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‘A Melhor Mãe do Mundo’, de Anna Muylaert, traz um retrato da luta e amor materno frente à violência

O filme, que estreia nesta quinta, acompanha Gal (Shirley Cruz), mãe catadora que foge da violência doméstica para proteger os filhos

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 6 ago 2025, 13h40 - Publicado em 6 ago 2025, 07h00
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A melhor mãe do mundo, de Anna Muylaert (Reprodução/reprodução)
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É curioso como ainda carregamos a ideia de que um super-herói deve ser um homem jovem, musculoso — quase sempre branco. Se esse símbolo refletisse com mais fidelidade a realidade, ele se pareceria com figuras muito menos óbvias, como a de uma mãe. No primeiro longa de ficção dirigido solo por Anna Muylaert, A Melhor Mãe do Mundo, que estreia hoje (7) nos cinemas brasileiros após exibição na Berlinale de 2025, a mãe brasileira é retratada como uma espécie de heroína cotidiana: esgotada, invisível, mas incansável.

O filme acompanha a trajetória árdua e emocionalmente delicada de Gal (Shirley Cruz), uma jovem mulher negra, catadora de materiais recicláveis e mãe solo de duas crianças, Rihanna (Rihanna Barbosa) e Benin (Benin Ayo). Já nos primeiros minutos, a personagem toma uma decisão definitiva: abandona o lar e o marido para fugir da violência doméstica. Ela espera um momento de desatenção do companheiro, Leandro (Seu Jorge), e escapa com os filhos pelas ruas de São Paulo.

Nesse percurso sem garantias, Muylaert transforma o que poderia ser apenas denúncia em algo mais profundo: um olhar atento para quem está à margem. Pessoas em situação de rua surgem não como estatística, mas como indivíduos com histórias, afetos e dores pouco escutadas. Gal tenta proteger seus filhos da brutalidade do mundo. E cria, para eles, a ilusão de uma aventura; uma viagem em família. Seu objetivo, no entanto, é cruzar a cidade e alcançar a casa da prima Valdete (Luedji Luna), na busca abrigo e acolhimento.

“Acho que o caminho foi o do afeto. O afeto pela personagem, a proteção… Eu, como mãe, também sentia esse cuidado, principalmente com os meninos. Porque eram cenas perigosas, eu estava ali, mas esse foi o caminho que encontrei, diz a diretora.

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Para Muylaert, Gal é a personagem mais frágil e, ao mesmo tempo, mais forte que já criou, e foi ela quem definiu o tom do filme. Quis evitar o melodrama, não fazer exploração nesse filme. Filmá-los com respeito. É uma obra que caminha no fio da navalha entre não explorar a pobreza, mas também não ocultá-la. Não explorar a mulher, mas também não apagá-la. Acho que o caminho que encontrei foi o do afeto pela personagem. É um filme de denúncia, sim, sobre muitas questões que a gente vive hoje. Mas essa personagem tem um desejo de vida, sabe? Um desejo pelos filhos, claro, mas também por ela mesma.”

A diretora afirma que o filme não se limita à denúncia, mas também funciona como um manifesto por políticas públicas e redes de apoio para mães em situação de vulnerabilidade, como tantas outras no Brasil. Esperava que, de algum modo, o público visse essa mãe solteira — essa carroceira — com compaixão. Porque a mãe tá muito abandonada. E aí entra uma questão política: como é que a gente, como sociedade, vai começar a dar suporte pra mãe? Porque ela é sacrossanta, sagrada… mas, foda-se, não tem nada pra ela. Como é que a gente vai colocar a mãe no orçamento? Aposentadoria, formas de viver. A mulher precisa de rede de apoio.”

Essa visão se reforça em outra fala de Muylaert, quando ela aponta a ausência de suporte institucional em um país onde a maioria dos lares é chefiada por mulheres: “Se 70% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, talvez a gente precise repensar formas de ajuda mútua. Como permitir que a mãe participe do mundo contemporâneo sem deixar o filho pra trás?”

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Há, no entanto, momentos em que o filme arrisca romantizar a miséria, principalmente nas passagens em que a cidade vira pano de fundo para cenas de diversão e ternura nas ruas. Ainda assim, A Melhor Mãe do Mundo é certeiro ao mostrar os aspectos mais contraditórios da violência doméstica: companheiros abusivos que, ao mesmo tempo, se mostram sedutores ou afetuosos, o que muitas vezes dificulta o rompimento da relação.

“Eu acho que esse é o ponto crucial, quando você consegue, de fato, denunciar e avançar. Porque, literalmente, o amor mata mulheres todos os dias. Já estive numa delegacia para dar queixa de alguém que eu amava — de alguém com quem, depois da denúncia, eu ainda queria sair dali e dar um cheiro, conta Shirley Cruz. A atriz, que tem um domínio cênico potente, constrói uma Gal complexa e comovente.

“É um projeto, um roteiro, que reúne todos os ingredientes que me atendem pessoal e profissionalmente. Tem uma coisa que eu sempre digo: é muito bom quando o diretor permite que a cena venha para a sua embocadura, para as suas experiências. Eu não preciso ter sofrido violência para fazer uma boa cena de violência. Mas as minhas vivências — o que eu intuo, o que eu vi, o que eu senti — tudo isso contribui, diz ela.

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A relação com Leandro, interpretado por Seu Jorge, é uma das mais ambíguas do filme, e consegue nos convencer desse amor entre o casal. Esse foi um desafio que o ator assumiu com maestria. A gente conversou muito. Me utilizei bastante da escuta. Chegar nesse lugar sem julgar foi essencial. Porque, de tão distante que ele é de mim, eu nem sabia como fazer esse abuso acontecer. Tínhamos que nos preparar para o que é dito — e como é dito. E eu estava num filme de mulheres — com controle, comando, decisões, tudo de mulheres. Produção, direção, equipe. Fui recebido com muito afeto.”, conta Seu Jorge. 

“Precisei me manter aberto, vulnerável. Foi ótimo, mas também desconfortável. Porque não podia pesar. Se você entrega o monstro, ele vira um vilão demonizado. E não era isso. Ele é um cara destruído, quebrado por dentro. Fica tudo solto. Tem seu swing, seu sambinha… mas algo ali está deslocado.”

No fim, Shirley acredita que o filme só se completa se provocar movimento dos espectadores, para além de uma história que o público assiste como mera ficção. Espero que o público sinta uma empatia verdadeira — não de Instagram. Uma empatia que se transforme direto em ação, sem nem passar pela reflexão. Sempre tem alguma coisa que quem está ali, sentado assistindo ao filme, pode fazer pra proteger uma mulher, pra evitar que uma mulher morra. Então, o que eu espero, de verdade, é uma ação. De cada pessoa sentada naquela cadeira. Porque sempre há o que fazer.”

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