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“O mundo mudou, eu também”

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h29 - Publicado em 3 ago 2017, 11h16

Na série de entrevistas com quadrinistas brasileiros, Rafael Spaca bate um papo com Paulo Miguel dos Anjos, criador do hippie e ecológico Benjamin Peppe

Por Rafael Spaca

Benjamin Peppe é uma criação sua, um personagem infanto-juvenil. Há pouca coisa para o público desta faixa etária. A criação visou preencher essa lacuna ou surgiu naturalmente?

Desde pequeno eu rabiscava uns desenhos, e em 1972 já estava fazendo aulas particulares de Pintura a Óleo e Aquarela. Nessa época eu trabalhava próximo a Praça da Sé. Havia as barraquinhas ou bancas (sebos) que vendiam ou trocavam revistas usadas, e eu colecionava o gibi do Homem-Aranha da Editora Ebal, e nessas bancas encontrava-se todo tipo de gibis e revistas. Comprei uma revista de Pablo Picasso e vários gibis. Um dia, tentando copiar uma foto minha, saiu o primeiro desenho que seria o Benjamin Peppe, o personagem foi criado em 1973. Pintando quadros e lendo gibis surgiram muitos esboços de historinhas tipo pastelão, e foram surgindo os outros personagens. Pouco tempo depois começou a sair no jornal da escola.

Por que você é um dos poucos casos, em se tratando de HQs no Brasil, de trabalho com o público infanto-juvenil?

Eu criei o personagem e fui fazendo historinhas e tiras, publicando no jornal da escola (em estêncil), logo estava publicando nos jornais de bairro. No início dos anos 80 comecei a publicar no jornal Notícias Populares e em vários jornais e fanzines de todo Brasil, da Europa e da América Latina.

Esse público hoje não está mais interessado em internet do que em ler gibis?

Bom, esse mesmo público de internet é o que está comprando as revistas editadas. Hoje, ele vai nesses Eventos de Quadrinhos para comprar a revista física e te cobra o próximo lançamento.

Ler gibi não lhe parece uma coisa jurássica?

Felizmente, ainda tem muita gente que gosta de ler o gibi em papel.

Benjamin Peppe mora no litoral, e muitos leitores moram em grandes centros urbanos sem praia. Não considera seu personagem distante da realidade de grande parte de nós? Como criar uma identificação?

Benjamin Peppe é um personagem ecológico que pratica os esportes saudáveis e espalha a filosofia do amor a natureza, a preservação do meio ambiente, a reciclagem de materiais e a importância da prática de esportes e as amizades… A turma ganha a vida participando de campeonatos, reciclando materiais e vendendo. Sempre priorizando o lado positivo da vida, morando em uma praia ecológica ou imaginária, onde nascem e crescem até flores de tão despoluída. Tem até um gato surfista que não tem medo de água de nome, Hawaii — (uma utopia?!?). Tudo é possível em História em Quadrinhos. Realidade e imaginação.

Sua formação é de artista plástico. O ingresso no mundo das HQs foi natural ou teve preconceito por parte de seus colegas, também artistas plásticos, com essa transição?

Foi até que natural, pois eu pintava quadros, foi um pulo para vários quadros/quadrinhos. Tive apoio e incentivo deles.

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A turma do Benjamin Peppe foi criada na década de 70. Desta data até o dia de hoje foram apenas seis edições de gibis e uma série de publicações em fanzine. O saldo é positivo?

Só de capas de gibis e fanzines que eu posto na minha página do Facebook e no site do Benjamin Peppe são 20, entre gibis e fanzines. Acho que foi muito positivo, pois as edições sou eu que banco — a editora só Editora Júpiter II só bancou as que editou, as cinco primeiras.

Benjamin Peppe é um hippie. Ele não está preso no tempo, vivendo os anos 70 em pleno século 21?

A princípio os personagens seguiam o estilo hippie, porém os temas passaram a ser atuais e já podemos ver essas novas influências no personagem. Eu e os desenhistas colaboradores já modernizamos o visual em versões bem legais e até no estilo mangá, em um caminho futurista acompanhado os avanços tecnológicos (carros, motos, jet ski, celular, computador, internet, etc.)

