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Medo e Cultura

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h25 - Publicado em 19 out 2018, 12h49

Artistas e intelectuais discutem as ameaças da extrema direita à democracia

25 de Outubro, pintura de Elifas Andreato de 1981, que denuncia o assassinato do jornalista Vladimir Herzog pelo regime militar.

Por Claudio Leal

O medo de um novo ciclo obscurantista, dessa vez liderado pelo presidenciável de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL), obriga artistas e intelectuais a pensarem um país cuja democracia pode ser atingida por discursos de ódio e violência. Defensor da ditadura militar (1964–1985), de torturadores, do armamentismo e de generais no lugar de civis, Bolsonaro lidera as pesquisas de intenção de voto no segundo turno da eleição presidencial.

Vinte e seis artistas, escritores e acadêmicos aceitaram responder a perguntas sobre o crescimento de atos violentos da extrema direita (sem excluir assassinatos), o clima de intimidação a artistas, jornalistas e militantes de esquerda, a ascensão eleitoral de candidatos ultraconservadores e a pertinência de propostas autoritárias para o Brasil.

Num texto publicado em 14 de outubro, no jornal Folha de S. Paulo, o compositor Caetano Veloso alertou para uma mudança perigosa nos discursos de partidários de Bolsonaro e denunciou a “incitação à violência” promovida pelo ensaísta Olavo de Carvalho no Facebook. O músico tropicalista conclamou artistas e intelectuais a reagirem à pregação de que adversários de Bolsonaro, em caso de vitória deste, devem ser “totalmente destruídos enquanto grupos, organizações e até indivíduos”.

“Esse texto de Olavo anuncia uma escalada de ações violentas e conclama seus seguidores a perpetrá-las tão logo Bolsonaro chegue (se ele chegar) ao Alvorada”, afirmou Veloso. “Todo cidadão brasileiro que mereça esse nome”, acrescentou, “deve agir contra a possibilidade de eleição de Bolsonaro”. Quase a totalidade destes depoimentos endossa a preocupação do tropicalista.

“Se o Bolsonaro vencer, teremos um macarthismo. Virão medidas econômico-sociais antipopulares (quer dizer, mais antipopulares ainda), acompanhadas de perseguição a esquerdistas e democratas. Os lados melhores da civilização brasileira, ligados à luta contra a desigualdade, a opressão e os preconceitos de toda ordem, serão atacados”, afirmou o crítico literário Roberto Schwarz.

O ensaísta português Eduardo Lourenço, um dos maiores pensadores do mundo lusófono, se surpreende com os relatos jornalísticos de manifestações extremistas “estranhas ao saber profundo do povo brasileiro”.

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“O momento é de entender o que está acontecendo, realmente, porque tem uma parte da população que está surgindo junto nesse lado misterioso, obscuro”, diz Helena Ignez, atriz marcante da contracultura brasileira.

Direitos individuais, medo político, violência e democracia são discutidos no conjunto de depoimentos à Bravo!.

Luis Fernando Verissimo, 82, escritor:

“Estou tentando resistir à ideia de que existe um processo de imbecilização em curso no mundo, mas coisas como a votação do Bolsonaro no Brasil não ajudam.”

Augusto de Campos, 87, poeta, tradutor e ensaísta:

“Sinceramente, para mim esta manifestação é um pouco extemporânea. Reporto-me à minha denúncia do golpe em Dilma Rousseff, no meu discurso da recepção da Ordem do Mérito, há três anos, assim como o fizera no discurso que proferi ao receber das mãos da presidenta Michelle Bachelet o Prêmio Iberoamericano de poesia Pablo Neruda em 2015, idem nas minhas advertências em várias reportagens e entrevistas desde essa época. Cansado de não ser ouvido, não tenho nada a acrescentar. Quem quiser que acesse o meu Instagram”.

O instagram de Augusto de Campos é @poetamenos.

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Raduan Nassar, 82, escritor:

“Só posso atribuir as votações expressivas em candidatos com propostas autoritárias à parte da sociedade que se encontra literalmente doente. E os que votam em autoritários, além de manipulados pela exorbitância de mentiras, teriam também passado por lavagem cerebral conduzida por técnicas alienígenas.”

