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OLÁ,

As formas e suas mitologias

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h31 - Publicado em 12 jul 2017, 09h47
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O artista português Tiago Mestre fala das “imagens sombrias” e da “beleza como consolo possível” na mostra “Noite. Inextinguível, inexprimível noite”

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Com o título emprestado de um poema de Herberto Helder, a mostra Noite. Inextinguível, inexprimível noite, do artista português Tiago Mestre, abre nesta quarta-feira na Galeria Millan, em São Paulo. São 77 obras que incluem esculturas, vídeo, intervenções na arquitetura da galeria e uma grande instalação — um conjunto que, em parte, alude ao “mito da forma moderna, a essa construção imagética que ajudou a definir a imagem (de um certo) Brasil”, como diz o artista, radicado em São Paulo desde 2010. “Mas existe sobretudo uma vontade de colocar em confronto trabalhos de naturezas distintas”, ele acrescenta, num papo com a curadora Kiki Mazucchelli, que assina o texto de apresentação da mostra e conversou com Tiago Mestre para a Bravo!

Na exposição Noite. Inextinguível, inexprimível noite você cria uma espécie de mis-en-scene composta por esculturas, instalações e intervenções na arquitetura do espaço expositivo que aludem, de diferentes maneiras, à ideia de projeto e, particularmente, à arquitetura moderna dos trópicos. Você poderia contar um pouco sobre a origem desta exposição e sobre como ela surge neste ponto da sua trajetória artística, visto que você também tem formação como arquiteto?

Esta exposição estabelece uma linha de continuidade com o trabalho que tenho desenvolvido nos últimos anos no Brasil, mas repensa algumas questões de um modo um pouco diferente. A questão do pensar, do fazer e da apresentação do trabalho continua a ser colocada de uma maneira mais ou menos explícita, mas existe, nesta exposição, um pendor mais livre, mais poético e menos programático.

A questão do projeto e da arquitetura não é central, mas permeia, aqui e ali, a narrativa geral desta exposição. Existe, pontualmente, uma alusão implícita ao mito da forma moderna, a essa construção imagética que ajudou a definir a imagem do Brasil (de um certo Brasil) e aos procedimentos do projeto. Mas existe sobretudo uma vontade de colocar em confronto trabalhos de naturezas distintas, de levar por diante um jogo de aferição da capacidade performática, discursiva e aurática do próprio trabalho. Penso que, apesar da minha formação como arquiteto, a generalidade do meu trabalho artístico carrega sinais de um fazer mais emocional e mais intuitivo, ou talvez de uma disponibilidade do olhar mais da ordem do “flirt” do que do projeto. A própria ideia de descontinuidade de escala, de estatuto, de materialidade, contraria o pensamento mais sistêmico da arquitetura.

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Pensei na construção de um lago, como um segundo espaço dentro da galeria, que organiza toda a exposição, e nesse sentido existe uma “negação” do espaço expositivo tradicional, e os trabalhos têm de procurar uma outra colocação no espaço, um outro sistema de apresentação. Acho que o chão se torna muito presente nestes trabalhos.

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Muitos dos objetos reunidos na exposição parecem possuir um status ambíguo entre maquete/ escultura, cenário/ instalação, elemento arquitetônico/ trabalho de arte, etc. Em alguns casos, o aspecto “cartunizado” de certas peças já funciona como uma espécie de aviso para que não sejam levadas muito a sério. Por que o interesse na ambiguidade do objeto? Como o humor contribui para complicar o estatuto desses trabalhos?

Tenho buscado colocar o meu trabalho mais como ferramenta de indagação do que como ideia de estilo, ou de continuidade formal. Acho que nesse sentido existe um desequilíbrio, uma instabilidade e uma flutuação na colocação de cada trabalho nesta exposição, como se cada situação reclamasse um ponto de vista singular. Agrada-me a ideia de pensar diferentes instâncias da obra em simultâneo (ou diferentes obras em confronto), e isso pode relacionar-se com escala, com materialidade, com estatuto, com hierarquia, com gênero…

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Em uma de nossas conversas, você mencionou o espelho d’água, que ocupa o espaço central da exposição, como um elemento tipicamente burguês e característico das residências modernistas nos trópicos. Há, em seu trabalho, alguma intenção crítica em relação a esse projeto moderno da arquitetura brasileira?

Não diria que existe uma intenção crítica mas, antes, uma apropriação daquele jogo preciso da piscina da Casa das Canoas em que o Niemeyer coloca em confronto, na beira da piscina, um rochedo e uma escultura de um corpo de mulher. Acho que é uma situação que reclama uma filiação numa tradição longa, mas que abre simultaneamente para uma relação nova com o natural. Acho que é essa a questão. A ideia de piscina, de tanque, de espelho de água traz consigo um universo de monumentalidade pública ou de um gosto burguês ligado a uma joie de vivre, que vai da villa romana às Case Study Houses da Califórnia dos anos 50. E a arquitetura moderna reelaborou essa tipologia de um modo muito preciso, explorando a questão do reflexo e da sua capacidade cênica. O lago desta exposição, e o jogo de relações que ele instaura, pode ser visto como uma alusão distante a esse contexto.

O título da exposição foi emprestado de um poema do português Herberto Helder (1930–2015) que, no início de sua carreira, foi afiliado a uma vertente tardia do Surrealismo. Alguns trabalhos presentes na exposição possuem uma certa qualidade surrealista, como a escultura Pau-que-chora. A escolha do título teria alguma relação com as imagens que por vezes aparecem em seus trabalhos?

Sim. A relação é trazida para o ambiente geral da exposição em diferentes momentos. Existe uma recorrência a imagens sombrias, a formas indefinidas, à escuridão, a bichos, a plantas, a pedras, ao fantasmagórico, às formas ainda em potência, mas também a uma brancura que é posta como maneira de habitar essa escuridão primordial, como casa, como invenção humana. Gostei do título por me parecer que ele traz, simultaneamente, duas ideias aparentemente inconciliáveis: a escala da desmesura cósmica que nos ultrapassa, e a criação e beleza como consolo possível.

Essa escultura, o Pau-que-chora, relaciona-se com esse sabor surrealista que esteve, talvez, mais presente no universo artístico português do que no brasileiro, e que traz para esta exposição uma dimensão mais melancólica.

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Noite. Inextinguível, inexprimível noite, de Tiago Mestre. Galeria Millan e Anexo Millan. Rua Fradique Coutinho, 1360/ 1416, Vila Madalena, São Paulo, tel. (11) 3031.6007. Abertura para convidados: 12/7, das 19h às 22h. Visitação: 13/7 a 12/8, de segunda a segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 18h.

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