Prêmio celebra a diversidade cultural
Completando 30 anos, Itaú Cultural premia artistas e personalidades da cultura

Por Andrei Reina
Artistas, educadores, gestores culturais e militantes que representam inúmeras formas de expressão, estiveram presentes na cerimônia de edição única, Prêmio Itaú Cultural, que foi feito para celebrar os 30 anos do Instituto.
A festa aconteceu na penúltima segunda-feira, dia 12 de junho, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, e reconheceu talentos de várias áreas que atuaram entre 1987 e 2017.
Os premiados foram divididos em cinco categorias, cada uma delas nomeada com um verbo: aprender, criar, experimentar, inspirar e mobilizar.
Assim como os homenageados, a comissão de seleção era também formada por pessoas de diferentes áreas: Agnaldo Farias, Ana de Fátima Sousa, Ana Maria Gonçalves, Antonio Nóbrega, Beth Néspoli, Carlos Augusto Calil, Edson Natale, Galiana Brasil, Heloísa Buarque de Hollanda e Valéria Toloi.
O resultado foi um conjunto plural de figuras contempladas, que vai desde o teatro de grupo de São Paulo às mobilizações ianomâmi no norte do país.
Veja quem foram os premiados:
Aprender
Na categoria dedicada às pessoas que pensam a educação para além da escola formal, a arte-educadora Ana Mae Barbosa foi reconhecida por suas proposições teóricas na universidade e práticas em equipamentos culturais. Estimulada por Paulo Freire, a professora aposentada da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo desenvolveu a proposta ou abordagem triangular de ensino da arte — que contempla a contextualização histórica, a apreciação da obra e o fazer artístico. Ana também esteve à frente de instituições como o Museu de Arte Contemporânea da USP, onde deu um “golpe mortal no seu perfil elitista”, segundo o professor e curador Agnaldo Farias, que compôs o júri do prêmio.
Mais próximo dos saberes tradicionais que acadêmicos, Gilson Santana, o Mestre Meia-Noite, foi o outro premiado na categoria. O educador, mestre de capoeira e bailarino é fundador do Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo, localizado na comunidade de Chão de Estrelas, no Recife. O instituto combina cursos de dança, percussão e bordado com alfabetização e reforço escolar, em uma iniciativa de “imensa função e amplitude social”, nas palavras do artista e pesquisador Antonio Nóbrega, e que tem como horizonte o resgate das raízes africanas da região.
Criar
Entre os artistas e criadores com trajetórias relevantes nos últimos 30 anos, uma coreógrafa e um escultor foram lembrados: Lia Rodrigues e Cícero Alves dos Santos, o Véio.
Ao longo de sua carreira, a paulistana teve passagens por companhias de danças de destaque dentro e fora do país, como o Grupo Andança, que ajudou a fundar, e o francês Maguy Marin, além de criar e produzir o Festival Rio Cena Contemporânea. Lia dirige uma companhia que leva seu nome e que, desde 2007, tem sua sede na comunidade Nova Holanda, parte do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.

Apesar de ser uma coreógrafa de projeção e circulação internacional, Lia Rodrigues “fala sobre o Brasil profundo”, para a gerente de artes cênicas do Itaú Cultural Galiana Brasil, “com uma profundidade de discurso e de pesquisa de movimento muito bem acordada”. Essa profundidade foi testemunhada pelos espectadores do espetáculo mais recente do grupo, Para que o Céu Não Caia, vencedor do Prêmio Bravo! de melhor espetáculo de dança.
Autodidata, interessado na cultura e na vida dos sertanejos, Véio utiliza como matéria-prima para suas esculturas restos encontrados na mata ao lado do sítio onde vive, no município de Feira Nova, em Sergipe. Com o “poder prodigioso de sua intuição”, Véio já exibiu suas peças em madeira no Brasil e no exterior. Parte do que obtém com a venda de suas obras é destinada à preservação ambiental de sua região.
Experimentar
A inventividade na música e no teatro foi reconhecida em artistas que impulsionaram transformações de linguagens para além de suas áreas. Um deles é Hermeto Pascoal, que completa 81 anos nesta quinta-feira — boa parte deles dedicado à busca da música onde menos se espera encontrá-la. Seja em gravações e apresentações solo, com o Quarteto Novo, Itiberê Zweig ou Miles Davis. Não importa o instrumento, no violão, ao piano ou tirando som de uma chaleira, Hermeto revela que, “se a criação é mais”, como diz Aldir Blanc em canção de Guinga dedicada ao compositor, “até penico dá bom som”.

