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Deborah Colker vai a Pernambuco em novo espetáculo, “Cão Sem Plumas”

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h36 - Publicado em 15 Maio 2017, 11h08
Fotos: Divulgação/Deborah Colker

Por Carolina Carettin

“Na água do rio, lentamente, se vão perdendo em lama;
numa lama que pouco a pouco também não pode falar:
que pouco a pouco ganha os gestos defuntos da lama;
o sangue de goma, o olho paralítico da lama.”

O cão sem plumas, João Cabral de Melo Neto

Bailarinos cobertos de lama, dança e recursos audiovisuais se complementando, paisagens geográficas e sociais do Rio Capibaribe, no estado do Pernambuco. Esse é o resumo do novo espetáculo da Companhia de Dança Deborah Colker, Cão Sem Plumas, apresentado ao público pela primeira vez na última quarta-feira, 10, na cidade de Araras (SP). A estreia nacional deve acontecer em junho.

Baseado no poema homônimo de João Cabral de Melo Neto, o espetáculo começou a ser produzido há dois anos e conta com a parceria do cineasta Cláudio Assis (Amarelo Manga, Big Jato) e dos músicos Jorge dü Peixe, do grupo Nação Zumbi, e Lirinha, todos pernambucanos.

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Cão Sem Plumas traz um ambiente bem distante dos últimos dois balés da Companhia: Tatyana (2011), que se passa na Rússia, e da França de Belle (2014). No espetáculo, os bailarinos tornam-se ora o próprio rio ora os personagens que o circundam. Um deles são os homens-caranguejos, pessoas que vivem e trabalham em torno do mangue pernambucano. “Essas pessoas são guerreiras, fortes, resistem. O mangue é a comida delas. A lama é a casa delas. Vejo quase como samurais”, diz a coreógrafa, que concebeu, para a montagem, figuras que evocam guerreiros, como se as patas dos caranguejos fossem espadas. “O poema é o encontro da exuberância com a tragédia, da riqueza com a miséria”, afirma.

Dividido em quatro partes, o poema acompanha a sujeira das águas, a miséria da população ribeirinha, a desigualdade social, mas também a capacidade que homens e rio têm de se manter vivos.

Um dos momentos mais impactantes do espetáculo é quando faixas brancas ficam penduradas do teto, aludindo à cultura da cana-de-açúcar. Ao mesmo tempo em que recebem a projeção de imagens, as faixas são manipuladas pelos bailarinos, que agem como se estivessem fazendo a colheita da cana.

A junção da coreografia marcante de Colker com as imagens cruas e em preto e branco de Assis, quase hipnotizam o espectador. Ora imagem e movimento se sincronizam, ora são complementares.

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As viagens ao Capibaribe

Mesmo tendo o poema de João Cabral como fio condutor do espetáculo, Deborah se permitiu liberdades: bailarinas representando garças, por exemplo. As aves são muito brancas e comuns nos mangues, sempre muito escuros. “João Cabral previu em 1950 o que a gente está vivendo hoje: a escassez de água no mundo. Rio de Janeiro e São Paulo já têm sofrido com a falta de água. No Nordeste há barragens secas. E quem provocou isso foi o homem. O poema não tem nada de panfletário, mas não deixo de vê-lo como um manifesto”, afirma.

Em novembro passado, Deborah e equipe passaram três semanas realizando oficinas com moradores de seis cidades pernambucanas, aprendendo sobre suas manifestações culturais. Também viram a seca, entraram no mangue, foram a favelas. Na volta, a coreógrafa estava decidida que o espetáculo deveria acontecer na lama.

Lamas de várias cores, espelhando os lugares por onde o rio passa. Lama que simboliza a volta do ser humano à terra, a miséria e as diferenças sociais.

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A uma plateia que esgotou os ingressos, Deborah afirmou que Cão Sem Plumas é um “espetáculo para todas as crianças”. É a forma que a cultura encontra de servir de alerta às novas gerações e reforçar a elas o quão vasto e desigual é o Brasil.

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