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“Desenho erótico agora virou machismo”

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h29 - Publicado em 10 ago 2017, 08h57

Na série com grandes quadrinistas, Rafael Spaca entrevista Caco Galhardo. “Odeio política. Quanto menos dermos atenção a esses canalhas, melhor”

Por Rafael Spaca

Você começou sua trajetória profissional publicando fanzines. Isso começou antes, durante ou depois de se formar em Comunicação pela Faap?

Na época da faculdade, conheci o Rogerio de Campos, que hoje é editor da Veneta. Ele tinha uma banda punk e publicava um fanzine chamado Xerox, publiquei minhas primeira coisas ali, material muito tosco, bem jogado. Eu curtia quadrinhos, desenhava, mas não tinha nada consistente. Depois da faculdade, fui trabalhar na MTV, escrevia vinhetas. O trampo era moleza e tinha muito tempo ocioso. Aí sim desenvolvi um trabalho em quadrinhos e comecei a publicar Os Pescoçudos na Folha. Depois de um tempão, reencontrei o Rogerio e combinamos de lançar um Proibidão, uma coletânea minha só com material erótico. O primeiro editor a gente nunca esquece.

Esse período, na MTV, é considerado por muitos, o mais criativo da emissora. Você concorda?

Sim, a gente tinha uma ideia e botava no ar. Todo mundo tinha 20 e poucos anos e muita liberdade pra trabalhar, era muito divertido.

Foi graças à MTV que você foi trabalhar no programa Casseta e Planeta Urgente, da TV Globo?

Escrevi alguns quadros para o Planeta, com minha amiga e atriz Eliana Fonseca, estava começando a vida.

Muitos artistas rechaçam a ideia de Academia, o que pensa a respeito?

Sempre fui autodidata em relação a quadrinhos, então acho esquisito. Acho que fazer um curso, entrar em um workshop, pode ajudar sim. Mas Academia… acho exagero.

Sua formação foi mais literária ou visual?

Foi mais quadrinhos mesmo, vim dos anos 80 e os Los Tres Amigos bombavam, lia tudo deles, uma influência decisiva. Hoje quase não leio quadrinhos, é só literatura e teatro.

O que lia e lê hoje em dia? O que via e o que vê atualmente?

Lia John Fante, Brecht, hoje continuo lendo muito teatro, Shakespeare, Sam Shepard, Arthur Miller, essas coisas. Vejo muito filme.

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Você era fã do Cebolinha? Só dele no universo criado por Mauricio de Sousa?

Toda a turma, eram meus companheiros de infância.

Em 1997 você começou a publicar a tira Os Pescoçudos nos jornais Folha de S.Paulo e O Dia. Antes disso o jornal não estava no seu horizonte, sua ideia era mesmo a TV?

Não tinha um projeto, ia fazendo o que curtia e as coisas que pintavam. Através de um amigo na MTV, conheci os cartuns geniais do Matt Groening — Life in Hell, que ele publicava no Village Voice. Aquilo me chapou, pirei no formato quadrado. Depois de um tempo desenvolvi meu próprio universo, começando com Os Pescoçudos. Fiz dez cartuns, no mesmo formato do Matt, e mandei para tudo quanto era jornal. Em pouco tempo, a Folha me chamou. Aí foi uma vida de quadrinhos, só pulei novamente para o audiovisual, para o roteiro, nesta década.

Esse ano você completa 20 anos ininterruptos na Folha de S.Paulo, o que é um feito e tanto. Qual é o seu balanço destas duas décadas?

Vai sair uma mega-coletânea no final do ano pela Companhia das Letras, com muito do material produzido nesses anos. O balanço vai estar ali.

Além da Folha você colabora ou já colaborou regularmente pra várias revistas nacionais e estrangeiras como Elle, Criativa, Marie Claire, Viagem e Turismo, Piauí, Bravo!, etc. Pra conseguir estes espaços é necessário mais talento ou suor?

Os dois.

Você capta a vida cotidiana. Pra isso é importante estar atento a tudo. Na rua você se desconecta da internet ou fica com o rosto na tela do celular? Aliás, está cada vez mais difícil observar os outros?

Na rua a vida é a mesma, as pessoas interagem o tempo todo, andam de lá pra cá, conversam. Eu andava muito, hoje menos, mas a inspiração está sempre lá fora, não nas redes.

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Por que tudo que você vê, quando faz as tiras transforma em crítica social cheia de sarcasmo?

Mas esse é o Allan Sieber, não eu.

É preciso ter bom humor para fazer crítica social, do contrário você se tornaria um chato panfletário?

Já fiz muita crítica social, hoje me divirto. A crítica não é mais meu foco, mas obviamente, como cartunista, sempre acaba escapando.

Muitos dos seus amigos e colegas na Folha de S.Paulo aderem aos momentos factuais, especialmente em política. Esse é um tema que não te apetece retratar em suas tiras?

