Avatar do usuário logado
OLÁ,

“Baby”: filme de Marcelo Caetano fala de famílias formadas pela rejeição

Longa premiado no Festival do Rio narra a história de Wellington, um jovem gay afastado dos pais, que encontra uma nova família com Ronaldo

Por Humberto Maruchel
9 jan 2025, 09h00
João-Pedro-Mariano-Baby
 (Baby (2024)/divulgação)
Continua após publicidade

Nessa altura, já ficou mais do que claro que 2024 foi um ano especial para o cinema brasileiro. Diversas produções se destacaram em festivais internacionais, conquistaram plateias e até alguns prêmios. O exemplo mais notável é a obra de Walter Salles, Ainda Estou Aqui, que caminha para uma indicação (ou mais) ao Oscar. O cinema queer brasileiro não ficou atrás nessa onda de reconhecimento. Um dos lançamentos mais aguardados do ano é o filme de Marcelo Caetano, Baby, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros.

O enredo acompanha Wellington (João Pedro Mariano), um jovem que, após passar dois anos internado na Fundação Casa, finalmente conquista a liberdade. Sem dinheiro e sem contato com a família, ele precisa aprender a sobreviver nas ruas de São Paulo. Nesse cenário, ele conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um homem mais velho que trabalha como garoto de programa e faz bicos vendendo drogas. O que começa como uma relação de proteção se transforma em um romance, desencadeando conflitos e transformações em ambos os personagens. 

Um dos grandes dramas do enredo é o desejo e busca de Wellington em retomar o contato com a sua mãe, que parece evitá-lo desde que ele foi internado na Fundação Casa. O elenco também conta com as atrizes Ana Flavia Cavalcanti e Bruna Linzmeyer, que formam uma espécie de família estendida para Wellington. Ana Flávia interpreta Priscila, amiga e mãe de Allan, filho de Ronaldo. Enquanto Bruna Linzmeyer vive Jana, a companheira de Priscila. 

Marcelo Caetano explica que a trama nasceu de uma investigação sobre diferentes narrativas que refletem as múltiplas configurações das famílias brasileiras, especialmente considerando pessoas LGBTQIAPN+, que muitas vezes enfrentam rejeição de seus parentes consanguíneos.

João-Pedro-Mariano-Baby
(Baby (2024)/divulgação)
Continua após a publicidade

“O que é, afinal, a família brasileira? É aquela estrutura tradicional com pai, mãe e filhos dentro de uma lógica religiosa e biológica? Ou é a família do pai ausente? Ou ainda, podem existir outros tipos de famílias? Nos meus filmes, tento discutir essas questões: o que caracteriza esses vínculos afetivos e econômicos que formam as famílias? Baby faz parte desse conjunto de questões que venho abordando há algum tempo. Grande parte das pessoas que chegam a São Paulo passam pelo centro da cidade, e o centro é um personagem muito forte”, reflete o diretor.

Todo processo de filmagem aconteceu muito rapidamente. A produção começou já em 2023. Além de abordar a relação entre os dois protagonistas, o filme explora o confronto de experiências entre eles. Apesar de sua juventude, Wellington traz uma vivacidade e curiosidade pela vida, além de certa malícia, que faltam em Ronaldo. Por outro lado, Ronaldo oferece uma perspectiva de mundo mais madura e pragmática. A assimetria geracional não impede que ambos aprendam e se transformem através do vínculo que vão construindo aos poucos.

Antes de sua estreia oficial, o longa percorreu um circuito de 50 festivais, incluindo a Semana de Crítica de Cannes, uma seção paralela do Festival de Cannes organizada pelo Sindicato Francês da Crítica de Cinema. Na ocasião, o filme conquistou o prêmio de Melhor Ator Revelação para Ricardo Teodoro. No Festival do Rio, Baby venceu os troféus Redentor de Melhor Filme e Melhor Ator, concedido a João Pedro Mariano.

Continua após a publicidade

Para alcançar uma representação autêntica, João Pedro Mariano passou por um intenso laboratório, que incluiu visitas à Fundação Casa e até mesmo saunas. “Foi um lugar onde eu entendi o contexto em que eles estavam inseridos e para onde poderiam ir depois de sair de lá. Esse corpo que eu construí, desde o tempo na Fundação Casa até o momento em que eles saem, foi muito influenciado por toda essa pesquisa. Além disso, também fiz pesquisas com profissionais do sexo. Fui a saunas, locais de prostituição, conversei com essa galera, o que me deu uma outra perspectiva”, compartilha o ator.

Ricardo Teodoro, por sua vez, enfrentou o desafio de interpretar um personagem completamente diferente de seus papéis anteriores. “Sou um cara com mais de 1,90m, negro, então, ou é policial, ou é bandido, aquela coisa toda que o audiovisual tende a te colocar em caixas, né? E aquele personagem, de alguma forma, conseguia mostrar as minhas facetas como ator, as minhas possibilidades e o temor disso também. Mas, ao mesmo tempo, foi uma construção feita com muitos ensaios, muita pesquisa, e nós três amamos a sala de ensaio”, explica Teodoro.

Embora o drama inicial se foque na jornada de Wellington, o filme também se aprofunda nas ausências emocionais de Ronaldo, que demonstra carregar sua própria carência afetiva, consumido pela necessidade diária de sobrevivência.

Continua após a publicidade

Mesmo abordando questões difíceis, o longa mantém uma abordagem suave na maior parte da narrativa, preservando os aspectos positivos de seus personagens, que são profundamente imperfeitos e, em vários momentos, hesitam em seus objetivos e até mesmo em suas conexões uns com os outros, como acontece em uma família em construção. Ainda assim, há genuinidade na forma como se relacionam e cuidam um do outro.

“Acho que há um grande aprendizado por parte do Ronaldo, que é uma certa humildade em reconhecer o próprio limite como esse homem que seria o provedor masculino. E, ao mesmo tempo, esse garoto entende que precisará construir sua própria família, talvez distante de sua família biológica e da família que o Ronaldo tentou construir para ele.”, explica Marcelo Caetano.

A dinâmica entre os personagens revela suas complexidades individuais. Além disso, ela demonstra a intenção do diretor de explorar camadas mais profundas, como os dilemas e propósitos de cada um.

Continua após a publicidade

“Cinema, para mim, é como a construção do corpo: de dentro para fora. Primeiro, você tem o coração, o sentimento que quer transmitir. Depois, faz o esqueleto, que é o roteiro, montando os ossinhos da história. Em seguida, os atores entram e colocam a carne, trazendo vida aos personagens. Por fim, vem a pele, que é a camada superficial composta pela equipe de arte, fotografia e tudo mais, que dá o acabamento visual ao filme, à superfície dos espaços e das cenas”, conclui o diretor.

Publicidade