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Insustentáveis dias felizes

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h19 - Publicado em 24 out 2019, 14h11

Cia. Academia de Palhaços desvenda o vazio e a negação da realidade em “Há Dias Que Não Morro”

Foto: Paula Hemsi

Por Gabriela Mellão

Uma vida assegurada por uma rotina perfeita. Falsa mas perfeita, e reproduzida até a exaustão torná-la verdade. Em Há Dias Que Não Morro, novo trabalho da cia. Academia de Palhaços (rebatizada agora de ultraVioleta_s), três mulheres-bonecas idênticas iniciam seus dias desfrutando de espreguiçares esplendorosos ao nascer do sol de um amanhecer iluminado. Ao longo do dia, garantem a felicidade através da repetição de ações corriqueiras revestidas de brilhantina, sempre exibindo sorrisos permanentes nos rostos pasteurizados, até chegar a um anoitecer estrelado capaz de trazer a renovação necessária para mais um dia sublime.

Elas vivem dentro de um cubo, reaproveitando o cenário de Adeus, Palhaços Mortos — primeira parceria do grupo com José Roberto Jardim, que desta vez divide a encenação com as atrizes. Como em Dias Felizes, de Beckett, o ciclo garante a sustentação de uma existência idealizada. A trinca repete também o otimismo inabalável de Winnie, mas o estado de espírito surge plenamente justificado, afinal o confinamento aqui é dádiva e nenhuma das três está sendo sugada pela terra. Ao contrário, são abençoadas pelo canto dos pássaros, o desabrochar das flores e um arco-íris eterno.

A manutenção da realidade construída, no entanto, tem data de validade. Juntamente ao artificialismo da linguagem estética, a reincidência de frases e ações insignificantes esvaziam a ficção progressivamente. A perfeição torna-se insustentável, e acaba por desmoronar, apontando a necessária reconfiguração de valores e comportamentos humanos.

O cubo mágico se desmonta. As máscaras caem. A ilusão teatral se desfaz. É o fim da dissimulação. É o medo do desconhecido. É a realidade. É o início do caminho.

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Há Dias Que Não Morro. Sesc Pompeia — Espaço Cênico (Rua Clélia, 93, Água Branca; de quinta a sábado, às 21h30, e aos domingos, às 18h30; até 27/10. De R$ 9 a R$ 30. Galpão do Folias (Rua Ana Cintra, 213, Santa Cecília); Sábados e segundas, às 21h, e aos domingos, às 19h; de 2/11 a 2/12; grátis, ingressos distribuídos uma hora antes de cada sessão. Classificação: 12 anos

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