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Uma conversa com Adriana Esteves e Maeve Jinkings

Protagonistas da série "Os Outros", da Globoplay, falam sobre atuação e carreira

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 17 jul 2023, 18h18 - Publicado em 17 jul 2023, 10h53
Elenco da série "Os Outros".
Elenco da série "Os Outros" (Paulo Belote/divulgação)
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É uma cena comum para muitas pessoas desde a pandemia. Abre-se a tela e começa uma entrevista pelo Zoom. Quer dizer, um pouco incomum. Afinal, estão presentes Adriana Esteves e Maeve Jinkings.

Começamos:

Adriana Esteves: Você está me ouvindo? Hoje deu uma zebra aqui em casa. Aquela que já entra para fazer sessão de terapia [risos]. Meu WhatsApp parou de funcionar. Acontece que meu filho de 16 anos está estudando nos Estados Unidos, eu preciso falar com ele, estou apavorada. No aplicativo está escrito ‘instalando’. Ai, Maeve, eu sou doida.

Maeve Jinkings: Será que não está atualizando?

Tenta reiniciar o celular.

Adriana: Vamos esquecer. Isso não é normal.

Maeve: Driquinha, há quanto tempo está assim?

Adriana: Ah, vocês são uns anjos. Voltou. Eu não vou nem olhar mais. Desculpa, amores.

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É assim que o encontro com as atrizes começa. Sem esforços, o gelo do primeiro contato se quebra.

A pauta daquele dia é a guerra em que Maeve e Adriana se meteram nesses últimos tempos. Uma que começou num condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Devido ao seu tamanho e oferta de serviços, o local se compara a uma cidade. É, inclusive, maior e tem mais habitantes do que alguns municípios brasileiros. Toda a treta despontou após uma briga entre dois adolescentes numa das quadras da propriedade. Um deles chegou a ficar desacordado e foi levado para o hospital. Mas, calma, as desavenças só são reais do outro lado da telinha. A trama é da série Os Outros, criada por Lucas Paraizo, exibida no Globoplay.

As duas interpretam mães. Adriana é Cibele, uma contadora que faz às vezes de dona de casa, casada com Amâncio (Thomás Aquino) e mãe de Marcinho (Antonio Haddad), o jovem que apanhou durante uma partida de futebol. Do outro lado, na parte mais nobre e cara do condomínio, o casal Mila (Maeve) e Wando (Milhem Cortaz) tentam controlar os nervos do filho Rogério (Paulo Mendes), o mesmo que derrubou a socos o filho de Cibele.

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Daquela briga começa uma disputa feroz entre Cibele e Wando. Mas os conflitos não se limitam a eles, outros personagens entram na jogada, tirando proveito da rixa entre as duas famílias. Aos poucos, sem dar spoilers, vemos o condomínio ser dominado pela milícia, tudo a pretexto de aumentar a segurança dos condôminos.

Mas, felizmente, do lado de cá, nesta realidade, a condição é de paz e muito afeto. Adriana e Maeve passam todo o tempo trocando elogios e dizendo o quanto se gostam. Ao fim da conversa, até marcam um jantar de reencontro.

Vocês falam de onde? Você mora no Rio, certo, Adriana?
Adriana: A vida toda. Eu sou carioca, mas algumas pessoas pensam que sou de São Paulo. Morei 10 anos em São Paulo, mas nunca sem ter meu canto no Rio.

Maeve: Ficar entre as duas cidades é o mundo perfeito. Eu moro em São Paulo, vim para cá em 2000, quando vim estudar teatro. Eu morava em Belém. Sou uma saladona. Sou brasiliense, a família da minha mãe é de Belém. Com 21 anos venho para São Paulo e fico 15 anos aqui. Em 2015, estava fazendo muitos filmes pernambucanos, pousava em Recife e ficava feliz de chegar lá. E pensei ‘Por que eu não inverto as coisas? Venho morar em Recife e trabalho em outros lugares.’ Acabei fazendo isso logo que comecei a fazer TV. Foram 8 anos que fiquei lá. Sou muito apaixonada pela cultura pernambucana, mas começou a ficar muito insalubre ir e voltar sempre. Chega uma hora que você precisa do seu casulo. Neste ano decidi voltar para São Paulo.

E como está sendo a experiência?
Maeve:
Eu fiquei três anos ensaiando para fazer isso. Estou feliz, acho que vim no tempo certo. Tenho saudade do Recife. Às vezes a gente não tem uma relação 100% resolvida com uma cidade, mas sabe que ali é onde você tem que estar. Isso me tranquiliza.

