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O espaço do assédio

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h28 - Publicado em 29 jun 2018, 07h18
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Os documentários “Chega de Fiu Fiu” e “Sob Constante Ameaça” mostram como violência de gênero influencia ocupação do espaço público

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Cena de “Sob Constante Ameaça”

Por Aline Khouri

Medo. Repulsa. Indignação. Estes são alguns dentre uma vasta gama de sentimentos provocados pelo assédio. Aos 11 anos, a jornalista Juliana de Faria conheceu a violência que faz parte do cotidiano da maioria das mulheres. Em 2013, ela criou a ONG feminista Think Olga e a campanha Chega de Fiu Fiu, dedicada ao combate do assédio sexual em espaços públicos. “Como alguém que foi vítima desde muito cedo do assédio, eu tinha vontade de fazer algo a respeito. Não consegui achar nada sobre assédio fora do ambiente de trabalho, o que ocorre em espaços públicos. Quando fizemos a campanha, recebi relatos de milhares de mulheres do Brasil inteiro. Estamos falando de uma exclusão sistemática na cidade”, explica.

A ONG realizou uma enquete online com quase 8 mil mulheres e revelou que 98% delas já haviam sofrido assédio, e 81% desistiram de alguma atividade comum como, por exemplo, sair a pé com medo de serem assediadas. Com o objetivo de aprofundar essa discussão, foi lançado o documentário Chega de Fiu Fiu, foi financiado coletivamente por mais de 1200 pessoas. Dirigido por Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão, o filme discute a ocupação feminina no espaço urbano por meio das histórias de Raquel Carvalho, Rosa Luz e Teresa Chaves, que moram em Salvador (BA), Brasília (DF) e São Paulo (SP) respectivamente.

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O início de Chega de Fiu Fiu é marcado por diversos relatos da violência sofrida por mulheres. Sobrepostas, as vozes ilustram a realidade do que é ter um corpo feminino em uma sociedade machista. Os dados mostrados também são reveladores: o Brasil ficou em quinto lugar em um ranking mundial de feminicídios feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O número de assassinatos é de 4,8 para cada 100 mil mulheres. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no país. Fica claro que as cidades não foram feitas para mulheres.

Embora Rosa Luz se recuse a deixar de usar roupas curtas em sua rotina, a pesquisa da Think Olga mostra que a artista trans e negra é uma exceção, já que 90% das mulheres brasileiras já trocaram de roupa antes de saírem de casa para não serem assediadas.

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As diretoras se preocuparam também em mostrar como essa violência se relaciona ao racismo, à gordofobia e à transfobia. “O filme traz a possibilidade de mostrar o que é para quem não sofre. O assédio era uma palavra não dita quando saiu a campanha”, ressalta Amanda, acrescentando que é necessário sair da esfera individual para perceber que se trata de um problema coletivo e cultural.

Ameaças

Norteado pela mesma temática, Sob Constante Ameaça possui uma proposta distinta. No documentário, disponível para assistir online e coproduzido pela Agência Pública e pela SPCine e dirigido pela repórter da Agência Pública Andrea Dip e pelo artista plástico Guilherme Peters, o objetivo é de oferecer uma experiência imersiva por meio da caminhada de algumas mulheres na cidade de São Paulo. Como mulher, Andrea já havia refletido sobre a restrição do direito à cidade para as mulheres, mas foi a partir de uma entrevista com a engenheira e mestre em Planejamento de Transportes Haydee Svab — cuja dissertação de mestrado analisou os padrões de deslocamento na região metropolitana de São Paulo por uma perspectiva de gênero — que a ideia de realizar um documentário se concretizou.

Em 2015, entrevistaram mulheres cis e trans e homens trans de diferentes idades e regiões sobre sua relação com São Paulo. Além disso, foi feita uma enquete online, respondida por 2500 mulheres. Uma das perguntas da era: “Você evita andar pela cidade em algum horário específico?”. A resposta de 93% das mulheres mostrou que elas evitavam andar após o anoitecer por medo da violência. Esses métodos auxiliaram na escolha dos lugares mostrados na tela. Sob constante ameaça parece um filme de suspense. É fácil vivenciar momentos de tensão com a objetificação das mulheres na presença de homens e a ausência de iluminação e de segurança em espaços desertos em diferentes horários do dia.

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Um dos momentos de destaque do documentário é quando uma mulher trans relata que começou a ser assediada no primeiro dia em que saiu na rua vestida como uma mulher. “Tentamos mostrar essas várias experiências com a cidade que passam pela interseccionalidade. A migrante tem uma experiência com a cidade, a que mora na periferia tem uma experiência diferente e a branca possui uma experiência diferente da mulher negra”, ressalta Andrea.

Quando teve que lidar diretamente com uma realidade que não vivencia, Guilherme teve dificuldades. “Foi um processo difícil e definitivamente exigiu de mim um cuidado muito maior do que outros projetos em que já trabalhei. Quando começamos a trabalhar no documentário eu passei a conviver diariamente com uma dor, uma angústia, e um medo que não me pertencem. Antes de começar as filmagens, entrevistamos 17 mulheres, com históricos diferentes, a Andrea conduzia as entrevistas e eu captava o áudio e eventualmente fazia uma pergunta, essas entrevistas serviram de matéria-prima para o documentário, foi a partir delas que elaboramos o roteiro, a decupagem, decidimos as locações, o processo de estudo e edição desses depoimentos levaram muito tempo. Convivi com os depoimentos, e toda vez que saía na rua essas falas ficavam tocando na minha cabeça, antes de iniciar o documentário essas questões não apareciam toda hora que eu caminhava pela cidade”, confessa.

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Ele destaca também como são possíveis diferentes chaves interpretativas, pois na maior parte do documentário as mulheres aparecem de costas. “Isso possibilita que essas cenas sejam absorvidas tanto como o ponto de vista dessas mulheres quanto o de um possível agressor que segue as personagens durante todo o filme. Foi curioso quando começamos a mostrar o filme para algumas pessoas, e os homens que viam achavam que essas cenas eram claramente o ponto de vista de alguém que está perseguindo as mulheres e as mulheres achavam justamente o contrário. Essa dualidade de dois pontos de vista no mesmo plano nos interessa muito, isso é tão importante para a criação do nosso documentário, quanto luz e sombra é para criar uma imagem cinematográfica”.

Para o artista, o exercício da alteridade e da empatia é fundamental. “Muitas vezes quando faço meu trajeto e a rua está vazia e escura e me deparo com uma mulher caminhando na minha frente, fazendo o mesmo trajeto, vejo que imediatamente ela se sente extremamente incomodada e aflita, o que significa que por mais ‘desconstruído’ que eu possa ser, a minha presença na cidade significa uma ameaça para as mulheres. Gostaria muito que todos os homens que vissem o filme percebessem isso, que se reconhecessem em um lugar de possíveis agressores”, finaliza.

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Sob Constante Ameaça, que pode ser visto online no site da Agência Pública, entra em cartaz na Galeria Vermelho durante a Mostra Verbo de Performance, do dia 03 ao dia 07 de Julho. Chega de Fiu Fiu jé teve 17 exibições em diferentes cidades brasileiras e uma exibição na Premiere no Festival de Direitos Humanos da Universidade Estadual do Colorado (EUA) — ACT Human Rights Festival. Além dessas sessões, há as exibições coletivas. O documentário está disponível gratuitamente pela plataforma Taturana Mobilização Social e qualquer pessoa ou instituição pode organizar uma exibição coletiva em seu espaço e ser uma parceira do filme. Basta se cadastrar e agendar a sessão para ter acesso ao documentário.

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