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Um artista do sono

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h38 - Publicado em 18 abr 2017, 07h01
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P. Y. Plunkett

Por Carlos Castelo

É lamentável, mas a importância dos artistas do sono está cada dia menor.

Lembro-me quando comecei a fazer meus espetáculos, até mesmo os primeiros: eram arenas grandiosas, repletas de plateias numerosíssimas.

Tudo mudou.

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Não sei apontar a causa, é tudo tão mutante… mas talvez a falta de um motivo seja o que mais intrigue. Em especial para os artistas como eu, que dedicaram anos a fio promovendo aquilo que estava em sua essência. E o fizeram com carinho e desvelo profissional.

Posso me recordar, de um modo muito claro, das temporadas em que meu empresário e eu rodávamos o Brasil inteiro, em ônibus próprio, levando diversos assistentes e a minha jaula. Como esquecer o sucesso das cinco semanas dormindo, primeiro em Salvador, depois em Recife e, por fim, em Maceió? A massa se espremia para chegar perto das grades e presenciar o meu descanso profundo — sem comida, água, nada.

Minhas habilidades para o desligamento da realidade eram tão grandes que uma rede de televisão chegou a questionar a veracidade do meu número. Mandaram jornalistas para entrevistar o empresário, como querendo tirar dele algum elemento para denegrir minha carreira. Como nada obtiveram, iniciaram uma vigília ao lado de minha jaula pelas praças públicas do país. Um desses “paparazzi” desonestos chegou até ao absurdo de, durante uma madrugada, quando meus assistentes não estavam próximos a mim, fazer ruídos com uma buzina de carro para que eu despertasse. O objetivo dele, claro, era me desmoralizar. A sorte é que o próprio público, naquela época enorme e caloroso, impediu a sua operação e o expulsou dali a tapas.

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Não demorou para vir a época de completo desinteresse pelos artistas do meu ramo. Como disse, não se sabe bem o porquê. Meu empresário, antes de se demitir e abrir uma pequena assistência técnica de computadores, chegou a dizer que a culpa era das novelas. Que elas lançavam as pessoas a um tipo de vida em que não existia mais vontade de sair às ruas para apreciar alguém em sono profundo durante semanas. Nunca acreditei na tese dele e sempre mantive o ânimo, promovendo espetáculos ainda que o público fosse cada vez mais escasso.

Mantive uma moça atraente como minha assistente de jaula e seguimos pelo Brasil afora, em cidades cada vez menores, levando nosso show de qualquer maneira. Senti pena de mim, contudo, quando numa das primeiras apresentações realizadas em Belo Jardim, me instalaram defronte ao lixão municipal.

Culpei o local infecto pela baixíssima frequência de público. Mas, quando apresentamos a “stravaganza” em Pontal do Coqueiro, só apareceram quatro gatos pingados. Resolvi pedir à assistente que me acordasse dali a três dias, já que não valia a pena bater recordes com tão pouca gente na plateia.

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Na carroceria de um pau-de-arara indo em direção ao Meio-Norte, minha assistente revelou que pretendia voltar para sua terra natal. Acreditava que era a internet e os celulares o motivo pelo qual quase ninguém mais se interessava pela minha arte. Pedi que ela se mantivesse comigo apenas naquelas próximas cidades e depois seguisse o seu rumo.

Em Pederneiras, não apareceu uma viva alma e tive que ficar acordado. O mesmo ocorreu em Currais Bons. Entretanto, o que acabou me levando a abandonar a vida de artista do sono, foi um ocorrido em Santana do Rio Doce.

Armamos a jaula na praça central e me deitei sobre o feno. Adormeci em segundos, como de costume. Quando despertei, depois de 30 dias, havia um número enorme de pessoas em volta da minha gaiola. Todos dormiam.

Desde então sofro de insônia e tive que me aposentar.

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