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Sobre a série, está sendo um sucesso. Parabéns pelo trabalho. Qual foi a primeira impressão que vocês tiveram quando leram o roteiro?
Adriana:
Acho que nosso elenco é pequeno, e nós conseguimos nos relacionar muito bem nesses meses de trabalho. A impressão que tenho de nós todos foi de amor à primeira vista pelo texto. Isso foi de cara.

Maeve: E quando eu soube, já veio um pacote que era Adriana, Thomás, texto do Lucas, sobre esse argumento. O tema já era algo que me parecia fundamental de ser discutido nesse momento da história. E a direção da Lu (Luísa Lima). Eu só falava ‘Meu Deus, obrigada’.

Adriana: Parecia mentira. E temos a Luísa, que é uma diretora apaixonada pelo ofício. Ela é tão experiente, mas parece que ela está começando a todo momento. E na hora que ela me convidou, ela falou assim: ‘Você sabe aquela atriz de cinema Maeve Jinkings? Ela vai ser sua parceira.’ Eu disse ‘quero muito, onde que eu assino?’. Eu conhecia muito o trabalho de Maeve, mas a gente não se conhecia ainda.

“Essa relação de confiança vem de uma inteligência que você e seu parceiro têm de entender que, no fim das contas, só tem um ao outro. Que bom ter uma atriz jogando comigo de verdade, ela não está fingindo!”

Maeve Jinkings

Maeve: Vou falar na frente dela. Acho que ela vai ficar constrangida porque já falei várias vezes. Eu acho a Adriana um fenômeno, uma unanimidade. Todo mundo que já trabalhou com a Adriana fica impressionado. Ela coleciona personagens icônicos. E ela tinha muitos elementos para ser meio fora da caixinha. Assim, ela é fora da caixinha no bom sentido (ri). A loucura boa que todos temos de trabalhar com o que a gente trabalha.

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Adriana: Quando a gente gosta muito da pessoa com quem vamos trabalhar, dá logo um sentimento de gratidão. Eu penso ‘Algo acabou de me acrescentar, eu nunca mais vou ser a mesma sem essa pessoa. Nunca mais vou ser a mesma sem a Maeve. Viro outra pessoa e daí vou para outro lugar como atriz também.’

Maeve: E tem uma questão de confiança também. Estamos tão vulneráveis em cena, é um trabalho em que nos despimos de tantas coisas. Ficamos em frente a mais ou menos umas 70 pessoas fingindo ser uma pessoa que todo mundo sabe que você não é. Há uma hiper insegurança nesse lugar, é um momento em que você dá muito de si. Então, enquanto você está na frente de seu parceiro de cena, que está na mesma condição de vulnerabilidade, quando você sabe que é uma pessoa que está vibrando com você, não está competindo… Ontem eu assisti ao capítulo 8 e lembrei disso. Era a cena em que a Cibele contava para Mila no jantar o que tinha acontecido com ela e com o Sérgio. É uma cena difícil, delicada. Era a última cena do dia, estávamos todos exaustos. Muito texto. Na hora que a Adriana fez, foi tão lindo que eu nunca vou esquecer. Eu me emocionei como Mila, mas também como atriz. No fundo, essa relação de confiança vem de uma inteligência que você e seu parceiro têm de entender que, no fim das contas, só tem um ao outro. Que bom ter uma atriz jogando comigo de verdade, ela não está fingindo!

A atriz Maeve Jinkings como Mila em
Maeve Jinkings (Paulo Belote/divulgação)

Como vocês fazem para não permitir que os pensamentos tirem a concentração daquele momento?
Adriana:
Acho que é um pouco parecido com a meditação.

Maeve: Estava pensando na mesma coisa.

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Adriana: Tem horas que estamos meditando e a cabeça vai para outros lugares. Daí você foca na respiração e volta. Na atuação, focamos no texto, na respiração e voltamos.

Maeve: Um pensamento intrusivo vem, que não é da personagem, é seu, você aceita e deixa ir. É questão de aceitar, deixar passar, pegar o que te serve, deixar ir o que não te serve. Geralmente, o que não me serve é quando fico me criticando demais. É igual à meditação. Deixa ir. É um trabalho de amorosidade consigo mesma.

Adriana: Para mim também. Quando não serve é quando estou me boicotando. Não, vai embora, aqui não. Mas quando temos a surpresa de lembrar situações e reviver intimamente dentro daquela história, naquele texto, coisa que já vivemos ou vimos, é um presente. Se lembramos disso na hora, você não vai cair aos prantos e falar: “Corta, câmera, agora eu me confundi”. Não, não tem confusão, mistura tudo mesmo. Aceita esse presente. É mágico. E várias vezes vemos o resultado do trabalho e sabemos dessa mágica que passou naquele minuto.

