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“Minha técnica é a falta de técnica”

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h33 - Publicado em 15 jun 2017, 08h46

Um dos grandes nomes do “Pasquim”, Jaguar é o entrevistado da semana por Rafael Spaca, na série com grandes cartunistas brasileiros

Por Rafael Spaca

Ser considerado o cartunista mais escrachado do país, é um título que lhe agrada?

Escrachado? Nisso, não chego nem perto do Allan Sieber ou do Adão Iturrusgarai, meu terrorista basco de estimação. Mas não tenho nada contra, acho até legal que pensem isso de mim.

E ser considerado por boa parte dos cartunistas como uma referência, um dos mestres. Isso é motivo de alegria para um cara que ia mal nas escolas de desenho ou é um fardo?

Se alguém me considera um mestre, vai ter problemas.

Te pedem muitos conselhos? O senhor costuma aconselhar jovens profissionais? Se sim, pode revelar um?

Se o jovem profissional me chamar de senhor eu o aconselharei a catar coquinho.

No começo de sua carreira, paralelamente ao trabalho de cartunista, você foi durante dezessete anos escriturário do Banco do Brasil, emprego que abandonou em 1971. A vida parece que sempre foi fácil pra você, mas estava enganado, não é?

E eu tinha um horário ideal para boêmio: começava às 3 da tarde. Além do mais, trabalhava ao lado do Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta: fui o ilustrador de todos seus livros. Quando ele se demitiu ainda fiquei algum tempo – era um emprego bem pago, ao contrário de hoje. Mas quando comecei a trabalhar no Pasquim, dei o fora também. Quando o pessoal começava a chegar na redação eu tinha que assinar o ponto no BB.

O que é fácil no Brasil?

Nada. Agora, até ser corrupto é complicado.

Seu traço é quase primitivo, o estilo irônico, em que traços vigorosos e irregulares servem à representação dos personagens, sem um apuro excessivo no acabamento. Essa é a definição? Se sim, como desenvolveu sua técnica?

Digamos que a minha técnica é a falta de técnica.

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Você se considera um bom cronista de situações, mais até do que cartunista?

Se comparado com o Verissimo, sou um péssimo cronista. Se comparado com Steinberg ou Millôr, sou um péssimo cartunista.

Chegou a dizer que não sabe desenhar. Não é falsa modéstia?

James Thurber desenhava mal e foi um grande cartunista.

Desenhar se aprende na escola?

Sim. Mas cartum, não. Como no samba de Noel também, não se aprende no colégio.

Qual considera a sua maior criação: a Banda de Ipanema ou o O Pasquim?

A Banda de Ipanema é criação do Albino Pinheiro. Eu era um dos caras ao lado. Mesma coisa com o Pasquim, do Tarso de Castro. Tipo Zelig, do Woody Allen.

Você iniciou sua carreira em 1952 na revista Manchete, depois nas revistas Senhor, Revista da Semana, Civilização Brasileira, no semanário de humor Pif-Paf e nos jornais Tribuna da Imprensa e Última Hora, pra citar alguns. Aquela era a época de ouro para o cartum nacional ou o espaço foi melhorando com o avanço do tempo?

Como dizia Dom Rossé Cavaca, grande humorista injustamente esquecido: “Bons tempos, aqueles. Como a gente ganhava pouco”.

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Sua influência é Saul Steinberg, mas Robert Crumb é quem predomina entre os cartunistas brasileiros da nova geração. O que eles estão perdendo em não conhecer a obra de Saul Steinberg?

Não sei se estão perdendo, mas certamente não estão ganhando.

É comum o uso de colagens e montagens nas suas histórias ou charges. De onde surgiu a ideia desse macete? Que benefício ele agrega a sua arte?

Arte é coisa fina, não tem nada a ver com o que eu faço.

O que mais te chateou nestes anos todos como cartunista: ser preso pela ditadura militar por uma brincadeira com o quadro do artista Pedro Américo, ou ter sido demitido por e-mail pelo jornal O Dia?

Já disse e repito: adorei ser preso com a patota do Pasca durante dois meses na Vila Militar. Não fui torturado, passei o tempo todo de porre (subornava os guardas para me comprarem cachaça) e, quando saí da cadeia, as fãs do jornaleco queriam dar para os heróis da resistência. Já ser demitido por um CEO que não devia saber que o colaborador d’O Dia Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, 85 anos, era o Jaguar, essa foi de lascar.

Os cartunistas, de uma maneira geral, estão aproveitando bem essa crise política e econômica que assola o país, a Lava-Jato, ou não estão fazendo o serviço direito?

Os meninos estão dando conta do recado muito bem.

Pra que serve a charge?

Pra chatear o chargeado. Pra dizer que o Rei está nu. E tem pinto pequeno…

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Situações como essa, de crise, são mais inspiradoras para cartunistas ou preferiria que tudo estivesse muito bem?

Se tudo estivesse bem, não haveria cartum. Ou seja: sempre haverá cartum.

O humor anda muito sério, inteligente e sofisticado? Ele tem que ser prosaico?

Sou do tempo em que cartum tinha que ser engraçado.

Tem acompanhado essa nova geração? Quem te estimula?

Quando comecei, modéstia à parte, era um dos cinco melhores do Brasil. Hoje, ficaria feliz de figurar entre os vinte melhores. Quanto ao estímulo, a esta altura da guerra, só fio desencapado.

Um livro ou uma partida de futebol pela tevê?

Futebol. Mas adorei o livro da Rita Lee.

Para um cartunista vale mais uma crítica ou um elogio?

O máximo, que jamais ocorrerá, seria um elogio do criticado.

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