O resgate feminista do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir
Em parceria com instituto francês, IMS Paulista traz obras que mostram a luta histórica pela igualdade de gênero em mostra inédita
Preservar e difundir histórias contadas por mulheres tem sido o objetivo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir (CaSdB), em Paris. Criado em 1982 por Carole Roussopoulos, Delphine Seyrig e Ioana Wieder, o Centro buscou recuperar e distribuir materiais audiovisuais produzidos desde a década de 1960, que, de alguma forma, relatavam a luta das mulheres por direitos iguais, como greves históricas, a descriminalização do aborto e a defesa da democracia. E a partir desses registros, fazer interlocução com a sociedade por meio de palestras, debates e sessões públicas. Parte do valioso e extenso acervo foi trazido ao Brasil, em julho, por iniciativa do Instituto Moreira Salles, em São Paulo.
Até o fim do ano, o IMS Paulista irá exibir a retrospectiva desses materiais com a mostra Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir. O projeto é encabeçado pela atual diretora do Centro em Paris, Bárbara Rangel, que, durante 12 anos, trabalhou com programação de cinema no IMS. Era um sonho antigo fazer essa parceria para trazer ao Brasil filmes do arquivo histórico. Em 2020, Bárbara conquistou uma bolsa de pesquisa no Centro Audiovisual Simone de Beauvoir e não voltou mais. Aquele então era o momento para concretizar a velha ideia e fazer a sonhada parceria acontecer. “Nossa perspectiva [com a mostra] é despertar o interesse para obras menos conhecidas aqui no Brasil”, conclui a diretora.
A ideia de criar o centro surgiu de um encontro informal de cineastas. “As Insubmusas, como eram conhecidas as três mulheres, se encontraram no início dos anos 1970, em um momento em que o vídeo era relativamente popular como ferramenta de divulgação de questões militantes. Naquele momento, Carole dava oficinas de vídeo, de montagem, de captação, e em uma dessas ocasiões elas começaram a produzir materiais juntas, formando o coletivo. Em um contexto político mais favorável, elas fundaram o Centro com a consciência de que os materiais em vídeo eram bastante frágeis e necessitavam ser preservados”, explica Bárbara. E pela fácil mobilidade, conseguiam gravar desde conferências sobre a temática feminina, até realizar documentários com expoentes figuras nesse debate, como Angela Davis em Genet fala de Angela Davis (1970) ou Flo Kennedy, retrato de uma feminista americana (1982), que conta a história de Flo Kennedy, uma advogada americana negra comprometida com os direitos das minorias.
Havia uma relação direta na década de 1970, detalha Bárbara, entre o surgimento de novos materiais de captação de vídeo, menores em tamanho, e a produção de obras feitas por mulheres. “O vídeo era um instrumento considerado menor, relativamente mais leve, e muito mais livre. Não havia um grupo de homens ensinando ou orientando como deveria ser feito. Então ele tem muito a ver com a militância. Sem falar que através do vídeo foi possível registrar depoimentos mais longos. O cinema do Centro sempre foi muito ligado à palavra, é um cinema de depoimentos, e com a insurgência de novas situações, a década de 70 foi um momento de efervescência na França.”
Na década de 1990, o espaço fechou temporariamente, principalmente por problemas financeiros, e reabriu em 2003, mantendo os mesmos ideais, exceto pela criação de obras autorais, algo que o instituto não faz mais. Bárbara conta que um dos projetos atuais do Centro é oferecer sessões em presídios femininos e, a partir delas, promover debates com as detentas, buscando furar a bolha intelectual ou acadêmica. Dessa forma, o Centro de Audiovisual se tornou um importante guardião da memória e, ao mesmo tempo, um propagador do cinema com recorte feminista.
A programação da mostra no IMS Paulista inclui 23 obras:
Os racistas não são nossos camaradas, nem os estupradores
Anne Faisandier, Ioana Wieder e Claire Atherton | França | 1986, 23′, Arquivo digital (CaSdB)
A conferência sobre a mulher – Nairóbi 85
Françoise Dasques | França | 1985, 60′, Arquivo digital (CaSdB)
Où est-ce qu’on se mai?
Iona Wieder, Delphine Seyrig | França | 1976, 55′, DCP (CaSdB)
Maso e Miso vão de barco
Carole Roussopoulos, Ioana Wieder, Delphine Seyrig e Nadja Ringart | França | 1976, 55′, restauração em DCP (CaSdB)
Flo Kennedy, retrato de uma feminista americana
Carole Roussopoulos e Ioana Wieder | França | 1982, 59′, Arquivo digital (CaSdB)
A morte não quis saber de mim: retrato de Lotte Eisner
Carole Roussopoulos, Carine Varène, Michel Celemski | França | 1983, 26′, Arquivo digital (CaSdB)
Delphine e Carole, insubmusas
Callisto McNulty | França, Suíça | 2018, 70′, DCP (Les Films de La Butte)
Carole Roussopoulos, uma mulher por trás das câmeras
Emmanuelle de Riedmatten | Suíça | 2011, 76′, DCP (CaSdB)
Transformações… em Mondoubleau
Carole Roussopoulos e Catherine Valabrègue | França | 1982, 17′, Arquivo digital (CaSdB)
Os homens invisíveis
Carole Roussopoulos | França | 1993, 34′, Arquivo digital (CaSdB)
Profissão: ostreicultora
Carole Roussopoulos e Claude Vauclaire | França | 1984, 34′
As trabalhadoras do mar
Carole Roussopoulos | França | 1985, 26′
Seja bela e cale a boca!
Delphine Seyrig | França | 1976, 115′
A FHAR – Frente Homossexual de Ação Revolucionária
Carole Roussopoulos | França | 1971, 26′
SCUM Manifesto
Carole Roussopoulos e Delphine Seyrig | França | 1976, 27′
É só não trepar!
Carole Roussopoulos | França | 1971, 17′
Com a palavra, as prostitutas de Lyon
Carole Roussopoulos | França | 1975, 46′
Trate de parir!
Ioana Wieder | França | 1977, 49’
Young Lord
Carole Roussopoulos | França | 1972/1975, 15′
Genet fala de Angela Davis
Carole Roussopoulos | França |1970, 7′
Os veteranos do Vietnã
Carole Roussopoulos | França |1972, 12′
Greve na Jeune Afrique
Carole Roussopoulos e Paul Roussopoulos | França | 1972, 21′
A marcha do retorno das mulheres no Chipre
Carole Roussopoulos | França | 1975, 36′