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Mentiras e adiamentos

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h25 - Publicado em 19 out 2018, 14h35

“Não sou petista, mas vou votar em Haddad”, diz o diretor Julio Bressane

Por Claudio Leal

Questionado sobre a ascensão da violência de extrema direita no Brasil, o cineasta Julio Bressane, 72, preferiu escrever um texto sobre o momento político do país.

Diretor de filmes como O anjo nasceu e Matou a família e foi ao cinema (1969), além dos mais recentes Cleópatra (2007) e Beduíno (2016), Bressane é um dos cineastas nacionais mais prestigiados em festivais no exterior e se situa como artista central na história do cinema brasileiro, a partir dos anos 60.

Confira o texto de Julio Bressane:

“Meu trabalho é permanente, quedo e quedo pelas macegas, como diria um escritor. O trabalho pede concentração e consequentemente a con-fusão toma todo o meu tempo, que já não é muito a essa altura. Na quadra de agora estamos em delicada navegação humana. Falo assim porque o navio mercante sofreu grave pancada e a sentina, se já estava lotada, transbordou. Sofisticou-se entre nós a linguagem técnica do economês bancário. Mas a linguagem emocional sofreu um derrame, está afásica, regressão da fala, perda de substância, como se voltássemos a engatinhar no tecido do espaço-tempo, retorcido por força gravitacional poderosa.

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Apesar de hoje não prestarmos mais atenção a isso, na linguagem dos gestos fica evidente tudo. O que dizem esses gestos das mãos, em piruetas, circunvoluções acrobáticas de mágico truão? Dizem mentiras, desvios fraudulentos, adiamentos, um deixa pra lá, um deixa pra depois, um deixa pra nunca mais. Com esse outro gesto de mãos, de dedos, do corpo inteiro, que mostra o desejo inarredável do homem: sua vontade de matar. Juntam-se aí duas coisas: o homem que foge da morte e o homem que quer matar. Gesto que vem confirmar a observação de um antropólogo de que o homem, no curso dos anos de sua longa evolução, converteu-se à predação.

Lamentação brasílica, país esmagado pela carne, aniquilado, feito em estilhas a apagar-se na opacidade de uma carnificina. Desgraçadamente, a boçalidade, o troglodita que o verniz da civilização não escondeu, foi escolhido pelo ouro e pela usura nacional. Vestimos a túnica molesta, melodia interrompida de nossa vida interior.

Não sou petista, mas vou votar em Haddad. Como escreveu um poeta de luz eterna: Haddad dada Haddad ou nada.”

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