Vania Toledo, 70, fotógrafa:

“Estou em pânico. Estou apavorada. Estou besta. Quero virar anarquista. Politicamente, não consigo entender. Tive amigos torturados, livros queimados, vi cavalos e cachorros atrás das passeatas, vivi uma época de total terror, desaparecimentos políticos. Não posso entender a volta desse terror. Não queria viver esse medo na minha idade. Queria que o Brasil e o mundo caminhassem pra frente, e não pra trás. É um emburrecimento da humanidade. Agora, infelizmente, essa tendência à direita é mundial. Não sei por que o Brasil pegou essa carona. Sou a favor da liberdade, amo todas as escolhas da liberdade sexual, pessoal e política. De repente, vou encarar uma dessa. Tenho uma angústia profunda com essa volta do medo. Meu espírito é hippie. Eu sou da turma da paz e do amor. Não sei o que vai ser de mim. Antes mesmo de fotografar profissionalmente, eu já frequentava o mundo dos livres, das pessoas libertárias. Como alguém pode chegar pra mim e dizer: acabou chorare?”.

Danilo Miranda, 75, diretor regional do Sesc-SP:

“Percebe-se uma intransigência, uma visão deturpada do papel do artista e da arte no mundo contemporâneo. A arte tem essa questão de apontar caminhos, de discutir questões, de aprofundar temas. Me preocupa muito ver pessoas com esse espírito de perseguir aqueles que criam com uma visão aberta ou libertária, mais corajosos nas questões do mundo. Nós já enfrentamos algumas situações parecidas aqui na administração do Sesc, mais ligadas à questão de gêneros, não tanto à questão religiosa e política, e percebemos que isso é alguma coisa que abala profundamente a própria estrutura da organização. Enfrentamos e tivemos, até do ponto de vista legal, um resultado bem positivo com relação a tudo que nós temos feito. Foi respeitada a Constituição brasileira. O problema não é o que está escrito na lei, é o comportamento individual de pessoas com preconceitos e visões deturpadas. Isso me preocupa muito mais. Existem milicianos da moralidade que, de alguma forma, interferem na vida das pessoas. O artista vive de liberdade, liberdade é o ar que o artista respira. Nesse sentido, qualquer manifestação contra a liberdade é um perigo tremendo pra criação, de um modo geral, e eu diria que para o próprio desenvolvimento da sociedade. Me assusta. Estou muito preocupado. Espero que isso não prospere. Espero que haja bom senso pra impedir que isso avance. Aí não é só a questão do artista, tem a ver com minorias, questões de comportamento e políticas e até questões religiosas. Corremos o risco de ter um país em conflito permanente, chegando a outros conflitos muito mais graves”.

Felipe Cordeiro, 34, compositor:

“Modernamente falando, tem dois modos básicos de pensar a política. Um deles pautado no medo, no protecionismo, no controle, no cálculo dos riscos, no pragmatismo — é a escola mais inglesa. Outro é mais emancipador, corajoso e até experimentador — este é mais francês. Nós seríamos (seremos um dia?) um país de outra estatura se pensássemos por conta própria. Nossa música popular tentou isso ao longo do século XX e tem buscado isso até agora, com sucesso. Mas o fato é que vejo no mundo hoje uma tendência ao modo conservador. É natural que em momentos de extrema indefinição, crise econômica, incertezas nos arranjos sociais e transformações intensas, ele se fortaleça. Até aí eu acho natural, é inerente à nossa espécie, embora já pudéssemos ter superado essa etapa, a do ‘medo’. O que tem sido especialmente preocupante é que no Brasil esse pensamento conservador liberal se misturou a um moralismo de costumes na figura de Jair Bolsonaro, representando todo um projeto de poder religioso/militar. A ideia desse deputado é abrir mão de toda modernidade e civilidade possível. A ideia também é ‘desviar do nosso destino’, isto é, destruir toda noção de Brasil possível, no sentido de nação antropofágica, mestiça e potente em si. Isso se fortaleceu porque existe uma descrença forte na nossa representatividade política e desencontro radical de paradigmas culturais, oriundos principalmente do nosso déficit com a educação, sobretudo a ‘educação de nós mesmos’. O recurso da violência, como elemento restaurador de ordem, é especialmente preocupante, porque é irracional, ilusório e repugnante. É inconcebível que, por conta das falhas do nosso sistema político, as pessoas decidam pelo discurso da violência, da discriminação e do obscurantismo.”

