Continua após publicidade

Sujeira por todo lado

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h18 - Publicado em 21 nov 2019, 15h38

“As Mãos Sujas”, de Sartre, é campo de batalha para guerra política e ideológica em que todos são vítimas e algozes

Foto: Padu Palmério/Divulgação

Por Gabriela Mellão

O escritor e filósofo existencialista Jean-Paul Sartre transforma em teatro de ideias o abismo existente entre o mundo político real e o ideal. As Mãos Sujas (1948), que pela primeira vez sobe à cena no Brasil na encenação de José Fernando Peixoto de Azevedo, situa-se na depressão que divide estes dois polos cada dia mais distantes um do outro.

A obra se passa durante a Segunda Guerra Mundial, no país denominado Ilíria, referência à antiga província romana na região nordeste dos Balcãs, hoje Bósnia, Albânia e Croácia, entre outros países. Apresenta uma cena política polarizada em luta contra o regime vigente, em flerte com o fascismo. A trama convida à reflexão ao ecoar conflitos do Brasil atual, problematizando posições divergentes sem facilitá-las.

Os personagens (interpretados por um elenco afiado) representam facetas distintas de um mundo tão complexo quanto inconciliável. Mostram-se ao mesmo tempo culpados e vítimas ao defenderem pontos de vista distintos, amplificados na montagem pelo uso da linguagem cinematográfica e musical — através da projeção de imagens em P&B captadas em tempo real, além de canções executadas ao vivo.

Cada protagonista tem razão em seus dilemas morais, a começar por Hugo (Vinicius Meloni), jovem burguês que segue à risca o conceito existencialista de que a existência precede a essência, esforçando-se para romper com sua classe ao entrar para o Partido Comunista, confiante de que lá encontrará sentido para sua vida. Sua convicção é cega, pronta inclusive à violência pelo bem do partido, se necessário, em oposição ao líder do grupo, Hoederer (Rodrigo Scarpelli), homem que apesar de possuir os mesmos ideais de Hugo, mostra-se disposto a relativizá-los pelo bem humanitário.

Continua após a publicidade

As mãos acabam sujas, de uma maneira ou de outra. A sujeira se revela nas frestas dos ideais corrompidos, em meio ao sangue derramado, na ausência de ação ou na desistência delas. Nem minoria nem tampouco maioria, nesta guerra política e ideológica repleta de reviravoltas existencialistas ardilosamente traçada por Sartre, as mão sujas são unanimidade.

As Mãos Sujas. Sesc Ipiranga. (R. Bom Pastor, 822); Sextas e sábados, às 20h. Domingos, às 18h. Até 24/11; classificação 14 anos

Publicidade