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“Bem-vinda, Violeta” explora os limites do real e da ficção

Filme de Fernando Fraiha conta a história de Ana, uma escritora que participa de uma residência artística bastante incomum

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 8 Maio 2023, 22h10 - Publicado em 8 Maio 2023, 10h43

Todo artista, em algum momento de sua profissão, precisa de um estímulo para fomentar o ato criativo. Isso vale para todas as artes. No filme Bem-vinda, Violeta, de Fernando Fraiha, a questão é: qual é o limite para isso?

Adaptado do romance Cordilheira, de Daniel Galera, o longa, que estreia em 4 de maio, narra a saga da escritora brasileira Ana (vivida por Débora Falabella), que em busca de um sopro de criatividade, decide se inscrever numa residência de escrita, altamente concorrida. Desde o começo, surgem alguns sinais de que aquela empreitada poderia ser uma grande furada. O primeiro deles: o laboratório é realizado num lugar remoto em Ushuaia, na Patagônia argentina.

Isolados em um casarão, Ana e outros quatro autores, vindos de países diversos, são conduzidos por Holden (interpretado por Darío Grandinetti, de Fale com Ela e Relatos Selvagens), um autor respeitado, que possui métodos excêntricos, para não dizer criminosos, de extrair a fluidez criativa de seus discípulos. Além dessa promessa, há o fator competitivo no jogo: ao fim, um dos integrantes será selecionado para uma estadia mais longa e um treinamento individual.

Cena do filme
(Fernando Fraiha/divulgação)

Sedutor e autoritário, Holden instiga os participantes a conhecerem todas as camadas de seus personagens. A confiança no mestre é tamanha, que logo se veem em uma maratona de escrita, que mais parece com uma sessão de tortura. Além do desejo de alcançar a excelência em suas obras, há a perda de referencial da vida cotidiana diante do isolamento imposto. Ele, então, sugere que deem um passo além: que vivam como seus personagens. E, aos poucos, Ana mergulha nas trevas de sua protagonista, Violeta. “Não parem, não corrijam e não controlem”, diz Holden em certo momento do filme.

Débora já havia tomado contato com o roteiro do filme dois anos antes da pandemia, mas naquela ocasião o projeto não evoluiu. Quando finalmente veio o convite para participar do longa, em 2020, o mundo ainda estava isolado. A ideia de sair de quarentena para filmar na Patagônia parecia um enorme absurdo para a atriz. Ao mesmo tempo, era uma ideia convidativa. “Me interessou muito, especialmente porque não há como não fazer um paralelo (da história) com a carreira de atriz. Nós vivemos vários personagens. Damos tudo de nós, nosso corpo, nosso pensamento. Quando estamos representando a gente se mistura com eles. E essa personagem faz isso através da escrita”, conta .

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Além do roteiro, seria uma oportunidade de contracenar com Darío Grandinetti, de quem é fã. A hora era aquela. Aceitou e logo empacotou as malas com destino a Ushuaia. Em solo argentino, permaneceram isolados durante quase dois meses para as gravações. O que serviu como uma preparação para entrarem no clima da história. “Eu precisei fazer essa construção sozinha porque estávamos no meio de uma pandemia. A gente não passeava na cidade, não via outras pessoas, então acabou funcionando mesmo como um laboratório perfeito porque se trata da história de uma personagem que chega numa residência onde ela não conhece ninguém. Ali ela precisa desenvolver um processo artístico que é muito individual, mas que ela vai ter que lidar o tempo inteiro com o outro que é esse condutor, que todos enxergam como um tipo de mestre”, conta.

Atriz Débora Falabella em cena do filme
(Fernando Fraiha/divulgação)

Fatos da realidade parecem não faltar para demonstrar o quão perigosos esses líderes podem ser. Recentemente, o jornalista Chico Felitti contou a experiência de ex-alunos do espaço O Atelier do Centro, em São Paulo, que funcionava como uma espécie de seita. Na denúncia feita no podcast O Ateliê, o artista plástico Rubens Espírito Santo seria esse líder manipulador, capaz de cometer violência física, extorsão financeira e abusos psicológicos contra os alunos. “Eu acho que esses grandes líderes e gurus são muito sedutores e inteligentes e por isso se tornam muito respeitados. Muitos são convencidos de que essa pessoa pode ajudar em seus processos. Mas isso não abona o fato deles muitas vezes cometerem loucuras e crimes inclusive”, diz Débora.

As contradições e os limites entre a beleza da arte e a violência do real, que conduzem a trama, estavam também postos na natureza local. “Há uma natureza muito própria dali. É uma paisagem deslumbrante, mas parece que é tudo muito violento, inóspito. Venta muito, tem neve, de repente abre um sol e faz calor. Tem uma atmosfera selvagem, pois parece que a natureza está agindo tempo inteiro ali.”

As dificuldades de produção não acabaram aí. Para Débora, em particular, havia a barreira do idioma, uma vez que o roteiro é quase inteiro em espanhol, com uma fala aqui e ali em português. “Eu tinha que me fazer entender assim, não apenas quando ia falar com alguém em outra língua, tinha que me fazer entender de intenção também. Então eu achei bastante desafiador e é muito bom receber um desafio desses nessa altura.”

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Cartaz do filme
(Fernando Fraiha/divulgação)

O filme Bem-vinda, Violeta tem se destacado em premiações internacionais. Recebeu o prêmio de Melhor Filme no Festival de Austin (Austin Film Festival – AFF). Em julho de 2022, Fraiha conquistou o Spirit Award na categoria Longa-Metragem de Ficção, na 25ª edição do Brooklyn Film Festival.

Bem-vinda, Violeta

Direção: Fernando Fraiha
Argentina – 2022 – 110 min

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