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OLÁ,

O gênio dos filmes B

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h14 - Publicado em 16 out 2020, 06h03
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Uma conversa com o produtor e diretor Roger Corman, instigada pelo curta de Ivan Cardoso sobre sua obra

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Making of de O Colítrio do Corman me Deixou Doido Demais

Por Claudio Leal

Um ano depois de ser o protagonista de “O Colírio do Corman me Deixou Doido Demais”, de Ivan Cardoso, o mítico diretor e produtor americano Roger Corman elogiou a edição final do curta brasileiro inspirado em sua obra. “Ivan Cardoso é importante como cineasta experimental. Seu trabalho é excelente e sua fama começa a se espalhar para além do Brasil, pelo mundo”, afirma Corman, 94, em entrevista por e-mail.

No curta, duas gotas de um colírio pingado por Corman nos olhos de Cardoso provocam um delírio de formas geométricas e imagens de escritores e artistas centrais na formação do brasileiro, de Augusto de Campos a Hélio Oiticica, sem faltar Zé do Caixão. Nesse barato visual, Cardoso celebra as suas referências estéticas e dialoga com o clássico do terror “O Homem dos Olhos de Raio-X”, lançado por Corman em 1963.

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“Tenho visto vários filmes brasileiros ao longo dos anos e acho que o Brasil está emergindo como um dos maiores centros cinematográficos do mundo”, diz Corman. “Entre os filmes brasileiros que admirei quando os vi, lembro-me de ‘Cidade de Deus’ [de Fernando Meirelles], que não representou apenas algumas situações do Brasil, mas foi além ao mostrar como essas situações podem existir em muitos lugares”.

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Roger Corman no set de “A Pequena Loja de Horrores”

Cultuado como gênio dos filmes B, conciliando transgressão e faro comercial, Corman produziu mais de 400 longas e teve peso no início das carreiras de diretores que renovariam o cinema americano a partir dos anos 60, dentre os quais Monte Hellman, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola, James Cameron e Joe Dante. O diretor revelou seu tino para jovens talentos ao escalar Jack Nicholson em “A Loja dos Horrores”, de 1960, e Robert De Niro em “Os Cinco de Chicago”, de 1970. No filme trash, em que uma planta grotesca se alimenta de sangue humano, Nicholson demonstrou pleno domínio de cena no pequeno papel de um masoquista que vai ao consultório de um dentista sádico. Adiante, o ator teria destaque em “O Terror”, de 1963.

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Entre 1960 e 1964, a série de oito filmes baseados na obra de Edgar Allan Poe renovou o cinema de terror e conferiu apuro formal à imaginação de Corman. “A Queda da Casa de Usher”, de 1960, “Obsessão Macabra”, de 1962, e “A Morte da Máscara Vermelha”, de 1964, integram o ciclo Poe, que influenciou a estética de Tim Burton. Nesses filmes lançados pela AIP (American International Pictures), Corman trabalhou com os atores Ray Milland, Vincent Price, Peter Lorre, Boris Karloff e Barbara Steele. A fusão de terror e sarcasmo seria definida sobretudo pela atuação de Price.

Corman dirigiu ainda três filmes que retrataram a América de seu tempo. “O Intruso”, de 1962, com William Shatner (antes de Star Trek), abordou os conflitos da integração racial numa pequena cidade americana. “Os Anjos Selvagens”, de 1966, com Peter Fonda, trouxe a violência vazia dos motoqueiros nazis do Hells Angels. O universo lisérgico da contracultura entrou em “Viagem ao Mundo da Alucinação”, de 1967, com Peter Fonda e Dennis Hopper, que rodaria “Easy Rider” dois anos mais tarde.

Aos 94 anos, Corman evitou a redoma do mito. Em Los Angeles, mantém uma rotina intensa de produtor e não se sentiu enjaulado pela pandemia do novo coronavírus. Em abril, ele anunciou o Corman Quarentine Film Festival, criado para premiar curtas de até dois minutos. O francês Sébastien Liébus levou o troféu.

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Selada pelo fascínio comum por carros velozes, a amizade com Ivan Cardoso quase resultou na co-produção de um longa do brasileiro, mas o projeto foi enterrado pelo ritmo mais lento da realização de filmes no Brasil. Admirador de “As Sete Vampiras”, de 1986, Corman acabou virando personagem do “mestre do terrir”, o terror lambuzado com humor. O americano tem uma queda por obras experimentais e não supervaloriza a estrutura das grandes produções.

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Roger Corman com Ivan Cardoso

“Acho que os recursos financeiros podem afetar o poder da criação artística. Embora recursos limitados possam limitar o valor da produção dos filmes, ao mesmo tempo podem permitir ao cineasta chegar a soluções mais criativas para os problemas, em vez de apenas jogar dinheiro nos problemas”, avalia Corman, que dirigiu 56 filmes.

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Concebido quase de forma artesanal, com desenhos geométricos em cartelas, “O Colírio do Corman” exemplifica a questão exposta pelo mestre americano: com minguados recursos do próprio diretor, não perdeu a vitalidade do terrir. A ideia do curta surgiu num almoço no Jockey Club, no Rio de Janeiro. Depois de algumas garfadas, Corman avisou-lhe: “Reservei para você as duas últimas gotas do meu colírio de raio-x”.

“Após aplicar as gotas, eu saí desenhando o filme. Não sei se é verdade, mas as fofocas que me chegaram de Hollywood seriam de que quando soube que Roger tinha guardado as últimas gotas para Ivan Cardoso, o mestre do terrir brasileiro, Quentin Tarantino roeu as unhas do pé”, sorri Cardoso, também diretor de “Nosferatu no Brasil” e “O Segredo da Múmia”. Ele montará em breve “Esta Noite com Corman”, um registro do encontro em seu apartamento em Copacabana.

Roger Corman não exagera ao falar da presença internacional da obra de Ivan Cardoso. Em março, na iminência da quarentena, ele foi homenageado com uma retrospectiva no festival Espírito do Fogo, na distante Sibéria, a convite do curador Boris Nelepo. No ano passado, o MoMA, em em Nova York, incorporou ao seu acervo permanente o curta “H.O.”, de 1979 — do Reina Sofía ao Masp, a obra-prima sobre Hélio Oiticica ganha exibições frequentes em museus. O documentário “Ivan, O TerrirVel”, de Mario Abbade, celebrou a sua trajetória.

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Exibido no Festival de Roterdã, em janeiro, e no Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, em agosto, “O Colírio do Corman” recebeu convites de outros cinco festivais no exterior. Segundo Cardoso, a emissora italiana RAI deve exibi-lo.

Na sequência de uma homenagem no Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa), em 2019, Corman visitou Cardoso, observou a desordem política do país e até planejou viver um tempo no Rio. “Durante minhas visitas ao Brasil, aprendi um pouco sobre a crise política, mas não sei o suficiente para fazer um comentário informado sobre ela. Sim, é verdade que gostaria de comprar um apartamento em Ipanema”, conta Corman, agora sem mais uma só gota de seu colírio.

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