Benjamin Moser, 42, escritor americano, biógrafo de Clarice Lispector e Susan Sontag:

“É incrível, para mim, que alguém pense que o que o Brasil precisa é mais violência, mais tortura, mais massacres. Mas, apesar do contexto específico do Brasil, faz parte de uma onda de repressão e de ódio que, apesar da ostentação de supostos ‘valores nacionais’, é completamente internacional e está ameaçando afundar o mundo inteiro. Bolsonaro não é diferente de Trump, de Putin, de Duterte, de Sisi, de Orban. O Brasil não é os Estados Unidos nem a Rússia nem a Hungria nem o Egito nem as Filipinas, mas em todos estes países as palavras são exatamente as mesmas. Cabe a nós todos rejeitar estes candidatos de extrema-direita, que em todos os países estão ganhando. É o momento para o cidadão engajado. Seria tão belo se a onda autoritária mundial fosse repuxada primeiro pelo Brasil”.

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Péricles Cavalcanti, 71, compositor:

“Todo mundo já viu (ou ouviu falar de) O ovo da serpente, filme de Ingmar Bergman que fala dos atos de violência e discriminação que aconteciam na Alemanha do início dos anos 30 e que foram um prenúncio do terror que viria. Bem, isso pra dizer que não devemos minimizar alguns eventos que tem acontecido, por aqui, recentemente, como a exibição da destruição (simbolicamente sinistra!) da placa em homenagem à Marielle, com os autores vestindo camiseta de seu candidato, e o assassinato de Mestre Moa do Katendê, por um eleitor do mesmo candidato (segundo a polícia baiana). Essas considerações são mesmo pra assustar e, também, pra conclamar democratas de todos os partidos para impedir que esse ‘ovo’ tenha chance de ser ‘chocado’”.

Jussara Silveira, 59, cantora:

“O autoritarismo não é saída para nenhuma sociedade. O autoritarismo naturaliza a intolerância, legitima o desrespeito e encoraja o combate ao diferente. Recrudesce a violência e põe em risco a vida dos ‘enfraquecidos’. Temo pelo Brasil; temo pelo mundo!”.

Clara Flaksman, 42, antropóloga, doutora em Antropologia Social pela UFRJ:

“Um dos argumentos que mais li nesses últimos tempos, referido à corrida presidencial, é que é uma escolha entre a ‘civilização’, representada pelo candidato Fernando Haddad, e a ‘barbárie’, simbolizada por Jair Bolsonaro.

A distinção se refere à linha evolutiva que acostumamo-nos a evocar para entender a história da civilização ocidental. A barbárie seria um estágio ‘primitivo’ dos coletivos humanos (que, dependendo da perspectiva, pode ser o ‘bom selvagem’ de Rousseau ou o ‘estado de natureza’ de Locke); a civilização, o estado final, espécie de ápice do desenvolvimento do homem, finalmente iluminado pelo progresso, pela ciência etc.

O que parece ser deixado de lado neste raciocínio é o rastro de destruição que o dito homem ‘civilizado’ deixou. Os Estados Nacionais se construíram à custa da destruição de incontáveis formas de existência que deles diferiam. No caso brasileiro, a escravidão é a pedra fundamental da nossa sociedade “civilizada”. O racismo estrutural com o qual convivemos, a sua consequência mais básica.

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O Estado brasileiro, ‘civilizado’, sempre compactuou com a destruição de formas de vida minoritárias.

