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Os fantasmas de Cristovão Tezza

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h48 - Publicado em 12 set 2016, 13h58
Guilherme Pupo/Reprodução

Por Almir de Freitas

Cristovão Tezza está cheio de novidades. No fim do mês, a editora Record lança seu novo romance, A Tradutora, em que são retomados os personagens Beatriz e Paulo Donetti; no mês que vem, deve chegar aos cinemas a adaptação do diretor Paulo Machline do premiado O Filho Eterno. E nesta semana, Tezza, que vive em Curitiba, dá uma passada em São Paulo, onde fala sobre os “fantasmas do escritor” na terceira edição da Pauliceia Literária (https://pauliceialiteraria.com.br/), que acontece do dia 15 de setembro ao 17. Sobre um pouco de tudo, ele falou a Bravo!.

Sobre o que é o novo romance, A Tradutora?

Minha personagem Beatriz — que nasceu no livro de contos Beatriz e depois cresceu no romance Um Erro Emocional — é contratada como intérprete de um executivo da FIFA [Federação Internacional de Futebol], da área de marketing, que vai a Curitiba no ano da Copa para conhecer o potencial turístico da cidade e preparar as visitas de vistoria da Arena da Baixada. A narrativa se passa em três dias. Ao mesmo tempo que assume o trabalho de acompanhar o alemão Eric Höwes (um ex-jogador de futebol), apresentando a cidade, Beatriz tem de entregar a tradução de um ensaio do pensador (ficcional) Felip Xaveste, um catalão de, digamos, direita, que detona Foucault, entre outras blasfêmias. A tradução é encomenda de um jovem editor paulista, por quem Beatriz parece alimentar outras esperanças, aparentemente recíprocas, para desespero de Paulo Donetti, seu namorado já de três anos. A relação já não ia bem entre eles e Beatriz sente que precisa recomeçar a vida.

Tematicamente, é um romance mais leve que O Professor (até porque Beatriz é uma jovem cheia de planos e não um velho senhor no fim da vida, como o personagem do romance anterior), mas acho que estilisticamente A Tradutora é o meu livro mais complexo e multifacetado. Senti um grande prazer ao escrevê-lo, mais do que em qualquer outro livro. Espero que esse sentimento passe ao leitor.

Como nasceu essa personagem, Beatriz, lá atrás? O que ela tem de especial?

Depois de O Filho Eterno, de 2007, me aconteceram alguns contos, um gênero que não é o meu, e surgiu Beatriz. Num primeiro momento era apenas uma coadjuvante de uma cena de uma narrativa curta. Ainda se chamava Alice. Senti que havia alguma coisa especial com ela e escrevi outro conto. Depois mais um, sempre com a mesma personagem — o que é projeto de romancista, não de contista. Comecei outro conto — pensado inicialmente como uma narrativa de poucas páginas — chamado Um Erro Emocional, mas logo no segundo parágrafo percebi que estava diante de uma narrativa longa e de estrutura mais complexa. E eu acabei me apaixonando pela personagem.

Do ponto de vista ficcional, assumir o ponto de vista feminino é sempre um tour de force fascinante; ao mesmo tempo, me impede de confundir autor e narrador: Beatriz não sou eu. Tenho de tomar cuidado com o que eu digo. Além disso, Beatriz me permite desenvolver tematicamente o que eu chamo, por falta de um termo melhor, de “ficção reflexiva” — ela vive um mundo intelectual, geográfico, histórico e afetivo semelhante ao meu.

Quero retomá-la mais uma vez adiante — já tenho um projeto ficcional em que Beatriz sai de Curitiba e vive um tempo em São Paulo.

E Paulo Donetti?

Donetti tem uma importância fundamental no livro, embora nunca apareça de viva voz — praticamente só o vemos pela palavra de Beatriz. O personagem Donetti entrou na minha vida há mais de 30 anos, no romance de formação Ensaio da Paixão. Havia lá um certo escritor Donetti, retratado como uma figura burguesa e conservadora, um homem “do sistema”, como se diria nos anos 70. Ele reapareceu com outra idade, biografia e personalidade no conto Beatriz e o Escritor, e amadureceu de vez em Um Erro Emocional. De certa forma, eu seria Paulo Donetti se fosse uma pessoa mal humorada, o que, por desvio provavelmente genético, não consigo ser.

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Como está a adaptação de O Filho Eterno para o cinema?

O filme está praticamente pronto — deve estrear no Festival Internacional do Rio, em outubro. Não participei em nada do roteiro, por opção pessoal — acho que um filme, mesmo quando adaptado de uma obra literária, é obra de um diretor, que deve ter um olhar autônomo. Sei que o livro é o ponto de partida, mas um filme é outra coisa, outra linguagem, outro recorte. Além disso, não tenho nenhuma experiência como roteirista — nesse caso, o autor seria um péssimo conselheiro.

Acompanhei as filmagens em Curitiba, em fragmentos, e gostei de tudo que vi. Achei a escolha dos atores exata: Marcos Veras como o pai, e Débora Falabella como a mãe, estão sensacionais; e o menino Pedro Vinicius como o filho Down foi um achado maravilhoso.

Sua mesa na Pauliceia Literária, no dia 15, se chama “Fantasmas da Escrita”. Sobre o que você pretende falar?

Sempre digo que os escritores, ao contrário do que imagina o senso comum, são pessoas que não sabem o que fazem. Passam a vida escrevendo sempre o mesmo livro, em busca de alguma chave que revele algo realmente libertador — claramente um fantasma da imaginação. Acho que é um bom começo de conversa.

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