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Joyce era louco?

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h27 - Publicado em 29 ago 2017, 08h22
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Tradutor de “Finnegans Wake” para o português, Donaldo Schüler destrincha a visão lacaniana do processo criativo do irlandês

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Por Carlos Castelo

No livro Formas Breves, do escritor e ensaísta argentino Ricardo Piglia, há uma passagem curiosa sobre loucura e criação:

“James Joyce nunca quis admitir que sua filha Lúcia fosse psicótica e procurava instigá-la a sair, a buscar na arte um ponto de fuga. Uma das coisas que Lúcia fazia era escrever. Joyce a instigava a escrever, lia seus textos. Até que por fim recomendaram a Joyce que fosse consultar Jung. Joyce disse a ele “Aqui estão os textos que ela escreve, e o que ela escreve é o mesmo que eu escrevo”, porque ele estava escrevendo o Finnegans Wake, um texto totalmente psicótico, se o olharmos dessa perspectiva: inteiramente fragmentado, onírico, atravessado pela impossibilidade de construir com a linguagem outra coisa que não seja a dispersão. Assim, Joyce disse a Jung que sua filha escrevia a mesma coisa que ele, e Jung lhe respondeu: ‘Mas onde você nada, ela se afoga’.”

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Lúcia acabou psicótica, morreu internada numa clínica suíça em 1962.

É por aí que dá suas braçadas o livro de Donaldo Schüler: entre a risca da lucidez e as raias da loucura.

A obra começa remontando à Grécia Antiga. Schüler relembra um episódio de As Bacantes, de Eurípedes, para conceituar o centro de sua ensaística: o rei Penteu reprime a volúpia das Bacantes e acaba estraçalhado ao pé de uma árvore. Deste ponto, o autor — que é tradutor de Finnegans Wake para o português — segue citando O Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam, menciona artistas desvairados como Breton, Beckett, Fellini, Oshima e desagua em Lacan, que usou um ano de seu famoso Seminário aos estudos da obra de James Joyce.

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Eis aí o ônfalo do livro: a visão lacaniana do processo criativo de Jim Joyce. Lacan atribui a enorme criatividade dele à mania e lembra que o termo deve ser entendido em seu sentido psiquiátrico. Uma conclusão que se entrelaça a de Piglia em seu ensaio Os Sujeitos Trágicos e colabora para uma visão mais ampla do universo estético do autor irlandês:

“…a literatura deve à psicanálise a obra de Joyce. Ele foi capaz de ler a psicanálise, como foi capaz de ler outras coisas. Foi um grande escritor porque soube entender que havia maneiras de fazer literatura fora da tradição literária…que a narração, as técnicas narrativas não estão atadas somente às grandes tradições narrativas, mas que se podem encontrar modos de narrar em outras experiências contemporâneas; a psicanálise foi uma delas.”

Donaldo Schüler fecha seu livro comparando Joyce ao artista plástico brasileiro Arthur Bispo do Rosário. “De lixo, Joyce fez literatura, Bispo produziu lixeratos, artefatos nascidos do lixo.”

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Contudo, Joyce não era um maníaco-depressivo ou um esquizofrênico na acepção da palavra. Como é sabido, todo poeta é um fingidor. E o psicopata não sabe fingir, não mente e é incapaz de qualquer invenção, quanto mais de parágrafos como este de Finnegans Wake:

“rolarrioanna e passa por Nossenhora d’Ohmem’s, roçando a praia, beirando ABahia, reconduz-nos por cominhos recorrentes de Vico ao de Howth Castelo Earredores.”

Moral: James Joyce era um louco que sabia nadar.

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Joyce era Louco?, de Donaldo Schüler. Ateliê Editorial, 238 págs., R$ 45

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