ecoa as políticas de imigração do governo Trump e faz pensar sobre como se sentem os milhares de imigrantes ilegais nos Estados Unidos diante do clima atual. “Enquanto Colombo é celebrado por ‘conquistar’ a América, quero evidenciar como essa narrativa desconsidera o extermínio das populações nativas em toda a América e a introdução do comércio de escravos, que marcou o início do sistema colonial”, explica Daniela Ortiz.

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Dalton, Brasil e escravidão

Junto das maquetes de Ortiz estão as quatro telas em larga-escala do brasileiro Dalton Paula, que tematizam a herança da escravidão negra no Brasil e foram especialmente comissionadas para a mostra (como 80% das obras em exibicão). Com abordagem diferentes, ambos discutem temas semelhantes. Enquanto Ortiz é combativa, Dalton lança um olhar terno, mas contundente, sobre o legado do colonialismo e do racismo sistêmico.

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“Pedrinha Miudinha” (2017), de Dalton Paula (Foto: New Museum)

Seu trabalho é continuação de pesquisas anteriores, como as que resultaram em pinturas de homens e mulheres negros sobre volumes de enciclopédias e em alguidares, pratos cerâmicos que recebem comida e oferendas em rituais de religiões afro-brasileiras — esta última resultou em Rota do Tabaco, apresentada na 32a Bienal de São Paulo, em 2016. O artista, fascinado pelo universo popular e por comunidades e assentamentos rurais povoados por escravos fugidos e seus descendentes, tem uma abordagem quase etnográfica. Conversas com benzedeiras e membros mais velhos da comunidade formam a base do repertório usado para compor os significados ritualísticos e simbólicos das telas da exposição.

O título da tela Vassourinha (2017) faz menção a uma planta amplamente utilizada em orações e bênçãos para expulsar o mal de casa. O gesto associado ao manuseio da erva pode ser visto como “cortar o mal”, a que o artista faz referência incluindo tesouras, que são enquadradas em molduras. Figuras humanas estão ausentes. As facas submersas são ambivalentes, evocando as propriedades curativas da água, mas também o efeito potencialmente letal da arma branca. Já os retalhos de crochê, que cobrem a cruz de madeira, simbolizam objetos materiais herdados e espiritualidade, ou a falta dela.

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“Boiadero” (2017), de Dalton Paula (Foto: New Museum)

Em Enfia a Faca na Bananeira (2017), as molduras novamente excluem retratos e dão lugar a elementos do cotidiano, dessa vez cachos de banana. O título remete à crendices do universo popular. Machados submersos em água repetem a ambiguidade de Vassourinha. Os tons terrosos do centro-oeste brasileiro, onde Dalton ainda vive, predominam nas quatro pinturas. “Situo as cenas em algum lugar entre violência e cura, onde os objetos representados podem se misturar e confundir, numa menção à situação racialmente polarizada no Brasil”, diz o artista, que aproveita a estadia em Nova Iorque para pesquisar as diferenças e semelhanças entre as diásporas africanas no Brasil e Estados Unidos.

Paisagens mortas

Como Dalton, outros artistas abordam o conceito de sabotagem de forma mais ampla, produzindo trabalhos que, na visão do curador Carrion-Murayari não satisfazem “narrativas futuristas”. A russa Zhenya Machneva cria paisagens industriais e naturezas mortas usando métodos de tecelagem tradicionais. Ao retratar chaminés de fábrica, máquinas e ferramentas para refletir sobre o legado da antiga União Soviética na era pós-industrial, ela adere aos têxteis e aos seus engenhos demorados e artesanais, como uma rejeição dos valores capitalistas de eficiência e rentabilidade.

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“Projeto: edição1/1 ‘Shuvalov e Pioneiros’” (2015), da russa Zhenya Machneva
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Também sabota a própria ideia de arte como algo inovador, que necessariamente aponta para frente. Seu Projeto: edição1/1 “Shuvalov e Pioneiros” (2015) retrata uma cena à moda do Realismo Socialista (o estilo artístico oficial da União Soviética entre as décadas de 1930 e 1950, que influenciou o teatro, a literatura e as artes visuais e exaltava valores do Partido Comunista, como a emancipação do proletariado). Na sua imagem, porém, Machneva substitui os trabalhadores por miniaturas de estátuas clássicas, presentes em muitas casas russas.

Trabalhando com comunidades pobres na África do Sul e no Brasil, Haroon Gunn-Salie faz instalações multimídia imersivas que dão forma às histórias orais recolhidas por ele e comentam desigualdades sociais e raciais. Para a trienal, ele consultou as viúvas e sobreviventes de um massacre ocorrido em 2012 na África do Sul para recriar o acontecimento em uma instalação que combina esculturas de figuras humanas em tamanho real, sem cabeça, agachadas, e áudios de arquivo, como explosões de minas e som ambiente. “É quase como um cemitério”, diz ele, que planeja mostrar sua obra na África do Sul como uma forma de informar a sociedade sobre o que está acontecendo com seus líderes — um dos responsáveis pelo massacre nunca foi punido e tem hoje uma alta posição no governo sul-africano. Desvios do tipo, vale lembrar, se repetem em todo mundo, mas são cada vez mais intragáveis, como mostram os trabalhos da trienal do New Museum.

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Songs for Sabotage — De 13 de fevereiro a 27 de maio de 2018. New Museum, Nova York (newmuseum.org)

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