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“Ideologia é para idiotas”

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h27 - Publicado em 31 ago 2017, 10h33

Na série de entrevistas com grandes cartunistas, Rafael Spaca fala com Chico Caruso. “As pessoas me cumprimentam na rua achando que sou meu irmão”

Por Rafael Spaca

Você se formou em arquitetura pela FAU/USP, porém não seguiu a carreira. Se tivesse na arquitetura o mesmo sucesso que tem como cartunista, estaria melhor de vida do que está hoje?

Acho que não, não tenho essa vocação pro detalhe, pro acabamento… tinha muita pretensão, mas nenhuma satisfação.

Seu início como chargista e ilustrador foi em 1968, quando publicou seus primeiros desenhos no jornal Folha da Tarde. Naquele tempo a ênfase dos seus desenhos era sobre temas que variavam entre futebol, crônicas, horóscopo e política. Foi o período mais difícil que teve como profissional? A censura ficava no seu cangote?

Não, era mais a autocensura que funcionava no começo, mesmo assim em termos, porque a radicalização contra o regime militar imperava nas redações… meu jornal publicou um texto da união dos estudantes como editorial, me lembro de uma matéria sobre Carlos Marighela que começava dizendo “quem é esse homem que gosta de crianças…” Aos poucos, a redação da Folha da Tarde foi passando da esquerda pro centro e pra extrema direita, trocando os chefes de redação e aí diminuindo os desenhos independentes, fiquei só ilustrando crônicas, matérias frias, o que pra mim era bom porque tinha entrado na faculdade de arquitetura e tinha mais tempo pra vida acadêmica, que, em 1969, nem existia mais…

O AI-5, de 1968, foi o grande responsável por te fazer parar por um tempo de fazer charges políticas? Você parou por decisão própria ou imposição?

O jornal simplesmente parou com a charge política.

Gostaria que rememorasse sua trajetória na revista universitária Balão, em 1972. Na mesma década de 1970 você colaborou com os jornais Opinião, Movimento e Gazeta Mercantil. Foi o período mais fértil para a criatividade do seu trabalho?

Aí começa a imprensa alternativa, o Pasquim surge em julho de 1969, foi um estouro, todo mundo queria fazer aquilo, escrevendo ou desenhando… em 1972 surge o Opinião, com pessoas que eu conhecia da Folha da Tarde, Raimundo Pereira, Tonico Ferreira, e parecia mais sério que o pasca. Fui atrás, conheci o Dirceu Brizola que me levou pra Gazeta Mercantil. Na FAU conheci o Luis Gê, que me ofereceu a revista Balão, eu comprei e entrei…Mais fértil pra mim é hoje, mas naquele tempo eu tinha 20 anos, era mais erétil…

É preciso ter o mínimo de informação para entender suas charges ou elas são acessíveis a todos?

Sem educação ninguém entende nada…

É verdade que sua contratação para trabalhar no Jornal do Brasil foi graças a uma caricatura do general João Figueiredo (1918–1999), feita por você? Pode explicar essa história?

Foi, na FAU-USP conheci o Tonico, que me apresentou o Helio de Almeida, editor de arte da Veja e depois da IstoÉ, onde comecei a publicar. E o Lan, do JB, viu um desenho que fiz sobre o general Figueiredo, farda grande, cabeça pequena, e me chamou pra substituir férias do Ziraldo na página editorial do JB, o lugar mais importante da imprensa brasileira naqueles anos… me senti promovido a general de seis estrelas e fui!

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A crítica política sempre te fascinou?

É, talvez pela politização dos anos 60 e 70, não pensávamos noutra coisa.

Podemos definir seu estilo como sutil, porém contundente?

Sim, junta o interesse estético e a síntese política com humor.

Você é considerado um dos mais populares caricaturistas políticos dos últimos 40 anos. Olhando em retrospecto, a classe política brasileira sempre foi medíocre ou teve dias melhores?

Não, estamos nos nossos piores, muito por culpa do regime militar, que impediu novas lideranças, e muito pelos que ocuparam esse lugar e se lambuzaram…

Em 1984 você foi trabalhar no jornal O Globo, e desde 1992 publica diariamente suas charges e caricaturas na primeira página. Que importância tem isso pra você?

Pagar as próprias contas, quer coisa melhor?

Você é precursor da charge animada para televisão. Em 1982 começou a colaborar semanalmente para o Jornal da Globo, e depois migrou para o Jornal Nacional . Como foi essa transição do papel para a animação?

