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OLÁ,

“Ser sintético é meu desafio”

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h30 - Publicado em 20 jul 2017, 07h23
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Na sua série de entrevistas, Rafael Spaca fala com o cartunista Leonardo. “Minha ideia é ser inteligível, pra parecer inteligente eu uso óculos”

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Por Rafael Spaca

Você diz que um profissional não nasce sabendo desenhar e que não acredita no Dom. Você acredita no quê?

Quanto ao Dom, minha questão é com o sentido místico da palavra. Ainda mais assim em maiúscula. Saber desenhar também é discutível, a princípio todo mundo sabe. Acredito que seja uma habilidade inata, embora nasçamos sem coordenação pra segurar apropriadamente uma caneta, não demora muito aprendemos a rabiscar, desenhar e escrever, normalmente nessa ordem. A partir daí, mesmo que alguns tenham mais aptidão que outros, prática, dedicação, gosto, oportunidade e um sem-número de circunstâncias podem ocasionar uma profissão. Depois tem o conceito de bom desenho, a virtuose nesse quesito pode ser um problema para o cartunista, desaprender a desenhar também requer muito treino.

Como começou a desenhar? Foi incentivado ou foi uma iniciativa própria?

Não me lembro quando nem como, minha mãe guarda alguns da primeira infância. Lembro que nunca parei, era meu lazer solitário, aproveitava papel de embrulho, espaços em branco de revistas, qualquer folha disponível. Desenhava enquanto ia criando as histórias na minha cabeça, sem registrar sequência ou texto. E me incomodava que outros vissem aquele monte de desenho desconexo que só fazia sentido pra mim. Só na adolescência me toquei que poderia dar forma de hq para essas brincadeiras.

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Sua técnica foi sendo desenvolvida ao longo do tempo? Chegou a fazer algum curso ou faculdade?

Todo cartunista é autodidata, cheguei a fazer belas artes na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mas não durei muito tempo. Nessa época eu já trabalhava em um jornal, não consegui conciliar. Comecei a publicar com 16 anos, então tive que ir desenvolvendo na marra.

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Uma das grandes expectativas quando amanhece o dia é ver a manchete e as charges do jornal Extra, onde você trabalha. Tem ideia do frisson que seu trabalho causa nas pessoas?

Não tenho, minha ideia de frisson passa longe disso.

É preciso informação, cultura ou conhecimento para fazer charges críticas?

Imagino que seja aconselhável um mínimo de tudo isso pra realizar qualquer atividade satisfatoriamente.

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Suas charges são desenhadas sem rodeios e são extremamente incisivas. É fácil desenvolver esse trabalho tendo ao mesmo tempo um espaço tão curto?

Me esforço pra isso, nem sempre dá certo, mas o ideal é que a mensagem seja direta. Nesse caso a delimitação do espaço ajuda, te força a ser conciso.

Como é trabalhar uma ideia e ter que ser sintético?

É minha obrigação. E de certa forma, um desafio. Só penso na charge na hora de fazer, então todo dia tenho que encarar aquele espaço em branco até que saia algo. Queria ter desenvolvido o hábito de anotar ideias que possam surgir em outros momentos, até já tentei, mas nas raras ocasiões eu perdia a anotação ou não entendia mais o que tinha escrito.

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A charge tem que ser simples ou dá para fazer um desenho de traço sofisticado?

Tem pra todos os gostos, o ideal é que o traço case com a mensagem. Simples ou elaborado, o desenho tem que servir à ideia. Além disso, simples/sofisticado não são conceitos opostos, e conseguir essa combinação não é pra qualquer um. Basta ver um cartum do Steinberg ou uma caricatura do Nássara, por exemplo.

Como define seu traço?

Errático. Dependendo do material que esteja usando, do formato, do espaço, da finalidade, do prazo, minhas alterações de humor… Nas charges costuma ter feitio de urgência. Mesmo tentando seguir um padrão, minha impressão é que ele varia bastante.

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Sua ideia é atingir o maior número de pessoas possíveis ou parecer ser inteligente?

Minha ideia é ser inteligível. Pra parecer inteligente eu uso óculos.

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Todos compreendem seu trabalho ou é preciso ter o mínimo de informação para saber o que está falando?

Todos é muita gente, e não dá pra ser fiscal da interpretação alheia. Um mínimo de informação ajuda, normalmente trato de temas que estão no noticiário e tento amarrar bem as referências e criar uma situação autoexplicativa.

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Suas charges são mais conhecidas do que você. Nesse mundo onde cada vez mais o autor aparece, em detrimento até da sua própria obra, isso não te incomoda?

Acho bom assim, prezo muito meu sossego.

Essa ideia de ir morar no campo, se isolar, tem mais a ver com a sua personalidade ou é porque precisa de uma vida calma para enfrentar um ritmo de trabalho frenético?

Busquei um refúgio por diversos motivos, pode até incluir esses dois, embora meu ritmo de trabalho não seja tão frenético faz um tempo. Claro que a calmaria ajuda na produção, mas eu já conseguia me isolar no Rio.

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É fácil conciliar esse estilo de vida low profile e ser o mais lido/comentado, já que publica no Extra, o jornal carioca de maior circulação?

Difícil, pra mim, seria o contrário. Isso de ser o mais lido/comentado pode ter feito sentido há uns anos, hoje a visibilidade maior é na internet.

