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Em busca do vigor

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h34 - Publicado em 31 Maio 2017, 12h17

Marco Nanini sustenta sozinho o peso do monumento histórico do teatro Ubu Rei na remontagem da obra em parceria com a Cia. Atores de Laura

Rosi Campos e Marco Nanini (Foto: Carlos Cabéra)

Por Gabriela Mellão

Marco Nanini uniu-se ao diretor Daniel Herz e aos jovens integrantes da Cia. Atores de Laura para comemorar 50 anos de carreira. A parceria busca renovar o marco inaugural do teatro moderno Ubu Rei, espetáculo precursor das linguagens dadaísta, surrealista e do teatro do absurdo, escrito em 1896 pelo dramaturgo francês Alfred Jarry.

Faz pelo menos 15 anos que Nanini faz do teatro campo de reciclagem, espaço de colaboração com as novas gerações. Em 2002, juntou-se a Felipe Hirsch e sua ex-Sutil Cia. na montagem Os Solitários. Um ano depois protagonizou A Morte do Caixeiro Viajante do mesmo grupo, além de Pterodátilos, em 2007. No mesmo ano, com a Cia. dos Atores, foi de O Bem Amado e, mais recentemente, em 2014, de Beije Minha Lápide, com o autor Jô Bilac e a diretora Bel Garcia. A abertura de Nanini às novas associações artísticas também se evidencia pela criação do instituto Galpão Gamboa, polo cultural idealizado pelo próprio ator inaugurado há cerca de uma década no centro do Rio. A programação reúne dança, teatro e música.

Com Ubu Rei, o revigoramento surpreende ao correr no sentido contrário ao esperado. Em cena, Nanini é quem tonifica o elenco, através de uma interpretação norteada pela recusa da representação. Esvazia de intenções seu Pai Ubu, déspota que sintetiza toda a deformação humana. O personagem possui a mesma linhagem de Macbeth, apesar de ser bem pior do que ele. Não satisfeito em usurpar a coroa, massacra nobres, funcionários e camponeses, sem nunca ser atingido pelo peso de consciência que acaba por aniquilar o anti-herói shakespeariano.

O ator alcança a plenitude de seu personagem ao abster-se de construí-lo como tal, trafegando na contramão da proposta de acentuar a comicidade do espetáculo presente na encenação de Daniel Herz, na adaptação dramatúrgica de Leandro Soares e no cenário de Bia Junqueira.

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É sobretudo a partir da força da palavra que o protagonista revela suas qualidades bestiais, ingênuas, infantis e insolentes. A atuação de Nanini confia no texto: apoia-se nele em detrimento de alicerces externos ou de composições pré-concebidas, em sintonia com a linguagem performática da contemporaneidade e com a definição “abstração que anda”, dada ao personagem pelo próprio Jarry.

Lady Ubu

Rosi Campos entra para o time dos veteranos inspiradores ao dar vida à Mãe Ubu, que, espelhada em Lady Macbeth, instiga as atrocidades do marido. A atriz já havia interpretado o mesmo papel numa montagem histórica da peça encenada por Cacá Rosset e seu Teatro do Ornitorrinco em 1980.

Nanini e Campos transcendem os exageros de interpretação do elenco (em sua maioria formado por atores ansiosos em performar e despertar o riso da plateia), assim como os arroubos cenográficos de funções sobretudo ilustrativas que entram e saem de cena. A exceção fica por conta das tetas de vaca de cunho surrealista que pendem sobre as cabeças dos atores no banquete realizado pelo casal protagonista, caso raro de ampliação da simbologia apontada na obra original.

É comedida a tentativa de Herz dilatar a desconstrução do real promovida por Jarry. Pouco resta da faísca que incendiou a estreia mundial do espetáculo no final do século 19, permitindo-lhe uma sobrevida de apenas dois dias no mais importante reduto simbolista da Europa da época, o Théâtre de I’Oeuvre, de Paris.

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Inovações tidas como revolucionárias na época agora sobem à cena envelhecidas, decorrência das transformações naturais de ordem da linguagem e da degradação dos valores humanos da contemporaneidade. O impacto causado, por exemplo, pelo uso de palavrão em cena (“merdra!” é palavra inaugural do texto, proferida diversas vezes ao longo do espetáculo) chegou a provocar, então, 15 minutos ininterruptos de vaias. O mesmo procedimento agora causa, no máximo, desânimo no espectador.

Da mesma maneira, os extremos de ambição, despreparo e ausência de ética e moral do protagonista Pai Ubu deixam de compor uma síntese absurda das piores espécies de seres humanos para se tornarem representações dos detentores do poder que beiram a literalidade.

Monumento histórico do teatro, Ubu Rei se reduz assim a uma crítica superficial da atual cena política do Brasil e do mundo, tendo Nanini como único vestígio de seu passado memorável.

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Ubu Rei, de Alfred Jarry. Direção de Daniel Herz. Teatro Paulo Autran, Sesc Pinheiros (Rua Paes Leme, 195, tel.: 11 3095.9400.). Quintas, sextas e sábados, às 21h; domingos e feriados, às 18h. R$ 15 a R$ 50.

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