O passo do Sísifo contemporâneo
Na tarefa de carregar uma pedra morro acima para vê-la rolar ladeira abaixo e então recomeçar, Duvivier traça mapa da tragédia humana
Por Gabriela Mellão
O trabalho de Sísifo é condenação divina. Todos os dias ele carrega sua pedra morro acima para vê-la rolar ladeira abaixo e então recomeçar seu caminhar. O trabalho do ator é dádiva divina. Todos os dias ele carrega sua pedra morro acima para vê-la rolar ladeira abaixo e então recomeçar seu caminhar.
Um faz de seu ato contínuo um fardo inútil, desprovido de propósito e esperança. O outro, oportunidade para se aproximar do sentido da existência.
O monólogo Sísifo, de autoria de Gregório Duvivier e Vinícius Calderoni, que também assina a direção, se constrói sobre esse paradoxo.
A travessia é concretizada pelo cenógrafo André Cortez com uma rampa com rodas que permitem redirecionamentos. Faz fronteira tanto com o infinito quanto com o abismo, porém o que se vê não são saltos, mas quedas. Muitas delas.
Duvivier encarna o personagem-título subindo e descendo incansável sua montanha em 60 cenas curtas tragicômicas. No início, vive uma mesma situação repetitivamente, variando a narrativa apenas em alguns detalhes, a fim de arrancar risos e jogar com a expectativa da plateia. No decorrer do espetáculo, no entanto, sua travessia deixa de contar uma história pessoal banal para se bifurcar, se ampliar, continuamente, até compor uma espécie de mapa do caos contemporâneo, destacando a descida da ladeira da humanidade e da cena política do Brasil.
Sísifo não escapa ao destino trágico, ao contrário de Duvivier e Calderoni. O primeiro consegue, como de costume, unir leveza e contundência. O segundo, autor de Ãrrã, Elza e Os Arqueólogos, surge em sua melhor forma. A dupla se apropria da jornada carregando todas as pedras do caminho para transcender.
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Sesc Santana (Avenida Luiz Dumont Villares, 579, tel. 2971–8700). Sextas e sábados, às 21h; e domingos, às 18h (exceto no dia 12/10, quando a sessão ocorre às 18h); até 20/10. 16 anos. R$ 12 a R$ 40
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