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OLÁ,

A imagem que fez Jorge Bodanzky revisitar toda a sua cinematografia

A redescoberta de imagens esquecidas na Amazônia levou o cineasta a criar o documentário "Um Olhar Inquieto: O cinema de Jorge Bodanzky"

Por Humberto Maruchel
9 jul 2025, 09h00
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Jorge Bodanzky no início de carreira (Jorge Bodanzky/arquivo pessoal)
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Em 1973, o jovem cineasta Jorge Bodanzky registrou uma imagem que jamais saiu de sua memória: durante uma filmagem para uma TV alemã, ele sobrevoou uma região remota em Aripuanã (MT), na floresta amazônica, e capturou uma cena impressionante, uma grande maloca isolada, cercada por indígenas que, sem saber quem eram aqueles que cruzavam seus céus, tentavam atingir o avião com flechas. Décadas se passaram até que Bodanzky retomasse essa imagem e tentasse desvendar quem eram aquelas pessoas e qual teria sido seu destino.

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(Jorge Bodanzky/divulgação)

O ponto de partida para essa busca foi uma parceria com o Instituto Moreira Salles, que digitalizou o acervo de Bodanzky. Entre o material em super-8, estava aquela cena marcante. Esse reencontro reacendeu o desejo do cineasta de retornar à região de Aripuanã, hoje transformada pelo avanço do agronegócio.

O resultado dessa jornada é o documentário Um Olhar Inquieto: O cinema de Jorge Bodanzky, codirigido por Liliane Maia. Exibido na Mostra de Cinema de Ouro Preto, o filme reconstrói a busca pelo povo indígena ainda não contatado daquela época e, simultaneamente, revisita a trajetória de Bodanzky, um dos grandes nomes do cinema documental brasileiro.

“Essa imagem reapareceu com a digitalização do acervo. E, como todo contador de histórias, sou curioso, né? Aquilo me intrigou muito. Fiquei pensando: o que aconteceu com esses indígenas cuja aldeia sobrevoamos?”, conta Bodanzky, em entrevista à Bravo!, durante a CineOP. “Na época, nem sequer sabíamos qual era a etnia deles, eram indígenas ainda não contatados, e eu não tinha mais nenhuma referência sobre aquela imagem. Ela me provocou profundamente. Conversando com pessoas e pesquisando na região onde filmamos, encontrei uma antropóloga local que conhecia aquela história. Mostrei a ela o Super-8, e ela me disse: ‘Os remanescentes estão aqui, a gente pode chegar até eles’.”

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(Jorge Bodanzky/divulgação)

Durante a pandemia, Bodanzky refez os passos daquela viagem jovem, revisitando não só o povo perdido, mas também a sua própria história, suas ambições e ideais no cinema, e a história do Brasil que sempre se empenhou em contar. “Não é só a história da imagem, no fundo é a minha própria história. É isso que está no filme.”

Além da importância do tema, o documentário só foi possível graças a uma característica fundamental do diretor: sua organização e cuidado com seu arquivo desde cedo, mesmo sem imaginar o potencial futuro desse material. “Olha, acho que isso vem do seguinte: quando a gente cria algo, já tem a noção da importância que aquilo tem para nós. Desde as minhas primeiras fotos, eu gostava do meu trabalho, não queria perder aquilo. Jamais imaginei que um dia fosse reaproveitar esses registros. No caso específico do Super-8 — que é a raiz, a espinha dorsal da minha memória —, eu o carregava sempre comigo, mas sem um objetivo final definido”, reflete Bodanzky.

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Bodanzky e Liliane em Arapiuana (Jorge Bodanzky/divulgação)

Ele explica que, inicialmente, guardava aquela imagem por motivos pessoais, como um registro do que havia visto e vivido. Com o passar do tempo, porém, esse material deixou de ser apenas um arquivo íntimo para se tornar parte integrante de sua trajetória. “E isso muda completamente o olhar sobre a imagem. Acho fascinante perceber como eu enxergava essa imagem há 40, 50 anos e como a vejo hoje. Mas uma coisa nunca mudou: desde o começo, eu sabia que aquilo era importante para mim.”

No documentário, Bodanzky encontra descendentes daquele povo e estabelece um diálogo profundo com eles, tirando dúvidas e mostrando os registros feitos no início da carreira. “Poder conversar com os remanescentes e, mais do que isso, testemunhar essas novas gerações olhando para o próprio passado… Isso foi muito emocionante. Eu não traduzi o que eles disseram porque quis respeitar algo que é deles. Achei importante que eles se vissem naquela imagem e pudessem reagir livremente, do jeito deles. Foi muito prazeroso entregar esse trabalho para as pessoas que estão, de fato, envolvidas nessa história. No fim das contas, são eles os verdadeiros donos dela.”

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(Jorge Bodanzky/divulgação)

Esse encontro se tornou um presente para Bodanzky e reafirma o cerne do seu cinema, que, mais do que nunca, ele sabe ser o resgate da memória. “Tenho 82 anos. Há cerca de 60, eu filmo. A memória já está presente no meu trabalho há muito tempo. A gente viveu tudo isso. Então, querendo ou não, meu cinema hoje é memória. Claro, continuo fazendo filmes novos, mas grande parte da minha produção é isso: memória. E fico muito feliz por poder exibi-la, trabalhar com ela. Não como um arquivo morto, mas como um arquivo vivo — com certeza.”

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