Agora estamos frente ao espelho de todo o horror que já é bastante conhecido de grande parte dos coletivos minoritários do nosso país. A força de destruição é tão grande que ameaça nos destruir a todos. Mas muitos já enfrentaram situações de destruição iminente e resistiram, como os índios e quilombolas. É neles que devemos nos espelhar. E o pior é que sabemos que são aqueles que sempre sofreram os que mais sofrerão as consequências caso Jair Bolsonaro seja eleito.”

Juca Kfouri, 68, jornalista:

“Eu não diria, eu digo, sem medo de errar, que quem votar acreditando que a violência traz a solução será tragado pela violência. Porque violência só gera mais violência e a prova mais eloquente disso está em que já tivemos eleições concorridíssimas no país em passado bem recente sem que nenhum candidato tivesse sofrido um atentado como o que prega a violência foi vítima. Porque o discurso do ódio estimula os malucos e os guardas da esquina. Espero ainda que o tsunami dos últimos dias alerte os democratas para o risco que corremos e bom senso prevaleça nas urnas para barrar o ódio.”

Roberto Schwarz, 80, crítico e ensaísta:

“Se o Bolsonaro vencer, teremos um macarthismo. Virão medidas econômico-sociais antipopulares (quer dizer, mais antipopulares ainda), acompanhadas de perseguição a esquerdistas e democratas. Os lados melhores da civilização brasileira, ligados à luta contra a desigualdade, a opressão e os preconceitos de toda ordem, serão atacados. Assistiremos à volta do que o Brasil tem de obscurantista, para dar cobertura à liberdade completa do capital. Um esquema à la Pinochet, só que democraticamente eleito. A exasperação causada pela crise econômica e pela frustração das promessas petistas liberou uma belicosidade retrógrada, contrária ao uso da razão e desejosa de descontar a sua raiva no lombo dos que procuram ver claro. Se depender da direita, teremos uma sociedade em que os trabalhadores trabalham mas não têm representação política, enquanto os intelectuais fecham o bico e os artistas exaltam a pátria. Para concluir, pensando em amigos da vida inteira, eu diria que neste momento a neutralidade entre Haddad e Bolsonaro é um erro histórico de grandes proporções.”

Eduardo Lourenço, 95, ensaísta e filósofo português:

“A situação é tão dramática e tão complexa. O Brasil, sozinho, é um continente. Nós queríamos que o Brasil encontrasse uma solução parecida com as outras que encontrou no passado, sobretudo desde que foi uma nação independente. Ainda estou pensando que talvez não seja tão catastrófico o que está aí passando, como a gente imagina agora. Os relatos de violência são as coisas mais surpreendentes. Tenho a impressão de que não há razões profundas para que haja lugar para essas declarações aberrantes [de Jair Bolsonaro], estranhas ao saber profundo do povo brasileiro. Como fazer essas declarações num país tão amoroso? É uma coisa incompreensível.

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Faz muito tempo que não visito o Brasil e não tenho de fato qualidade para estar a pensar e repensar o que isso é para nós, portugueses, e sobretudo para os brasileiros. Mas penso que o Brasil vai encontrar qualquer coisa menos tremenda e menos impossível de aceitar do aquilo que está se preparando na aparência. Eu tive uma pequena experiência no Brasil há muitos anos [1958–1959, como professor convidado na Universidade Federal da Bahia]. Esse Brasil era muito ainda contente de si próprio, um país da alegria, do futuro, essas coisas que faziam parte da mitologia brasileira e correspondiam a uma verdade profunda daquele país. Não é um país trágico, em princípio. Há países da América Latina com tradições mais trágicas, como o México, por exemplo. O Brasil é um país solar e deve cultivar esse culto do solar, em vez do culto da tragédia, do ódio e da recusa do outro. O Brasil não merece ter um destino diferente daquele que tem sido até hoje. E é o que eu desejo pra todo gente. O país é uma hiper-colônia e tem todas as razões para ser uma nação não para o futuro, mas para o tempo de agora, que é nosso.”