Os cartunistas atualmente são verdadeiras celebridades. Essa espetacularização da profissão não vai na contramão da profissão ou não existe mais essa ideia de ser um “maldito”?

Verdadeiras celebridades nem tanto, mas é bom que sejam celebrados. Melhor ainda se fossem mais valorizados. Não creio que alguém encare essa labuta com a ideia de ser um maldito ou por fama, poder e dinheiro. Sendo pelo fim da maldição, que venha a espetacularização.

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À medida que se tornam célebres, vocês cartunistas não amansam?

Não necessariamente, vide Wolinski e companhia.

Não ter perfil nas redes sociais, não participar de júri, não conceder entrevistas etc. é para fazer que seu trabalho fale por ti? Essa é a ideia?

É minha ideia de sossego, tento estendê-la até onde puder. Já mantive um blog por um tempo e talvez um dia volte a fazer algo por aí. Quanto a participar de júri, entrevista etc. não tenho tantas restrições assim.

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Ou não aparecer também é uma forma de vaidade?

É uma forma de vadiagem.

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A política é uma paixão sua?

É material de trabalho. Tento aproveitar qualquer oportunidade para fugir desse assunto, mas não é fácil.

Como analisa esse momento político que estamos vivendo, com crise econômica, impeachment de Dilma Rousseff, Lava-Jato, presidente Michel Temer etc.?

Ainda temos potencial pra piorar muito, melhor não baixar tanto o nível da conversa.

Crise na cidade do Rio de Janeiro, o estado de falência do Estado, Sérgio Cabral e sua gangue na cadeia. Esperava esse caos?

Esse caos estava sendo anunciado faz tempo, já estou esperando o próximo.

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É o melhor momento, até hoje na sua carreira, para falar de política?

Meus arquivos sobre política me parecem uma coleção de piores momentos. Os esquemas, as práticas, as figuras que se repetem indefinidamente. Se eu pensar numa estimativa de quantas charges sobre corrupção eu terei que fazer até o fim do ano, bate um desespero.

Um dos temas que você também gosta de abordar é a violência policial. Não dá medo de tocar neste tema, sabendo que o Brasil continua sendo uma terra de justiceiros, que não aceitam a crítica nem tampouco a democracia?

Não que eu goste, nossa realidade é violenta demais e não dá pra fugir do tema. E abordo sobre vários aspectos e segmentos da sociedade. Violência doméstica, social, terrorismo, tráfico, política, futebol etc. mas por alguns motivos as charges sobre polícia chamam mais atenção. E nem sempre por esta abordagem, já tive processo por charge em que criticava os baixos salários da polícia, dá medo também.

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Você está no Extra desde a sua primeira edição, em 1998. Olhando em retrospecto: qual foi a sua melhor e pior charge publicada até hoje?

Não saberia dizer, sempre que tenho que dar uma busca nos arquivos me surpreendo tanto pro bem quanto pro mal. É muita coisa, não me lembro nem das que fiz semana passada.

Algum arrependimento neste tempo?

Não dá tempo de se arrepender, charges costumam ter vida curta.

O processo judicial é um receio de todo cartunista? Podemos considerar o processo um tipo de censura atualizado?

É um tipo de intimidação. E da maneira que costumam fazer, sua vida vira um inferno. Outra coisa chata é que geralmente escolhem as piores charges.

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Pelo seu trabalho você conquistou o prêmio Vladimir Herzog. O que isso significou pra você?

Minha relação com prêmios é complicada por vários motivos. O Herzog foi bacana, ainda é, se não me engano deve ter sido há uns 20 anos. Fiquei muito agradecido pelo reconhecimento, fui lá receber o troféu, enfrentei minha aversão a palco, fotos e tal. A propósito, teve uma outra vez em que não pude ir, fui avisado em cima da hora e já tinha um compromisso inadiável. Só pra deixar registrado que não foi descortesia.

Quais cartunistas te inspiraram antes de começar a trabalhar com isso e quais te inspiram hoje?

Ih, é muita gente, seria uma lista interminável. Teve a Chiclete com Banana e as edições da Circo, a turma do Pasquim e mais um monte de cartunistas gringos que eu buscava em sebos. Acho que as publicações me inspiravam tanto quanto os autores. Mas quando comecei mesmo meu guia foi o Jaguar, tenho uma reverência por ele que beira o constrangimento. Depois da internet a quantidade de bons cartunistas que aparecem é impressionante. A lista também é interminável e continua crescendo, mas hoje eu definiria mais como admiração.

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Lançar uma antologia com as suas charges está nos seus planos?

É o tipo de plano que sempre é sabotado pela minha autocrítica. O impacto da charge é muito dependente do momento, livros assim já costumam nascer velhos.

Muitos te consideram o maior chargista do Brasil, isso mexe com a sua vaidade?

Mexe com minha curiosidade de saber quem são esses muitos. Bem possível que eu conheça todos eles.

Quem é o maior chargista do país?

Depende do dia. Muitas vezes é o Nani, que tem uma produção impressionante, todo time da Folha também é de alto nível, pode ser o Aroeira… mesmo alguns cartunistas que eventualmente cometem umas charges estão no páreo, enfim, certeza que este posto é disputado diariamente por mais gente.

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Qual a charge que ainda não fez, mas que sonha fazer?

A de amanhã, e daí em diante.

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