Continua após publicidade

Blue Jean: o legado do preconceito

Premiado em Veneza, filme de Georgia Oakley mostra o impacto de uma legislatura no Reino Unido que impediu discussões públicas sobre orientação sexual

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 31 jul 2023, 10h58 - Publicado em 31 jul 2023, 10h57

A diretora britânica Georgia Oakley estava procurando inspiração para seu próximo longa quando, por acaso, se deparou com um conjunto de entrevistas que revelava um passado não tão distante, mas muito sombrio a respeito do tratamento a pessoas queer em seu país. O artigo trazia conversas com professoras lésbicas que, durante as décadas de 1980 e 1990, foram impedidas de falar sobre a homossexualidade sob risco de perderem seus empregos. Isso se devia a uma legislação conhecida como Seção 28, sancionada durante o governo de Margaret Thatcher, tornando proibida a “promoção da homossexualidade” em locais públicos e, especialmente, nas escolas.

“Havia muitas mulheres entrevistadas, vindas de diferentes partes do país, com idades distintas e experiências muito diversas. No entanto, havia um fator comum em suas histórias, que documentava problemas de saúde mental e um tipo de paranoia como resultado de tentar conciliar uma dupla identidade naquele período. A maioria das mulheres entrevistadas falavam sobre eventualmente terem que abandonar a profissão”, diz Georgia.

Georgia Oakley.
À direita, a diretora do filme, Georgia Oakley. (Altitude Films/arquivo)

Obcecada pelo assunto, a cineasta decidiu fazer a própria investigação. A lei permaneceu válida até os anos 2003, na Inglaterra, até ser definitivamente derrubada. Georgia ainda era adolescente nesse período, portanto não tem muitas lembranças dos estragos que a Seção 28 causou. Mas, para ela, ali já não havia mais dúvidas, tinha encontrado a trama para seu novo filme, Blue Jean.

A obra escrita e dirigida por Georgia, que é queer, traz a história de Jean (Rosy McEwen), uma professora de Educação Física lésbica que é atingida pelos desdobramentos da aprovação da Seção 28 no Reino Unido. Aos poucos, com um novo contexto em voga, Jean, então, se vê num desafio ainda maior de camuflar sua identidade, manter seu emprego e, ao mesmo tempo, preservar seu relacionamento e vida social. Os conflitos dobram quando ela encontra uma de suas alunas no bar que frequenta.

Cena do filme
(Altitude Films/divulgação)

A experiência de Jean é fruto direto dos depoimentos que Georgia escutou durante o processo de criação do filme. “Uma das mulheres com quem conversamos trombou com uma aluna em um bar e viu, ali, esses dois mundos colidindo. Quando falei com ela pela primeira vez, lembro-me de ouvir a culpa e a vergonha em sua voz quando ela nos contou como havia respondido à aluna e o que ela gostaria de ter dito ao invés. Mesmo 30 anos depois, não havia um dia em que ela não pensasse em como se comportou, no que disse, e se havia mudado o rumo da vida daquela aluna.”

Cenas do filme
(Altitude Films/divulgação)

Um dos pilares mais abalados na vida de Jean é o seu relacionamento com a namorada, Viv (Kerrie Hayes), que insiste que a protagonista não deve ter vergonha de ser quem é ou se esconder. Jean passa a enfrentar um misto de sentimentos, entre culpa por ser uma “má-lésbica” e o medo das consequências reais de ser descoberta.

Um dos falsos argumentos do governo, na época da aprovação, era de que o assunto, mesmo quando tratado pela literatura, poderia influir na orientação sexual das crianças. Um discurso semelhante ao movimento que ocorreu no Brasil na última década, com projetos que coibiram educadores de tratar temas relacionados a gênero e orientação sexual, algo que até hoje tem provocado receio em professores pelo país.

Muitos adultos queer que cresceram no Reino Unido na época de vigência da Seção 28 afirmam que, diante da regra, a escola raramente intervia em situações de bullying ou violência de cunho homofóbico contra alguns estudantes. Como resultado, nada era feito para evitar essas situações.

Continua após a publicidade
Cenas do filme
(Altitude Films/divulgação)

Blue Jean teve estreia oficial no Festival de Cinema de Veneza de 2022, onde foi premiado na categoria Giornate Degli Autori’s People Choice Award, tendo colhido também outras vitórias e indicações no BAFTA Fim Award, em Miami, Cleveland, Jerusalém, Zurique, Londres e muitos outros festivais. A estreia brasileira foi na última quinta-feira, 27 de julho.

 

Cartaz do filme
(Altitude Films/divulgação)
Publicidade