Jorge Salomão, 71, poeta e performer:

“Depois de tantas liberdades conquistadas, é inaceitável a volta a esse estado de obscurantismo tão estúpido que enfrentamos no dia a dia. Isso não pode se legitimar. Bem, desde que foi anunciada a vitória da presidente Dilma Rousseff, se instalou o golpe, uma corrente horrorosa de deputados, senadores, empresários, enfim, crápulas que começaram a dar altos berros reacionários contra negros, gays, pobres, mulheres, índios, etc. O país entrou numa onda de retrocesso, em todos os níveis, um sufoco econômico. No caos total, a violência entrou na pauta, criando um clima super fascista em todas as vertentes da sociedade. Vive-se intranquilidade total hoje no Brasil. Todos os avanços viraram estanques, decorrente desta onda venenosa neofascista que se propagou. Mas tenho fé e brado: Ninguém apagará nossa chama!”.

Helena Ignez, 76, atriz e diretora de cinema:

“É assustador. Ninguém sabe como será o final. Não se sabe. O momento é de entender o que está acontecendo, realmente, porque tem uma parte da população que está surgindo junto nesse lado misterioso, obscuro. No que isso vai dar? É uma coisa muito maior do que uma própria eleição. É evidente que eu sou Haddad e Manuela. Foram 21 anos de um regime de exceção, de ditadura. Eu tinha 21 anos quando isso me aconteceu. Vinte e um anos de ditadura. Não tenho nada mais o que dizer.”

Ailton Krenak, 65, líder indígena, ambientalista e escritor:

“Creio que estamos vivendo uma catarse de todas as frustrações, repressão e dissimulação das lutas de classe que foi ‘congelada’ por todos as transições políticas que deram na formação de uma sociedade desigual ao extremo, e que feito um tumor que não pode mais ser dissimulado explode em violência e destruição da ordem que era mesmo só aparente. Uma imagem que ilustra bem esta inconstante realidade seria admitir que somos um acampamento no escuro de uma noite de longa duração, onde ninguém enxerga o ‘outro’ que vive oculto ao seu lado, salvo quando iluminado por um relâmpago ou raio. Neste breve instante, entreolham-se mas sem tempo para o reconhecimento, e somente o instinto pode nos guiar na escuridão social que se instala. É bom lembrar que nunca fomos mesmo uma nação, no sentido em que se constituíram as nações modernas. Temos um aglomerado de interesses políticos movidos pelo sentido de urgência e egoísmos, sem nada que nos una a não ser a manipulação histórica.”

Milton Hatoum, 66, escritor:

“Bolsonaro é a personificação perfeita do político muito abaixo da mediocridade. Não sabe argumentar. Mal sabe ler e falar. Ele disputa com o seu vice a baixeza moral, ética e intelectual. Juntos, representam o par perfeito da indignidade, da fúria e do ressentimento anti-intelectual. Basta lembrar que o livro de cabeceira do capitão (punido por indisciplina) é a obra asquerosa de um torturador. Essa é a leitura de quem pretende ser presidente do Brasil. Será um vexame como chefe ou chefete de Estado. Fernando Haddad reúne todas as qualidades de um grande candidato: o trabalho exitoso como gestor e executor de políticas de inclusão social como prefeito de São Paulo e ministro da Educação. Um professor competente da USP e do Insper. Uma competência e uma dignidade que Ana Estela Haddad também possui. Acho que essas qualidades incomodam e até atormentam os fanáticos boçais e ignaros. Os eleitores indecisos, e os que votaram branco/nulo devem refletir sobre isso.”

