Balzi em Barcelona
Exposição em São Paulo reúne 16 obras produzidas pelo argentino entre entre 1967 e 1987, quando o artista viveu na Espanha
Por Luciano Migliaccio*
A solidão, a dificuldade da comunicação entre seres humanos, a perda da percepção do tempo, do espaço e até mesmo da própria identidade na sociedade industrial. Foram esses os temas mais recorrentes na obra do argentino Juan Balzi (1933–2017), que ganha agora retrospectiva no Instituto Cervantes, em São Paulo, cidade em que viveu boa parte da vida e onde morreu, em setembro passado.
Balzi — Os Anos de Barcelona focaliza a produção no período entre 1967 a 1987, quando o artista viveu em Madri e em Barcelona. Na época, a Espanha era caracterizada por dramáticas contradições políticas, sociais e culturais, entre a opressão de uma ditadura conservadora agonizante e as mudanças impostas pela modernização. Este período é considerado pela crítica internacional como a fase mais significativa da produção do artista.
São 16 quadros marcados por uma aguda sensibilidade social e moral, e com uma linguagem pictórica neo-expressionista caracterizada, por um lado, pela paleta terrosa dos artistas italianos Mario Sironi (1885–1961) e Carlo Carrà (1881–1966); por outro, pelo uso sutil e original da linguagem da mídia e gráfica publicada, que na década de 60, era uma das grandes novidades introduzidas pelos artistas da pop art.
Na exposição do Instituto Cervantes surge o espaço metafísico de Balzi, que serve de cenário para a eterna espera do homem e da mulher à janela (Tres Ventanas Masculinas) e (Tres Ventanas Femininas) ou da figura sentada na ilustração do poema O Corvo, de Edgar Allan Poe (Mujer com cuervo), cujo modelo foi a própria esposa do artista, Marina. Nos ambientes vazios de pinturas como As Três Portas ou Nunca Mas e Fin, o tema é exacerbado; nelas não há mais espaço para a figura humana — é quase como ela tivesse sido engolida por aquela luz que atropela o espaço desabitado.
Nas obras T/85–1, S.P.59–1 e S.C./82–2 os lugares da cidade e os objetos cotidianos tornam-se formas rígidas e fechadas, quase monocromas, aludindo mais uma vez à perda da liberdade e das raízes do indivíduo, provocada pelo inexorável processo de modernização.
Um comentário especial merece a pintura Los Niños, na qual são retratadas crianças espanholas à espera dos navios da Rússia, para fugir da Guerra Civil. O olhar delas é o de quem não tem noção do que está acontecendo — algumas até sorriem vendo da plataforma aproximar-se o barco. Não sabem que nunca mais voltarão a ver seus pais. Contudo, as figuras infantis invadem o espaço, e seu olhar inocente, sua vontade de viver é mais forte que o horror da guerra.
Difícil não lembrar o trágico quadro Navio de Imigrantes de Lasar Segall. Mas, nesse caso, Balzi se apropria de uma antiga fotografia de reportagem. Por meio da pintura, transforma em memória consciente o instante registrado pelo olhar impassível da máquina.
Balzi — Os Anos de Barcelona. Instituto Cervantes de São Paulo (av. Paulista, 2439, Cerqueira César). De 9/11 a 16/12. Grátis
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*Luciano Migliaccio é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e curador adjunto de arte europeia do Masp.