Desde Michelangelo o artista sempre quer que sua obra se mexa… Parla! é a expressão disso…no JB fiz uma charge do Delfim Netto, o gordo ministro do general Figueiredo, pulando no garupa do cavalo deste e achatando o pobre animal — o cavalo — no chão, dizendo “upa upa cavalinho!” Achei que aquilo daria uma boa animação, fui na TV Globo, onde conhecia a Diléa, que tinha feito USP com a gente e era editora de criação e ela acabou vendendo a ideia pro Jornal da Globo, onde estou até hoje…

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Tornou-se mais popular ainda com a televisão? As pessoas te reconhecem nas ruas?

Não, elas me cumprimentam na rua achando que eu sou meu irmão, que aparece toda semana no Roda Viva, da TV Cultura…

Ir para a televisão é o melhor caminho para ganhar dinheiro?

Também pode ser pra quebrar a cara… Eu ganho mais no jornal impresso, onde faço 30 desenhos por mês, do que na TV, algumas vezes por semana.

A geração dos fundadores e colaboradores do jornal O Pasquim, entre eles Henfil, Ziraldo, Millôr Fernandes e Jaguar, foi a que mais te influenciou?

Sim, mas além deles os argentinos Trimano e Sábat e o americano David Levine.

A charge em que Dilma Rousseff aparece de joelhos, prestes a ser decapitada por um extremista do Estado Islâmico, foi um dos seus desenhos que mais repercutiu e suscitou debates. Esperava essa gigantesca reação? A publicação foi no dia da mulher, não foi?

Foi baseada nas declarações dela, de que era necessário negociar como o Estado Islâmico, e a inteligência de sua estratégia política… nem lembrei que era dia da mulher, isso aumentou a visibilidade.

Você publicou os livros Nova República: Novo e Velho Testamento (1988), Full Color (1990), Fora Collor (1992), Itamar, Modo de Usar (1993) e Era Uma Vez FH (2002). Em todos eles tinham críticas aos mandatários do momento. Por que ficou essa “pecha” de ser contra Lula, Dilma e demais quadros do PT? A memória é curta ou é culpa da falta de informação?

Isso é coisa de pechadores… é um problema de voto, devotos de santos do pau oco.

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Está dando gosto bater no governo do presidente Michel Temer? Ele é bem caricaturável, não é?

Eu não tenho gosto de bater em ninguém, eu faço sínteses com humor do fato político do momento.

Todo cartunista é isento e oposição ao governo vigente, ou não tem como separar suas crenças ideológicas no desenho?

Ideologia é para idiotas… os assassinatos no Charlie Hebdo, covardia travestida de ideologia religiosa.

Prefere peitar a metafísica do mimimi ou não dá motivo para as manifestações contrárias evoluírem?

Eu sou analfabite, o que vem de bite não me atinge…

Por causa da charge Entreouvido no Saloon, você e o jornal O Globo se tornaram alvos de três processos movidos no Juizado Especial Cível de Nova Friburgo, na região serrana fluminense. Os três autores são advogados que alegam terem sido ofendidos em sua honra, e trazem o mesmo pedido: o pagamento de indenização de R$ 20 mil e publicação de uma nota de desagravo. Ficou surpreso com isso?

Há outros dois, um de são Paulo e outro de Minas. Corporativismo ideológico advocatício que não deu em nada.

Os processos hoje são a censura de ontem?

Não, são outro tipo de idiotice…

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Até hoje foram dois processos. Este e o de 1994, pelo então governador do Rio, Nilo Batista, que foi acusado de intermediar doações do jogo do bicho para a Associação Brasileira Interdisciplinar da Aids. Como ficou aquele caso, ele foi adiante?

Não, foi arquivado.

Prefere ser festejado ou odiado?

Amado…

Você e seu irmão Paulo Caruso são gêmeos e também músicos e cartunistas. O traço de vocês são parecidos? Além da assinatura, o que diferencia o trabalho de um e do outro?

Paulo sempre foi mais prolixo, eu mais sintético. Ele desenha grandes cenários, muita gente, toca piano, violão, eu não… eu desenho menos e não toco nada, mas me viro direitinho, inclusive cantando…

Quem é melhor: Chico Caruso ou Paulo Caruso?

Eu acho que é ele, ele acha que sou eu…

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