Tássia Cruz, Phd em economia da educação por Stanford, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV:

“Do ponto de vista educacional, avalio essa onda de violência como um reflexo do desapreço que a sociedade brasileira tem demonstrado pela razão e pelo próprio conhecimento. Infelizmente, reconhecer a complexidade exigida na melhoria das políticas públicas tem sido menos importante que urrar frases feitas que gerem impacto e ódio. As propostas de Jair Bolsonaro de simplesmente ‘expurgar’ a ‘ideologia de Paulo Freire’, ‘mudar’ a Base Nacional Comum Curricular, introduzir uma disciplina militarista nas escolas não conversam em nada com os avanços do conhecimento no campo educacional. Por um lado, ele fala em tornar os jovens em empreendedores. Por outro, diz ‘que ninguém quer saber de jovem com senso crítico’. Há aí uma contradição básica, pois o fomento ao empreendedorismo exige justamente uma valorização da criatividade e do poder de questionamento por parte dos estudantes. Almejar saídas autoritárias como as defendidas por ele significa lançar-se perigosamente ao desconhecido, renunciando a tudo que a razão, o debate democrático e os dados levantados por décadas sobre a educação brasileira tem a nos informar. Se fosse só vontade politica, o mundo teria muito mais exemplos de sucesso na educação. Diria a quem acredita em saídas autoritárias que é enganoso pensar que soluções fáceis e a força bruta serão capazes de melhorar de uma hora pra outra uma conjuntura que há anos mobiliza e desafia inúmeros professores, pesquisadores, diretores de escola e secretarias de educação. Melhorar a educação exige um trabalho diário de diálogo e questionamento. Ignorar esse caminho é pôr em risco qualquer possibilidade de melhora para a educação brasileira.”

Helena Solberg, 80, cineasta:

“Antes de mais nada, temos que acreditar que podemos ainda ‘virar a mesa’. Sei que pode parecer ingênuo, mas a história às vezes traz surpresas! Para a minha geração, que viveu uma ditadura, esse momento se apresenta como extremamente grave e delicado. Temos que analisar com cuidado os erros que nos levaram a essa situação. É importante uma autocrítica e uma reflexão sobre possíveis estratégias para o futuro. Estamos vendo um rosto de um Brasil que talvez ignoramos, um Brasil muito mais conservador do que imaginávamos! Nossas instituições continuam funcionando, o que é um grande alento, e temos que pensar em estratégias realistas que não levem o país ao caos. Temos que ir à luta!”.

Jeza da Pedra, 34, rapper:

“O Brasil vive em um futuro distópico digno das ficções cinematográficas e dos seriados que, hoje, assistimos em streaming na palma das nossas mãos. O candidato à presidência do PSL se vale da espetacularização do pavor e de uma ‘teologia da prosperidade do mal’, se apresentando como solução no combate à violência: a violência urbana e suas ‘favelas fábricas de delinquentes’ relativizados pelos direitos humanos; a violência aos bons costumes e a consideração do estado para com as reivindicações das minorias (sobretudo, no que tange a pautas relacionadas em favor da reparação dos direitos da mulher e da população afrodescendente, LGBTQ e indígena); a violência contra a higiene do corpo social e a empatia contemporânea com moradores de rua/sem teto, cracolândias e imigrantes desempregados. A fala de efeito nacionalista zero politizada, porém 100% compreensível para o intelecto do cidadão mediano, já não se trata mais do discurso simples de alguém que representa um grupo de eleitores, ela é própria voz da legitimação da ordem por meio da violência e do extermínio em prol de uma sociedade mais limpa, de cidadãos corretos (vide o seu bordão ‘direitos humanos para humanos direitos’). É a incapacidade do diálogo se transformando em desumanidade. Existe um real risco de retrocesso político e social. E quem mais vai sofrer, como sempre, serão os pobres, as mulheres, as pessoas LGBTQs e a população afrodescendente e indígena. Sem contar que ele se diz cristão mas parafraseia de maneira esdrúxula mensagens de quando a humanidade vivia sob o ‘jugo da lei’, no antigo testamento (o tal ‘olho por olho’ dos tempos de Moisés). Jesus que representava o ‘jugo da graça’ incitava o amor, o respeito à alteridade, o perdão, a revolução pacífica, ou seja, o contrário de tudo aquilo que o presidenciável do PSL apregoa.”

