Apocalipse nos Trópicos: Petra Costa lança novo retrato político do Brasil
No novo documentário, a diretora se debruça sobre a crescente influência da religião evangélica no poder institucional

A cineasta Petra Costa parece não ter receio de tocar nas feridas abertas do Brasil contemporâneo. Em seu novo documentário, Apocalipse nos Trópicos, ela se debruça sobre um dos fenômenos mais inquietantes da política nacional: a crescente influência da religião evangélica no poder institucional. A partir dessa investigação, o filme discute os limites da laicidade do Estado e como o avanço do fundamentalismo religioso pode colocar em risco as bases da democracia brasileira.

Lançado ontem (14) na Netflix, o documentário passou por importantes festivais, como os de Veneza, do Rio de Janeiro e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para compreender a presença cada vez mais incisiva da fé evangélica na vida pública, Petra adotou uma metodologia de imersão, com escuta atenta e prolongada. Durante a produção, acompanhou de perto figuras centrais do cenário político e religioso, entre elas, o presidente Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia, um dos mais influentes nomes do televangelismo no país.
“Uma das coisas que mais me surpreenderam foi perceber o quão forte é a presença evangélica na política brasileira. Muitas de nós nos demos conta disso de forma mais contundente em 2016, durante o voto do impeachment, que foi majoritariamente dedicado a Deus”, contou a diretora à Bravo!, durante a exibição do filme na Mostra de São Paulo. “À medida que fui investigando esse tema, essa influência foi se revelando como uma das maiores forças políticas do país hoje. E isso levanta uma questão muito séria: a ameaça à separação entre Igreja e Estado — um dos princípios mais básicos para a existência de uma democracia que respeite todos os cidadãos, inclusive as minorias religiosas.”
Apocalipse nos Trópicos dá continuidade ao projeto autoral que Petra desenvolve desde Democracia em Vertigem (2019), documentário indicado ao Oscar que lançou luz sobre o processo de ruptura institucional no Brasil. A partir de uma perspectiva pessoal, o filme narra a ascensão e queda de Dilma Rousseff, o impeachment, a prisão de Lula e a chegada de Bolsonaro ao poder. Com imagens de arquivo, bastidores e uma narração em primeira pessoa, Petra construiu uma análise crítica da crise democrática brasileira que gerou intenso debate e levou o tema a uma audiência global.
Com Democracia em Vertigem, distribuído pela Netflix, Petra levou a política brasileira para além dos círculos tradicionais de discussão, aliando emoção e senso de urgência a um olhar profundamente pessoal. A expectativa é que o novo filme provoque o mesmo efeito, ao tratar de um tema que permanece no centro da polarização nacional.

A diretora também lança luz sobre como a expansão da influência religiosa contribui para o aumento da intolerância, especialmente contra religiões de matriz africana. “Essa separação foi criada por cristãos para proteger cristãos de perseguições religiosas. E o que a gente vive, especialmente em 2022, parece ser um retorno a um tempo de perseguição religiosa. O antídoto para isso é repactuar essa separação, encontrar novas formas de garanti-la. Ela é fundamental para todos nós.”
Para ela, o cenário ainda pode se agravar, sobretudo com a intensificação da polarização política e a aproximação das eleições. “A gente às vezes acha que o radicalismo chegou ao limite, mas sempre parece possível ir além. O mais preocupante é que, hoje, a força da revolta — até a força revolucionária — não está mais com a esquerda, mas sim com a extrema-direita. E essa força tem um apelo real: ela atrai a juventude, atrai pessoas insatisfeitas com o sistema, por motivos diversos. Por isso, é fundamental que a esquerda reencontre formas de se conectar com esse desejo de transformação. Precisa deixar de ser apenas uma força conservadora e resgatar a paixão e a ousadia de propor algo novo.”