O personagem é um tipo esportista, preocupado com o meio-ambiente, etc. Ele não é muito afastado de um jovem real, aquele que nos deparamos diariamente em nossas famílias, na rua, no trabalho?

Nas HQs atuais já podemos ver as mudanças na personalidade do personagem para se adaptar sem mudar muito as suas características. Hoje, nas escolas e no dia-a-dia, se fala muito na prática dos esportes saudáveis, a preservação do meio ambiente, a reciclagem de materiais. Tem uma juventude que ainda não encontrou seu rumo, mas um dia vai cair na real.

Nas histórias são ao todo 19 personagens e nenhum é transgressor. A Turma do Benjamin Peppe é toda careta ou é você que é careta?

O Benjamin Peppe e sua Turma procuram ser bem comportados e exemplares como manda a personalidade deles. Mas tem dois casais de namorados que adoram nuances do mal e da trapaça nos esportes, só que nunca conseguem chegar às finais das competições como vencedores.

Uma das críticas mais constantes é que, com muitos personagens, não há espaço físico para todos aparecerem, e uns aparecem bem mais. Procede?

Na verdade são muitos os personagens e fica difícil colocá-los todos em uma HQ. Mas em todos estes anos todos eles já fizeram parte de uma HQ ou tira, desenhadas e com roteiros meus e por outros artistas.

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Os primeiros rabiscos de Benjamin Peppe foram feitos por você, mas hoje você está terceirizando a produção. Por quê?

Um dos fatores é tempo para desenhar (trabalho em firma em horário comercial), acho superlegal ver os personagens desenhados por vários desenhistas em traços e estilos diferentes.

Ter os mesmos personagens sendo desenhados por profissionais diferentes não tira a identidade? Não os descaracteriza?

Na maioria das vezes não, o próprio desenhista com traços e estilos diferentes procura captar as características do personagem.

Como define seu estilo de desenho?

Traço e estilo simples, com retas, curvas, desenhos geométricos, cubismo e até meio tosco.

Você foi um dos mais prolíficos fanzineiros do Brasil. Desde 1973 espalha seu personagem por fanzines e jornais pelo Brasil. Hoje, com a internet, a difusão melhorou ou sente saudade das caminhadas para distribuir seu material?

É muito difícil conseguir publicar em jornais e fanzines hoje em dia, você tem de publicar o seu próprio material ou fazer parcerias. A internet é o melhor lugar para divulgar o seu trabalho, além dos Eventos de Quadrinhos.

Em algumas das histórias você faz merchandising explícito. Isso não fere a ideia da HQ?

Me desculpe, mas não estou lembrado de ter uma HQ, minha ou de outros artistas, com merchandising. Na minha página do Facebook e no site do Benjamin Peppe — aí, sim! Tem merchandising do meu personagem e de personagens de amigos que eu compartilho. Faço até Cosplay do Benjamin Peppe. Parcerias e patrocínio são bem-vindos.

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Para o futuro você planeja lançar capas de cadernos, esculturas, brinquedos, bonecos, desenho animado para ser veiculado na TV, peça de teatro e até um filme. Está otimista?

Tenho planos para lançamentos de diversos produtos e eventos com o personagem. Porém sinto a necessidade de parcerias. Pessoas e editoras que acreditem no potencial do personagem e invistam nesses projetos com um estúdio de desenhos (terceirizado, cuidando dos projetos). Penso sim em esculturas, brinquedos, merchandising (camisetas, folhinhas e calendários com HQs, capas de cadernos, bonecos, adesivos, bonés, etc); também em tiras para jornais e internet, pôsteres coloridos para exposição, etc. Ee também com as revistas de atividades dos personagens para colorir, ler e brincar, um desenho animado para ser veiculado na TV, um DVD, mais o CD com a música do Benjamin Peppe e sua Turma, uma peça de teatro, um filme e cosplay. As novidades são publicadas no site oficial e na página do Facebook.

Você é um outsider, mas quer entrar no mainstream. Os tempos mudaram ou foi você que mudou?

Acho que os tempos mudaram e eu também mudei com o tempo. O sol nasceu para todos! Viva os seus sonhos! Faça muitos quadrinhos, desenhe e escreva. Não desista nunca. Meu muito obrigado! A todos vocês abraços de Paz e Luz. Tudo HQBs para todos Vocês!!!

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