Regina Boni, 76, marchande e figurinista:

“Vejo a descoberta de uma grande massa, que surge violenta, maligna, homofóbica, radical, genocida, ignorante e cruel contra as minorias, os direitos das mulheres, dos diferentes e das diferenças do nosso passado e cultura. Essa missão de ódio e terror nos custará décadas e décadas de estupor e tragédias. Aos brasileiros que comungam deste ideário, eu diria que não é uma questão de opinião ou escolha. É muito mais do que isso. E que não é também a democracia, nem um partido, que estamos discutindo. É uma questão maior: uma razão humana, a vida, os direitos humanos, a liberdade, a felicidade, o poder de existir, o poder de ser humano em um país.”

Tiganá Santana, 35, músico e poeta:

“Um caminho histórico complexo, sinuoso e multifacetado faz com que cheguemos ao Brasil de agora (e de um tanto depois deste agora!). O projeto colonial brasileiro se re-atualiza, tragicamente, com sucesso, num lugar que teve seu processo de ‘verter-se’ em nação, na acepção moderna da ideia-termo, desde a estúrdia presença da família real portuguesa, nestas terras, a partir de 1808. Tudo aqui, oficialmente, segrega e deseja cercear, a todo custo, o acesso de todas e todos a tudo, à dignidade humana comum e a priori. Há um trabalho mantenedor dessa ordem, o qual pode emanar de lados impensáveis. Pelo visto, oficialmente, as forças hegemônicas brancas, patriarcais, abastadas e heteronormativas estão — assim como já estavam antes — no seu lugar de conservar o projeto de exclusão em nome do patrimônio, da autopreservação que reduz a individualidade a um antípoda da experiência coletiva, da moral (tão abstrata, quanto pouca e distante de um aprofundamento ético, propriamente), da nação (que, por fim, faz-nos lembrar de que os sistemas nazista e fascista revestiram-se de nacionalismo). Aprendemos, por exemplo, com Frantz Fanon e Aimé Césaire que colonialismo, nazismo e racismo são o mesmo. Pessoas sentem-se autorizadas a exterminar alteridades, mesmo que ‘países sejam florestas’, conforme nos diz um antigo provérbio kongo. Os projetos autoritários que se nos apresentam desconsideram direitos das pessoas e reduzem as relações internacionais do Brasil ao paupérrimo e antiquado alinhamento automático em relação aos Estados Unidos (de modo menos ingênuo e muito mais ignorante que o alinhamento assumido pelo Barão do Rio Branco). Por ora, os EUA representam-se, politicamente, por um sujeito de ‘quinta categoria’. A pretensa representação autoritária do Brasil, por seu turno, seria, no atual contexto, uma má imitação de um sujeito de ‘quinta categoria’. No momento em que as identidades, as mais diversas, têm sido conquistadas, e pessoas que não tinham acesso à comida ou à universidade pública passaram a ter, ainda que não estejamos onde devemos, massivamente, estar, a eleição de um déspota (sobretudo, um não esclarecido) é como detonar uma bomba de desdobramentos mortais gerais que ainda não se podem dimensionar. A frágil democracia brasileira, no trigésimo aniversário da sua Constituição Cidadã, pode, na prática, retroceder, em alguma medida, à Constituição de 1967, e assim, catapultar-se a outros séculos atrás.”

José Celso Martinez Corrêa, 81, diretor teatral:

“Eles estão aplicando toda a tecnologia que elegeu Trump. Eles foram aos EUA aprender e aplicaram aqui. Uma campanha nojenta, secreta, através do Whatsapp, que faz aparecer uma pessoa que você nunca viu no governo de Minas Gerais, outra no governo do Rio. Uma coisa traiçoeira, sub-reptícia, indecorosa. Devemos levantar o brio das pessoas que amam a liberdade, não só dos artistas, mas dos políticos. Está todo mundo hipnotizado. É um tsunami fascista. O Brasil está em plena primavera! Nas sessões do Rei da Vela, a gente sente a primavera. O comício do Haddad na Cinelândia, no Rio de Janeiro, e depois o das mulheres, do #Elenão, foram uma primavera. Está havendo um aborto disso. Uma primavera brasileira é possível. Se somam todos aqueles que estão indecisos, que não estão sacando a gravidade do momento, nós venceremos. A democracia vence no Brasil… As pessoas estão dopadas, drogadas por um mito. Um mito! Um mito não é nada. É uma boneca de papel. Sopra e ele desaparece. Estou muito alegre pela felicidade guerreira de poder ainda lutar contra isso.”

