Reminiscências do tempo
“Os Sete Afluentes do Rio Ota”, de Monique Gardenberg, ressurge 15 anos depois com a tarefa impossível de reacender as melhores memórias do espectador
Por Gabriela Mellão
É tarefa inglória a remontagem de um marco do teatro brasileiro. Aconteceu com Rei da Vela, Roda Viva e agora com Os Sete Afluentes do Rio Ota. Além de se haver com a perda de vigor gerado pelo envelhecimento natural dos 15 anos de decolagem, a obra criada pelo diretor canadense Robert Lepage, encenada no Brasil em 2005 por Monique Gardenberg, se vê inserida em um embate com o imaginário do espectador. E não é qualquer imaginário. O confronto se dá com faíscas reminescentes das melhores memórias da plateia. Uma crueldade, por mais que existam qualidades apresentadas na montagem e coerência na justificativa da reedição, caso do Rio Ota.
Este épico teatral — que estreou no Festival de Edimburgo em 1994, na Broadway em 1996 e de lá ganhou o mundo — causou comoção por onde passou. A peça apresenta ao longo de 300 minutos a jornada de uma dezena de personagens cujas histórias se entrelaçam e refazem a trajetória da humanidade da segunda metade do século 20, a partir do bombardeamento nuclear de Hiroshima e Nagasaki, em 1945.
Lepage parte do tema da destruição para se concentrar na reconstrução que nasce dos escombros. Contrariando o próprio conceito do espetáculo, na nova versão o espectador revisita ruínas do arrebatamento causado há 15 anos.
Em vez da linguagem de outrora, efervescente em sua mescla de teatro, dança, canto lírico e popular, mágica, butoh e teatro de sombra, a peça parece estar emoldurada por uma estética antiquada.
Rio Ota retoma debates humanitários, os quais, erroneamente, se pensavam resolvidos na ocasião da estreia do espetáculo, retratando o homem e seu entorno arruinado de modo demasiadamente tenro.
A narrativa permanece engenhosa ao conectar personagens de décadas e países diversos, brincando a todo momento com as emoções do espectador ao transitar de forma fluida por drama e humor. Também segue liderada por um belo time de atores, com destaque para Caco Ciocler e Jiddu Pinheiro, presentes na primeira montagem, e Marjorie Estiano, estreando no espetáculo. A reedição entretém — e isso não é pouco em se tratando de um espetáculo de seis horas –, mas aparenta ser uma sombra do que foi. Quinze anos anos depois, o clarão que emana do espetáculo parece um tanto gasto. Rio Ota ressurge em busca de sua própria iluminação.
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Sesc Pinheiros (rua Paes Leme, 195). De quinta a domingo, às 18h. De R$ 15 a R$ 30. Até 1/12. Classificação 14 anos.