5 curiosidades sobre “Vitória”, novo filme de Fernanda Montenegro
A cinebiografia dirigida por Breno Silveira estreia 13 de março e resgata a história real da senhora de 80 anos que desafiou o crime no Rio

Em 2005, o Jornal Extra publicou uma reportagem chocante: imagens em VHS revelavam a rotina de traficantes e policiais corruptos na Ladeira dos Tabajaras, Copacabana. O material, enviado por uma fonte anônima chamada “Dona Vitória”, levou à prisão de mais de 20 pessoas e expôs a teia de conivência entre crime e Estado.
Quase duas décadas depois, a identidade da mulher por trás das gravações foi revelada: Joana Zeferino da Paz, uma idosa de 80 anos que, em 2004, decidiu usar uma câmera caseira como arma contra a impunidade. Sua história chega aos cinemas em “Vitória”, protagonizado por Fernanda Montenegro, em uma interpretação que já nasce cercada de debates.
Dirigido por Andrucha Waddington e Breno Silveira (de Dois Filhos de Francisco), o filme “Vitória” chega aos cinemas como um desafio ético e cinematográfico. Fernanda Montenegro, no papel principal, encarna não apenas a coragem de Joana, mas as ambiguidades de uma história real que ainda sangra na memória carioca. A obra, porém, não escapa de perguntas incômodas: como retratar uma heroína invisível? Até que ponto o cinema pode reescrever — ou apagar — identidades?
O longa, porém, não escapou de controvérsias. A escolha de uma atriz branca, para interpretar Joana, mulher negra, gerou críticas nas redes sociais. A polêmica ganhou força quando a identidade racial de Joana foi revelada publicamente apenas após sua morte, em fevereiro de 2023, aos 97 anos — mesmo período em que o filme já estava em produção.
Em entrevista, o jornalista Fábio Gusmão, responsável pelo livro-reportagem “Dona Vitória da Paz”, que inspirou o filme, explicou que Joana sempre admirou Montenegro e chegou a mencionar a atriz como sua preferida para o papel, caso um dia sua história virasse cinema.
O elenco de ‘Vitória’ conta com Linn da Quebrada, Sacha Bali, Thelmo Fernandes, Laila Garin, Henrique Manoel Pinho e Thawan Lucas.
5 curiosidades que o filme (e o livro) não escondem
1. A denúncia que começou com um desafio
Em 2004, Joana já havia entregue cópias das fitas à polícia, mas foi ignorada. Revoltada com a acusação de um delegado de que “mentia”, ela intensificou as gravações, documentando até conversas entre milicianos e agentes públicos. As imagens, entregues ao repórter Fábio Gusmão por um policial anônimo, resultaram na reportagem do Extra em 24 de agosto de 2005, um marco no jornalismo investigativo brasileiro.
2. “Dona Vitória”: um nome para proteger uma vida
O pseudônimo foi criado por Gusmão para preservar Joana, que ingressou no programa de proteção à testemunha após as ameaças de morte. Nos 17 anos seguintes, ela viveu sob identidade falsa, longe do Rio. Sua verdadeira história só veio à tona com o lançamento da biografia “Dona Vitória Joana da Paz” (Ed. Planeta, 2023), escrita pelo próprio jornalista, que detalha sua infância em Alagoas, a mudança para o Rio e os anos de exílio.
3. As fitas que abalaram o crime organizado
Joana usou oito fitas VHS para registrar a venda de drogas, o armamento de menores e a presença de policiais em esquemas ilegais. Parte desse material hoje está no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio, e trechos foram recriados no filme com ajuda de atores que recriam diálogos reais capturados por Joana.
4. Fernanda Montenegro e o debate racial
A escolha da atriz gerou discussões sobre representatividade, já que Joana era negra. O diretor Breno Silveira afirmou que, durante as pesquisas, não havia registros públicos sobre a etnia de Joana — sua identidade só foi divulgada após o início das filmagens. A equipe optou por incluir uma nota no crédito final do filme, homenageando Joana e reconhecendo a complexidade da discussão.
5. Um legado além das telas
Joana faleceu sem ver o filme pronto, mas deixou claro em entrevistas ao jornalista Gusmão seu desejo: ser lembrada como alguém que usou a cidadania como arma contra a impunidade. Hoje, a Ladeira dos Tabajaras, ainda que mais segura, carrega nas paredes pichações de “Vida Longa a Dona Vitória” — prova de que sua coragem ecoa além do cinema.