Odeio política e este momento em que tudo está voltado para a política. Quanto menos dermos atenção a esses canalhas, melhor. Sou a favor de resolver a parada entre a gente, parar de delegar tanto poder. O fenômeno do renascimento da Praça Roosevelt, aqui em São Paulo, só aconteceu porque não tinha político. Foi a própria movimentação da galera do teatro. Acredito nisso.

Quase todos os seus personagens, quando publicados em jornais, foram parar nas páginas de livros. Qual é a sensação de ver seu trabalho em livro? É diferente de vê-los no jornal?

Livros didáticos? Sim, todos estão publicando tiras, funciona muito para a galerinha das escolas. Pra mim tanto faz se é no jornal, livro, internet, contanto que estejam assimilando a mensagem.

Você também lançou livros em parceria, um exemplo foi o livro O Banquete (Editora Barracuda) com o escritor Marcelo Mirisola. Como te seduzir a lançar um trabalho em parceria? Precisa ser seu amigo, ter um puta nome, qual é o caminho?

Três critérios para pegar um trabalho: ou o trabalho é muito legal, ou é com amigo ou por uma grana boa. Se tiver dois desses itens, tô dentro.

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Voltando àquela questão da sua percepção do cotidiano, me diz: todas aquelas mulheres que você retrata em Colírio são fruto da sua imaginação ou fruto de seus olhares pelas ruas da cidade?

Um pouco de tudo.

Alguma feminista já te chamou de sexista ou machista em razão dessa seção?

Já me encheram o saco, por isso parei de publicar. Desenho erótico agora virou machismo. Nem perco meu tempo discutindo, prefiro esperar essa onda careta passar e voltar com meus desenhos eróticos lá na frente, quando as pessoas voltarem a enxergar a beleza e sutilezas dos meus desenhos.

Falando em mulheres, nos explique por que LiliAEx faz tanto sucesso?

Obsessão feminina é um tema universal e muito divertido.

A 02 Filmes adaptou LiliAEx para a televisão, e foi um sucesso também. Você acompanhou todo o processo fílmico (eu trabalhava à época na 02 Filmes, em Cotia, e te vi lá, todo feliz). Você ficava dando palpite ou deixava o pessoal à vontade? Qual era a sua função lá na produtora?

Sou o autor da série, criei tudo com a Lilian Amarante e outros roteiristas. O processo todo me deixou mesmo encantado, muito em função do diretor, meu parceiro Luis Pinheiro, que montou um set lindo. O elenco era incrível, tudo funcionou.

Acha que Os Pescoçudos mereciam também uma adaptação para a TV? Chico Bacon e Julio & Gina dariam também belas adaptações, não acha?

Por enquanto não estou pensando em adaptar outros personagens. O que está começando a nascer é um longa da LiliAEx, ainda em fase germinal.

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Você já fez animação e roteiros para vídeos/documentários. Foi assim com a Unicef, Nickelodeon e Festival Videobrasil. Acha que seu trabalho consegue dialogar com estas linguagens?

Durante muitos anos achei que a profissão mais legal do mundo era o de roteirista dos desenhos do Pica-Pau. Nos anos 90 rolaram animações dos Pescoçudos e Pequeno Ponei no CartoonNetwork. Foi um projeto chamado CartoonNetiuorque, também com Angeli, Glauco e Laerte. Eram animações curtas, vinhetas, muito legais, pouca gente se lembra.

Cinema, longa-metragem, está no seu horizonte ou o mercado brasileiro no que concerne a animação te deixa desanimado?

Acabei de entregar um roteiro de longa, Mulheres Alteradas, adaptação dos cartuns da Maitena. Começam a rodar em maio, produção da O2, com direção do Luis Pinheiro e elenco dos sonhos: Debora Secco, Alessandra Negrini, Monica Iozi e Maria Casadevall.

Até no teatro você está ingressando. Como surgiu a ideia de escrever Flutuante?

O teatro é uma paixão, comecei a escrever pra teatro há algum tempo, minha primeira peça, Meninas da Loja, estreou em 2011 no Teatro Parlapatões. Depois rolaram algumas peças curtas no Cemitério de Automóveis e Flutuante estreou em abril deste ano, com a Martha Nowill, Paulo Thiefenthaler e Rafael Losso. Pra mim, não tem nada mais legal que o teatro.

Você disse que a nova geração de cartunistas, quadrinistas, etc, está muito dispersa. Explique melhor essa crítica.

Eu disse isso? Não lembro. Se disse, retiro.

Essa nova geração não “ameaça” a sua geração?

Não penso dessa maneira, todo mundo deve ter seu espaço. Torço sempre pela qualidade, pela boa produção. Se a produção tá boa, o mercado também se amplia, fica bom pra todo mundo.

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