Bienal de arquitetura mais acessível
Dividida entre CCSP e Sesc 24 de Maio, exposições exibem pensamentos menos técnicos sobre o espaço e a cidade
Por Marina Carvalho*
Começou na última semana a XII Bienal de Arquitetura, organizada pelo núcleo de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Diferentemente das edições anteriores, a mostra é resultado de um processo mais democrático, que escolheu a curadoria num concurso aberto lançado em maio de 2018. Venceram Vanessa Grossman, Ciro Miguel e Charlotte Malterre-Barthes com o tema Todo Dia, que propõe discutir a relação entre arquitetura e o cotidiano.
Até o final do ano, a mostra divide-se entre o Centro Cultural São Paulo — dos arquitetos Luiz Telles e Eurico Prado Lopes — e o Sesc 24 de Maio, reinaugurado em 2017 após reforma de Paulo Mendes da Rocha em parceria com o escritório MMBB. Além de ícones da arquitetura paulistana, são símbolos do cotidiano na cidade: diariamente, mais de 10 mil pessoas frequentam o Sesc 24 de Maio enquanto centenas de jovens reúnem-se para ensaiar coreografias no CCSP.
Dividida entre os eixos temáticos Relatos do cotidiano, Materiais do dia a dia e Manutenções diárias, a XII BIA tem 10 instalações espalhadas no Sesc 24 de Maio e uma exposição no CCSP, além de workshops, debates e exibições de filmes. Em cartaz no CCSP até o dia 8 de dezembro, Arquiteturas do Cotidiano apresenta 74 trabalhos de 26 países diferentes. Fotografias, vídeos e instalações que mostram um pensamento sobre a arquitetura mais acessível a todos os públicos, sem o predomínio — comum à disciplina — de desenhos técnicos e maquetes.
Em O Poder do Espaço Doméstico, por exemplo, os arquitetos suíços Nina Rolli, Nöel Picco, David Moser e Oliver Burch fizeram fotografias de maquetes dos ambientes domésticos de vários chefes de Estado. As imagens estão expostas ao lado das fotos originais, utilizadas em campanhas eleitorais, e chamam a atenção pela semelhança entre elas.
Se no CCSP as relações entre arquitetura e cotidiano estão presentes no conteúdo da exposição, no Sesc 24 é onde isso se vê na prática: as 10 instalações sugerem discussões sobre o próprio cotidiano do edifício e suas relações com o entorno. Qualquer um que passar pelo cruzamento das ruas 24 de Maio e Dom José Gaspar pode ver a instalação Calçadão, do artista Andrés Sandoval. Com espelhos alinhados ao nível do chão em toda a extensão do prédio, a obra propõe uma continuidade sutil ao piso da rua. O intuito é de questionar o projeto de 1976 para a manutenção dos calçadões históricos do centro da cidade, que substituiu o calçamento de mosaico português por blocos de concreto, deixando as pedras portuguesas apenas para o acabamento.
Na entrada da rua 24 de Maio, entre o Sesc e a Galeria Presidente, está a instalação Nova República, feita em conjunto pelo escritório sul-africano Wolff Architects e o antropólogo baiano Hélio de Menezes. Estruturada por fios que conectam os dois edifícios, a obra chama atenção para a proximidade entre esses dois grandes dispositivos culturais de públicos distintos. Ao entrar no prédio do Sesc, o visitante encontra no térreo a outra instalação da dupla: um salão de beleza especializado em cabelos afro, como os que existem na Galeria do Reggae, referência aos trabalhadores que diariamente chamam novos clientes na rua 24 de Maio.
No salão, o grupo carioca Concreto Rosa expõe suas fotografias e materiais de trabalho junto com áudios de relatos de clientes, a fim de discutir sobre a falta de mulheres trabalhando na construção civil, enquanto, na cobertura, o escritório francês Bruther tenta materializar o sistema de captação da água através de um dispositivo que solta vapor e produz sombra.
Também sobre o tema da sustentabilidade e ao longo das rampas do Sesc 24 de Maio, o Projeto Rampante, dos arquitetos Renata Marquez e Wellington Cançado, aborda o tema do aquecimento global com os painéis coloridos na fachada e placas que mostram as temperaturas médias anuais à medida em que se sobe os pavimentos do prédio. No 11º andar, a pirâmide de espelhos colocada em um andar vazio do prédio em frente, dos escritórios Vão, de São Paulo, e Adamo-Faiden, da Argentina, reflete o espectador na instalação O que Vemos, o Que Nos Olha, explorando a transparência do próprio edifício.
Espalhados pelos ambientes comuns do Sesc 24 de Maio até o dia 29 de setembro, os trabalhos discutem temas da arquitetura e do cotidiano a partir de exemplos práticos. Por estarem nos ambientes comuns do edifício, ganham visibilidade sem o peso de estarem reunidos em uma exposição: tornam-se elementos do cotidiano.
*Marina Carvalho é estudante de arquitetura na Escola da Cidade