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Extraído a fórceps

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h18 - Publicado em 14 nov 2019, 15h37

Janaína Leite serve-se da subserviência da própria mãe para construir um ensaio sobre feminilidade em “Stabat Mater”

Foto: André Cherri

Por Gabriela Mellão

Referência em teatro documentário do país, Janaína Leite usa sua trajetória individual para investigar o feminino em Stabat Mater, espetáculo escrito, encenado e interpretado por ela que retoma temporada na cidade na próxima terça. Se expurgou o fascínio com o pai em cena há quatro anos em Conversas com meu Pai, desta vez volta-se para a relação estabelecida com a mãe. Busca entendê-la tanto a partir de uma perspectiva pessoal quanto histórica, mesclando suas memórias a uma interessante pesquisa teórica sobre a mulher e seus signos.

Serve-se de duas figuras arquetípicas antagônicas para contextualizar o abismo que distancia suas referências primeiras de masculino e feminino. De um lado está Priapo, deus grego da fertilidade, ícone de virilidade e sedução. Do outro, Virgem Maria, a mãe casta, pura e sofredora, evocada através da presença da mãe de Janaína em cena, dona Amália.

Stabat Mater é o nome de um canto católico do século 13. Em latim significa “estava a mãe”. Sempre que requisitada, a mãe está. Apesar de não ser atriz, dona Amália está em cena a pedido da filha, seguindo à risca o papel social que lhe foi imposto. A função que lhe cabe.

Ainda que seja a razão de ser da obra em questão, dona Amália permanece sentada ao fundo da cena durante grande parte do espetáculo. Enquanto Janaína expõe a tese de sua peça, relata e revive marcos de sua trajetória como filha, mulher e mãe, num misto de palestra e performance, a mãe surge como uma figura secundária, desprovida de desejos e atributos, posta no mundo para provações. E são árduas suas provações em Stabat Mater. Seja ao expor a opacidade de sua vida, ao cantar sem qualquer talento para o canto, ou ao dirigir uma cena de sexo de Janaína com Priapo, um ator pornô.

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Janaína constrói diante do espectador um ensaio sobre feminilidade servindo da vocação de sua mãe mãe para subserviência, supressão de vontades e inaptidões. Ao mesmo tempo, depois de refazer em cena sua trajetória nos diversos papéis femininos que a constitui, reavendo sua própria história livre de amarrações culturais impostas, reafirma-se como criadora pulsante que é, e permite-se construir um novo lugar para si como mulher.

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Teatro de Conteiner (Rua dos Gusmões, 43); Terças e quartas, às 20h. De 19/11 a 11/12. De R$ 5 a R$ 40. 18 anos.

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