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OLÁ,

“Deslocado”, do artista plástico Cristiano Rennó, convida à idiorritmia

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h44 - Publicado em 11 nov 2016, 05h24
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Obra “Cortina”. Foto: Rivane Neuenschwander

Por Beatriz Goulart — editora, fotógrafa, videomaker

A arte do mineiro Cristiano Rennó vem construindo relações entre ritmos, cores, entre a vida social e a individual; o artista pesquisa a interdependência da proposta autoral e a sociabilidade a que submete os espectadores, que são convidados a interagir, mexer, vestir, jogar, tatear suas obras.

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Obra “Teia”. Foto: Cristiano Rennó

O artista trabalha de forma persistente e por vezes alternada com planos cromáticos como apontam seus trabalhos com camisetas, toalhas, panos. Cadernos Xadrezes, obra apresentada na galeria Gesto Gráfico, foi feita com setenta quadrados de mais de um metro e meio de estampas diferentes, sobrepostos em conjuntos de sete unidades, suspensos na parede, e sete cobertores abertos no chão da galeria.

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Cristiano também lança fios, concebe trajetos, armadilhas, como na obra Teia mostrada no Museu da Pampulha, em 2003. Nessa instalação, vários carretéis, rolos de fitas, fios, cordões e outros materiais coloridos, foram dispostos no chão do museu, para serem desenrolados pelo público, o que resultou em preenchimentos de espaços aéreos com uma espécie de trançado, desordenado e colorido.

E assim seguem os deslocamentos, por exemplo no trabalho Cortina, realizado com faixas de plástico amarelas e vermelhas, no vão do CCBB/SP, na exposição Planos de Fuga, em 2012. E ainda a obra Urucum e Jenipapo composta por duas máscaras corporais, uma preta e outra vermelha, dispostas na parede, predispostas ao tato, à vestimenta, à dança. Em 2013, esse trabalho foi apresentado no Museu de Arte Moderna de Medellín.

Deslocado

Por que se aventurar? E como não?
Porque a cor seduz, porque é jogo, porque extravasa, porque o artista está ali, lá, porque reverbera, pela vida desnutrida dos objetos, porque há o translúcido, porque escapa, desliza, porque é preciso rolar o copo, o corpo, colocar aquela cor naquele vão, enfileirar, enumerar, subverter, apoiar, experimentar os volumes, o lado oposto dos panos, dos planos, porque o caos, porque há sombras, faz barulho, alegra, exaure, porque se não for eu, se eu não olhar, esse instante, esse.

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Nesse projeto atual, ainda aberto, o artista cria um cenário em que os objetos e os espectadores misturam-se, investem-se na obra, editando composições próprias, imprimindo seus ritmos próprios. De tal forma que a obra cria cenas de ordem e desordem, de fragmentações, com prováveis acometimentos de experiências caóticas, sempre transitivas, para serem novamente rearranjadas por outro espectador.

A obra está sendo construída desde 2010, puzzle escultórico composto com objetos do cotidiano — de cozinha, de toucador, de limpeza, cama, mesa e banho –, formando uma massa pictórica de elementos. A característica desse conjunto é não ter uma posição definida, ele existe para ser manuseado. Cada jogada é como uma nova pincelada. Coisas que enxugam, enxáguam, esfregam, contêm, enfeitam, coisas libertas do seu fim, tornam-se coisas-cores. O artista trabalhou com cores primárias e secundárias e conta com o espectador para desfragmentar o visto, o sentido, cobrindo vazios, jogando, vestindo, embrulhando, estimulado pela calculada plasticidade.

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Foto: Beatriz Goulart

Um trabalho que tem um sentido narrativo, que acontece nos fios das múltiplas análises combinatórias, algo singular, uma arte idiorrítmica — onde o ritmo pessoal de quem com ela interage encontra seu lugar, sublinhando a dimensão necessariamente coletiva da arte, libertária, nesse curso singular que o artista, meticulosamente, propõe.

Ídios = próprio + rhythmós = ritmo
Cristiano Rennó, 1963, Belo Horizonte.

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Algumas cores

Na obra de Cristiano Rennó, a cor domina todas as coisas. É ela quem determina a forma ou antes, é ela quem rege a nossa relação com a obra no espaço e no mundo. A cor pode estar encarnada no objeto, mas pode ser também um rastro que apreendemos no movimento. É o amarelo dos ipês nas ruas de Belo Horizonte, que tinge as toalhas de banho e de rosto, que se transformam em planos pictóricos soltos no espaço. É a barra de cor da televisão nas noites insones, virando uma escala de cor através do trabalho fotográfico do artista. É a policromia das muitas cores que compuseram a Teia, no Museu da Pampulha, e que se misturavam pelo gesto do corpo do espectador, numa pintura ao vivo (e a cores). É a cor-vestuário, encontrada pelo artista nas padronagens de retículas colecionadas e sobrepostas nos cadernos-xadrezes, se sobrepondo de novo na retina do leitor-vidente. É o vermelho-amarelo e o amarelo-vermelho, a cortina de cor que tinge a arquitetura do CCBB, enchendo o vazio de vida e mistério e irradiando sua cor. É a cor densidade, gesto contido quase explosão, nas pequenas pinturas que se agrupam há anos no apartamento-ateliê. Urucum e jenipapo, cores indígenas, que se animam em máscaras-duplo, que quem veste não vê. É a cor das coisas industriais, objetos escandalosos, futricas baratas ajuntadas em lojas de ocasião, que o tempo acumula e que existe de maneira provisória no chão da cozinha. A cor não existe em si, mas esta obra não existe sem a cor.

Rodrigo Moura, curador adjunto de arte brasileira, no MASP

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