A atriz Adriana Esteves como Cibele em
Adriana Esteves (Paulo Belote/divulgação)

Vocês já tiveram a experiência de ver o produto final e ficarem totalmente surpreendidas com o resultado? Por exemplo, quando a cena toma um rumo diferente daquele que foi ensaiado?
Adriana:
Acho que o tempo inteiro. Nós não trabalhamos sozinhos. Até quando fazemos um monólogo no teatro, não estamos sozinhos. Tem o público, tem a equipe. Você nunca está sozinho. Então, para mim, quase sempre é um milagre. Quando olho a série Os Outros, pela qual estou particularmente impactada, eu acho um milagre. É uma mágica. E as pessoas estão gostando.

Maeve: É uma alquimia muito rara. Eu sabia que seria uma coisa especial, mas ser bem recebida pela crítica e ser um estouro de audiência, eu fiquei impactada.

É engraçado que é quase uma mistura de meditação e um processo psicanalítico. Na hora que você está fazendo uma cena, dependendo da dificuldade, do que você tem que acessar ali, de situações extremas. Vira uma esponjinha, é como se você abrisse um canal. Minha psicanalista fala: ‘Maeve, eu quero do luxo ao lixo’. Para mim, naquela hora, é o mesmo, vem coisas que eu já sabia de mim e, às vezes, vem uns flashes de coisas que não necessariamente me aconteceram, mas coisas que eu desejo, ou que tenho medo. Parece que meu inconsciente traz naquela situação. Às vezes, eu assisto e lembro: ‘Nossa, naquele dia eu descobri que tenho medo de tal coisa’. Sabe quando você está no divã e você se escuta? A arma… (se corrige) Opa, a câmera virada para você parece uma arma.

Adriana: Que ato falho!

Maeve: Às vezes você namora a câmera, outras vezes você pensa que precisa dar alguma coisa. Você vira uma antena muito poderosa e espera tudo o que o inconsciente puder trazer para ajudar. E você não escolhe.

“Nós não trabalhamos sozinhos. Até quando fazemos um monólogo no teatro, não estamos sozinhos. Tem o público, tem a equipe. Você nunca está sozinho. Então, para mim, quase sempre é um milagre. Quando olho a série Os Outros, pela qual estou particularmente impactada, eu acho um milagre”

Adriana Esteves

Quando vemos cenas e atuações tão poderosas, sempre penso em como os artistas alcançam esse lugar de equilíbrio entre a técnica e a espontaneidade, aquela que permite os sentimentos virem à tona. Como isso funciona para vocês?
Adriana:
Cada trabalho funciona de um jeito. No início, eu costumo sofrer bastante para me adaptar a qual é a linguagem que a direção propõe. Se você trabalha algumas vezes com o mesmo diretor, você entende a linguagem e vai dançando com ele. Quando é novo para você, todo trabalho, no começo, eu sofro. E acabo me apoiando na minha rede de amigos para desabafar e pedir colo, dar a mão. Depois vai ficando mais esclarecedor, frutífero e aí eu vou crescendo. No fim, é essa surpresa enorme.

Meu temperamento é de união, eu sou apaixonada pelo coletivo. Eu fico muito encantada que no nosso trabalho a gente vira uma turma. Meu lado melancólico, de solidão, surfa e fica feliz com essa galera. Eu gosto de sentir que tenho um time.

Maeve: E essa é uma inteligência emocional sua, Dri.

Adriana: São tantos anos. Acho que descobri isso como ferramenta de sobrevivência para não sofrer. Os melhores trabalhos, sempre que vou analisar, é uma dupla, duas mulheres, ou um casal. Sempre estamos em parceria. O que dá certo é a parceria.

Maeve: Eu me perdi na pergunta.

Adriana: Eu também me perdi na pergunta.

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Maeve: Primeiro, eu também sofro muito no começo. É um trabalho de alto risco e que você pode entender de uma maneira muito solitária. No final das contas, nosso recurso é muito solitário. Você tem que buscar coisas muito pessoais, estar ali inteiro. Muitos mestres dizem que a salvação está em nosso parceiro. Tem uma técnica, a técnica de Meisner, que é um exercício de repetição. Você fica o tempo todo em dupla. Então, quando você estiver assustado, com medo, ou quando não souber o que fazer, quando estiver duvidando de si, na cena, olhe para seu parceiro. Fixe nele. E a técnica de repetição é você começar a descrever seu parceiro. (Observando a Adriana) Então, a Dri está com a mão na testa, ela está tentando entender, ela sorri, ela está se divertindo, ela está concordando. E aí, quando você vê, você criou uma conexão porque seu parceiro se sente visto e, de repente, é um mundo que vocês constroem juntos.

