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Solo de uma bailarina gorda

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h38 - Publicado em 26 abr 2017, 07h33

Jussara Belchior apresenta espetáculo de dança Peso Bruto em Florianópolis (SC) e Teresina (PI)

Foto: Cassiana dos Reis Lopes

Por Aline Takashima

Jussara Belchior, 31 anos, é corajosa. Chama as coisas pelo próprio nome. Em uma sociedade que valoriza a magreza, ela afirma sem meias palavras e eufemismos que é gorda. Afinal, tem 100 quilos distribuídos em 1,5 metro de altura. O formato e o tamanho do corpo não limitam a bailarina profissional da Cena 11, conceituada companhia de dança contemporânea do Brasil, situada em Florianópolis (SC). Em Peso Bruto, ela questiona os padrões do corpo por meio do movimento das suas dobras, pele e marcas. O primeiro trabalho solo de Jussara, contemplado pelo Rumos Itaú Cultural, um dos principais programas de fomento à cultura do país, ocorre durante curta temporada em Florianópolis, nos dias 28, 29 e 30 de abril, no Teatro do Sesc Prainha. Em seguida, será apresentado em Teresina (PI), ainda sem data prevista de estreia.

Peso bruto reflete sobre o corpo padrão e o corpo como mercadoria. “Quando você compra carne no supermercado, paga pelo peso bruto, ou seja, o formato, a embalagem e o conteúdo. Eu trouxe essas relações para o meu corpo”, explica Jussara. Durante o espetáculo, a bailarina equilibra-se em cima de uma cadeira de plástico. Sobe devagarinho até ficar em pé. Uma tensão é estabelecida no ato: o móvel sustenta a bailarina? O banco, material frágil, contrapõe-se ao seu corpo. Jussara desliza na cadeira e encontra o chão. Cai e levanta algumas vezes. Logo, tira o vestido e exibe as dobras e a carne farta com uma lingerie preta rendada — figurino assinado por Joana Kretzer Brandenburg.

Foto: Cassiana dos Reis Lopes

“O projeto parte de uma questão pessoal. O preconceito e o estranhamento que as pessoas têm em relação a uma dançarina gorda”, diz Jussara. A bailarina começou a dançar balé clássico aos seis anos, em uma escola em São Paulo, cidade onde nasceu. Participou de grupos de dança e graduou-se em Comunicação das Artes do Corpo, pela PUC, de São Paulo. Parar de dançar nunca foi uma opção. Emagrecer para atingir um padrão ideal, sim. “Já ouvi comentários do tipo: ‘Nossa, você dança muito bem, apesar do peso’, ou ‘Você é uma gordinha leve.’” Se na adolescência ela sofria com as reprovações e se submetia a dietas para atingir esse tal corpo ideal, hoje utiliza os julgamentos como base para pesquisa.

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Jussara é responsável pela criação, produção e dança. Mas não trabalhou sozinha. Para enriquecer o espetáculo, contou com a interlocutora Soraya Portela, bailarina gorda de Teresina (PI). Juntas, criaram novos elementos de dança. “O mundo tem essa divisão entre o corpo ideal e esse outro corpo, que é errado”, explica Soraya. O espetáculo exibe, sem meandros, o corpo da bailarina da forma que é. Em um certo momento, Jussara fica nua em frente à plateia. “O corpo do gordo não cabe em lugar nenhum. No espetáculo, a plateia olha para aquilo que elas normalmente não enxergam ou não querem ver. E a música, a luz e todos os elementos do ambiente refinam esse olhar”, revela. A trilha sonora é de Dimitri Carmolinga, iluminação de Marcos Klann e dramaturgia de Anderson do Carmo, bailarino de dança contemporânea.

Anderson do Carmo, no solo “Ensaio sobre a retórica”. Foto: Cassiana dos Reis Lopes

A primeira vez que Anderson viu Jussara dançar não conseguiu desviar a atenção da bailarina. O encontro aconteceu em 2010, em uma performance em Florianópolis. “Ela é virtuosa. Se move bem e ainda é forte e poderosa. Além do refinamento estético e conceitual, ela traz uma nova potência com o espetáculo: discute uma questão específica sobre julgamento”, define o bailarino, formado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Anderson também é um dançarino gordo, e já passou por situações semelhantes de preconceito na dança. “Ninguém espera que meu corpo seja virtuoso em termos de movimento. É o mesmo olhar regulador nas pequenas coisas: quando você come ou faz algum tipo de atividade física”, explica. “O interessante é usar essa informação como recurso dramático”, defende.

Peso Bruto, de Jussara Belchior
28/4, 29/4 e 30/4 — sexta, sábado e domingo às 20h — Sesc Prainha (Travessa Syriaco Antherino, 100)
Centro — Florianópolis/SC
Entrada gratuita — Ingressos distribuídos uma hora antes da apresentação
Classificação indicativa 16 anos

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