Com trajetória mais recente, mas não menos relevante, o Teatro da Vertigem foi o outro premiado por seus experimentos cênicos arrojados. Fundado em 1991, o grupo já realizou mais de 21 espetáculos em diversas cidades do Brasil e do mundo. Encabeçado pelos diretores Antônio Araújo e Eliana Monteiro e pelo iluminador Guilherme Bonfanti, o trabalho da companhia tornou-se conhecido pela reocupação de prédios e espaços públicos, como em O Livro de Jó (1995), apresentado no Hospital Humberto Primo, em São Paulo.
Inspirar
Pensadoras que botam a mão na massa para enfrentar situações adversas do país foram lembradas na categoria dedicada à pessoas que inspiram seguidores em ações positivas. É o caso de Eliana Sousa Silva, fundadora e diretora das Redes de Desenvolvimento da Maré, ONG que articula diálogos entre os quase 130 mil moradores das 16 comunidades que compõem o Complexo da Maré com o poder público e a iniciativa privada. A rede encabeçada pela mestre em educação e doutora em serviço social é uma das responsáveis pelo aumento na taxa de habitantes com ensino superior na comunidade.

Outra batalhadora incansável que teve sua trajetória lembrada foi a arqueóloga Niéde Guidon, que vive e trabalha no Piauí desde os anos 1970. Foi lá que, após integrar a Missão Arqueológica Franco-Brasileira, fundou o Parque Nacional Serra da Capivara, que administra até hoje. O parque, com sede na cidade de São Raimundo Nonato, é uma imensa unidade de conservação arqueológica que abriga alguns dos mais importantes patrimônios pré-históricos do mundo. Apesar do local ter sido declarado Patrimônio Cultural da Unesco, em 1991, ele enfrenta sérias crises de financiamento e manutenção, o que ainda deve requisitar as forças de Guidon, recém-completos 84 anos, como guardiã deste tesouro nacional.
Mobilizar
Reservado para o fim da cerimônia, homenagens à lideranças históricas das lutas identitárias do país — ambas à frente de importantes organizações — foram aplaudidas de pé.
Um deles é o xamã e líder ianomâmi Davi Kopenawa, que fundou a associação Hutukara, que representa parte da etnia no território nacional. Em 1992, Kopenawa esteve à frente do processo que resultou no reconhecimento da terra ianomâmi, localizada no norte do Brasil, pelo governo brasileiro. Suas ações também estão voltadas para a preservação do meio ambiente, sobretudo da Floresta Amazônia. Parte do que orienta sua ação pode ser lido em depoimentos do xamã ao etnólogo Bruce Albert reunidos no livro A Queda do Céu, de 2015.

Em 1988, a filósofa, escritora e ativista Sueli Carneiro fundava o Geledés — Instituto da Mulher Negra. Quase 30 anos depois, o debate sobre o o racismo estrutural brasileiro e a busca pelo protagonismo da mulher negra e de um feminismo interseccional provaram a importância de sua produção teórica e de sua ação militante. As iniciativas de Sueli e do Geledés, como o SOS Racismo, serviço de auxílio jurídico e psicológico às vítimas de discriminação racial, “serviram de modelo para iniciativas adotadas por órgãos do governo e outras instituições do país e do exterior”, defende a escritora Ana Maria Gonçalves. Uma delas foi a defesa decisiva de Sueli a favor da constitucionalidade das cotas raciais nas universidades em audiência pública do Supremo Tribunal Federal, em 2010.
Cada premiado recebeu R$ 100 mil.
*Este texto foi desenvolvido pela Bravo! para o Itáu Cultural
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