Adriana: Amir Haddad, mestre do teatro, diz: ‘Dentro de ti, te mata. Fora de ti, te salva’. Bote para fora as dores. Peça ajuda. Se não estiver conseguindo raciocinar, pare tudo e vá dar uma volta. A rua vai te dar uma resposta. Mas esse deve ser um exercício diário de como formular melhor todos os nossos trabalhos. Como conviver melhor em grupo.

Maeve: Fico me dando conta de que era sobre isso que estávamos falando [na série]. Estávamos saindo da pandemia, em que todo mundo ficou muito sozinho. Sobretudo em um momento de intolerância, uma sociedade polarizada, com discursos de pouca empatia, e a série fala disso. Essas famílias, numa mesma estrutura, projetando nesse mesmo lugar coisas parecidas. Cibele e Amâncio buscavam um lugar seguro para criar o filho.

Adriana: E foram lá se fechar. Todos se fecharam. A gente precisa encontrar o outro para se abrir. Se bem que isso acaba acontecendo na série. As duas mulheres também se abrem uma para outra. Elas se escutam.

Maeve: Exatamente, sinto que o maior passo de superação da Mila vem desse encontro. É a Cibele quem acolhe o filho dela. Esse entendimento de que elas têm muito mais em comum do que supunham.

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O programa aborda um tema muito familiar para os brasileiros, a violência. Apesar da proximidade com o tema, ainda são poucas as oportunidades de elaborar coletivamente sobre o assunto. Pensando nisso, quais reflexões vocês puderam fazer a partir dessa experiência?
Adriana: A gente sempre se questiona se é possível controlar a violência, se aquela que vem de dentro de nós pode ser vista de alguma forma. Mas e a social, e a do todo? Não sei. Má, fala.

Maeve: É raro vermos essa violência retratada numa classe média que aspira a uma condição melhor. Geralmente, apontamos mais para as comunidades. Mas pensando em todas as violências, não sei se temos uma conclusão. Algo que pensei, e que está presente nessas personagens, é a dificuldade de enxergar o outro. Podem ser muito inflexíveis, e o quanto tomam uma verdade como algo absoluto, se tornando pouco permeáveis para o que vem do outro. Quando eu falo, enquanto mulher progressista, sobre discursos de ódio, sobre uma sociedade polarizada, fico me perguntando o quanto estou disposta a escutar quem pensa diferente de mim. Você vai perdendo a curiosidade pelo outro, por aquilo que não é do seu universo. Tenho me esforçado – nem sempre eu consigo –, para não perder a curiosidade sobre a diferença e o que ela pode me trazer, como ferramenta, para dialogar. Sinto que a violência sempre tem a ver com alguém que não vê e alguém que não se sente visto, escutado. Mas claro, tem a ver com muitas outras coisas mais complexas do que isso.

Antes de concluir a resposta, Maeve foi interrompida por seu cãozinho Jorge Augusto. Aparentemente, ele estava impaciente com a entrevista ou, talvez, insatisfeito com as respostas. Acontece que ele queria brincar e trouxe para Maeve seu brinquedo favorito, o Macedo. Diante da fofura da cena, tivemos que tomar alguns instantes antes de retomarmos o rumo da conversa.

“Muitos mestres dizem que a salvação está em nosso parceiro. Tem uma técnica, a técnica de Meisner, que é um exercício de repetição. Você fica o tempo todo em dupla. Então, quando você estiver assustado, com medo, ou quando não souber o que fazer, quando estiver duvidando de si, na cena, olhe para seu parceiro”

Maeve Jinkings

Adriana: Miséria, falta de dignidade, falta de educação, falta de educação sentimental. Estava pensando agora na cena em que o Wando fala para o filho ‘Se baterem em você, você vai e bate também’. Todo o ensinamento que aquele pai dá para o seu filho é de uma violência incrível. E aí você olha para trás e imagina o que o pai, a mãe, sei lá quem, não fez com esse Wando. Não sabe de onde ele veio. Eu queria que ele pudesse se transformar com pessoas que ele vai conhecer, com a arte. São os caminhos que a gente pensa para diminuir a violência.

Maeve: Exato, é um exercício de empatia.

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