Aftersun e a sensibilidade de ver os pais como humanos
Longa de estreia de Charlotte Wells, premiado no Bafta deste ano, nos leva a um verão de descobertas e compreensões sob a ótica pré-adolescente
Um dos filmes mais aclamados e comentados da atualidade é Aftersun, primeiro longa-metragem de Charlotte Wells. Isso porque, mesmo partindo de uma atmosfera intimista, ele desperta no espectador reflexões universais sobre família, saúde mental, bem como as dores e amores da pré-adolescência.
O roteiro parece simples, mas são as entrelinhas que o deixam mais rico: Calum (Paul Mescal) leva sua filha de 11 anos, Sophie (Frankie Corio), a uma viagem de férias para a Turquia e, em meio ao drama financeiro e psicológico, precisa encontrar jeitos de se conectar com ela. Durante esse período, a dupla vive atividades divertidas – cantam, dançam e vão a passeios de barco – mas dão pequenos espaços para si conforme o necessário. E Calum faz questão de filmar momentos especiais para que a filha guarde as memórias com carinho.
De fato, anos mais tarde, a garota encontra as gravações e revisita o que passou. Desde o começo, a direção de fotografia faz questão de mostrar que a ideia do longa é ser um depósito de lembranças. A foto capturada no jantar, os reflexos na televisão do quarto e os planos indiretos são maneiras de focar na interpretação dos atores – o tom de voz, os pequenos gestos e os olhares profundos. Os poucos diálogos que existem exaltam palavras de cumplicidade, empatia e amor.
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O conflito não é visível à primeira vista. O protagonista se tornou pai muito cedo e não sabe ao certo como fazer isso, até porque sua própria referência familiar não é positiva. E o peso de precisar ter tudo resolvido ainda jovem é muito grande. Vemos, portanto, alguém que tenta esconder os problemas para não despertar preocupações na pequena. No entanto, a depressão evidente de Calum toma conta de seu corpo progressivamente na medida em que os dias passam. E, mais uma vez, é a direção de fotografia que nos diz os gatilhos.
Ela é assinada por Gregory Oke, que usa filmes 35mm da Kodak e faz um degradê da saturação de cores de acordo com cada cena: os dias ensolarados na praia são claros e iluminados, os clipes caseiros são mais opacos, assim como nossa memória, e as horas de solidão de Calum são quase que totalmente escuras, como se estivéssemos entrando em sua mente.
A escolha de cores que acompanham os personagens também dizem um tanto sobre eles. O verde e o amarelo, que remetem à inocência e à imaturidade, são predominantes em Sophie. O azul, por sua vez, está mais presente em Calum, o que indica a tristeza e a melancolia vividas por ele. O enquadramento quase nunca está centralizado, desestabilizando nosso ponto de vista. É como se o protagonista não estivesse ali de corpo inteiro. Gregory faz isso de propósito: o que não é visto também importa e traz uma camada de complexidade ao filme.
O longa por vezes nos coloca no papel de Sophie, já que seu maior desafio é separar seu pai do homem que ele foi. E muitas vezes colocamos nossos pais num pedestal tão alto que não entendemos ou aceitamos seus erros – os culpando por qualquer falha que nos afete. Acontece que eles são, antes de tudo, humanos, e só percebemos isso ao envelhecer.
Direção: Charlotte Wells
Reino Unido / EUA – 2022 – 106 min