Thiago Camelo, 35, poeta:

“A nossa democracia é nova, ainda em formação. Temos que vigiá-la como a um filho pequeno. Infelizmente, não é raro perdermos isso de vista. Eu acredito que a democracia é a maior conquista da civilização. É, portanto, civilizatório conviver democraticamente. A nossa democracia foi revolvida com o golpe imposto a Dilma e, posteriormente, com a prisão política de Lula. Nesses momentos, regredimos, nos tornamos menos civilizados, desacreditamos do outro e de nós mesmos. Muito se fala que o pilar de um país civilizado é a educação. A educação é um dos pilares, mas a pedra fundamental é a democracia. É ela quem permite avanços igualitários, humanitários, a convivência entre a divergência, enfim, o que nos acostumamos a chamar de liberdade. Liberdade para educar. Liberdade de pensamento e ação. A passividade não é o contrário da violência. A liberdade é o contrário da violência. Apenas na democracia temos a liberdade de argumentar com nós mesmos (e com os outros) a respeito dos nossos impulsos, dos mais amorosos aos mais insuspeitados. Apenas na democracia podemos entender mais plenamente a nós mesmos e aos nossos pares. Avançar com respeito sobre a fronteira do outro. A democracia nos torna ternos, compassivos, menos cínicos. A democracia está desvanecendo no Brasil. Sem democracia não há liberdade. E a liberdade, como disse, é o contrário da violência.”

Maureen Bisilliat, 87, fotógrafa:

“Todos nós temos que nos conscientizar, participar, entender. Temos que estar mais em dia com o que está acontecendo. Falo até em meu caso pessoal. Isso faz parte de um movimento no mundo, tanto na Europa, como nos Estados Unidos e em certos lugares da Ásia. Cada área tem as suas peculiaridades. É ruim, eu acho, mas deve ter uma razão pra essa explosão de fúria e raiva. Não leva a uma coisa boa. A única coisa boa é que nos alerta. A lição é que vamos tentar formar um peso, não de briga, mas para oferecer uma resposta. É interesse para abrir o olho e ver como a gente se integra a essa parte do século. Eu abri o olho. Acho que é o início de um declínio. Difícil destacar o Brasil do mundo. As corrupções são mais escondidas em alguns lugares, em outros menos. Não devemos ter medo do que virá. O medo cala. Agora é hora de falar”.

Jorge Mautner, 77, escritor e compositor:

“O filósofo alemão Martin Heidegger disse que através da cibernética viveríamos em um planeta em que seríamos todos controlados e controladores. Segundo Heidegger, um muito breve futuro cibernético iria desvelar o ser oculto do homem, e todos seriam controlados e controladores. Nelson Jacobina disse: não, seremos todos descontrolados e descontroladores. Jacobina estava mais certo do que Heidegger. Isso é fundamental. Donald Trump e Bolsonaro são efeitos disso. No Brasil, quando houve a abolição dos escravos, Joaquim Nabuco afirmou: agora é preciso a segunda abolição. Esta nunca chegou. 95% do nióbio do mundo está no Brasil. Não existe satélite nem celular sem nióbio. E o Bolsonaro também quer invadir terras indígenas com a mineração. É preciso a segunda abolição: a instrução pública. O Canadá tem 2% de nióbio. Com isso, eles fazem universidades livres. Temos 95% e não fazemos nada. Temos rios navegáveis. A seca é artificial. No Manifesto Comunista de 1848, toda a atenção de Marx e Engels é para a comunicação. Está escrito lá: o que vai mudar o mundo é o telégrafo e a máquina vapor. Agora, o que demorava cem anos leva um dia. Dez anos é um segundo. Estamos vendo isso nestas eleições. Os jornais estrangeiros todos falam em nazismo no Brasil. O que vai acontecer? Vamos ver.”

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