Janaína Leite serve-se da subserviência da própria mãe para construir um ensaio sobre feminilidade em “Stabat Mater”
Por Gabriela Mellão
Referência em teatro documentário do país, Janaína Leite usa sua trajetória individual para investigar o feminino em Stabat Mater, espetáculo escrito, encenado e interpretado por ela que retoma temporada na cidade na próxima terça. Se expurgou o fascínio com o pai em cena há quatro anos em Conversas com meu Pai, desta vez volta-se para a relação estabelecida com a mãe. Busca entendê-la tanto a partir de uma perspectiva pessoal quanto histórica, mesclando suas memórias a uma interessante pesquisa teórica sobre a mulher e seus signos.
Serve-se de duas figuras arquetípicas antagônicas para contextualizar o abismo que distancia suas referências primeiras de masculino e feminino. De um lado está Priapo, deus grego da fertilidade, ícone de virilidade e sedução. Do outro, Virgem Maria, a mãe casta, pura e sofredora, evocada através da presença da mãe de Janaína em cena, dona Amália.
Stabat Mater é o nome de um canto católico do século 13. Em latim significa “estava a mãe”. Sempre que requisitada, a mãe está. Apesar de não ser atriz, dona Amália está em cena a pedido da filha, seguindo à risca o papel social que lhe foi imposto. A função que lhe cabe.
Ainda que seja a razão de ser da obra em questão, dona Amália permanece sentada ao fundo da cena durante grande parte do espetáculo. Enquanto Janaína expõe a tese de sua peça, relata e revive marcos de sua trajetória como filha, mulher e mãe, num misto de palestra e performance, a mãe surge como uma figura secundária, desprovida de desejos e atributos, posta no mundo para provações. E são árduas suas provações em Stabat Mater. Seja ao expor a opacidade de sua vida, ao cantar sem qualquer talento para o canto, ou ao dirigir uma cena de sexo de Janaína com Priapo, um ator pornô.
Janaína constrói diante do espectador um ensaio sobre feminilidade servindo da vocação de sua mãe mãe para subserviência, supressão de vontades e inaptidões. Ao mesmo tempo, depois de refazer em cena sua trajetória nos diversos papéis femininos que a constitui, reavendo sua própria história livre de amarrações culturais impostas, reafirma-se como criadora pulsante que é, e permite-se construir um novo lugar para si como mulher.
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Teatro de Conteiner (Rua dos Gusmões, 43); Terças e quartas, às 20h. De 19/11 a 11/12. De R$ 5 a R$ 40. 18 anos.