Claudia Cardinale: A garota que não queria ser atriz…e fez história no cinema
Uma despedida à estrela que atravessou décadas e definiu o ideal de beleza e autenticidade para o cinema europeu

Claudia Cardinale, uma das lendas do cinema europeu, nos deixou nesta última semana de setembro de 2025. A atriz italiana, radicada na França, faleceu em Nemours aos 87 anos. Sua partida encerra um capítulo glorioso do cinema e nos lembra que ela foi uma das últimas representantes de uma geração que transformou para sempre a forma como vemos as mulheres na tela.
Sua história de ascensão é daquelas que parecem inventadas. Nascida Claude Joséphine Rose Cardinale em 15 de abril de 1938, no protetorado francês da Tunísia, cresceu em uma comunidade siciliana em Túnis, filha de um engenheiro e de uma mãe dedicada à casa. A beleza chamava atenção desde cedo e ela recebeu convites para atuar, mas recusou todos — era tímida e não queria ser uma estrela. Até que, aos 18 anos, foi eleita “a italiana mais bonita da Tunísia” em um concurso organizado pela embaixada do país. O prêmio a levou ao Festival de Cinema de Veneza, onde foi amplamente fotografada e virou sensação nas capas das revistas italianas.
“A garota que não quer fazer cinema”, diziam as manchetes.
O que a fez mudar de ideia, no entanto, foi uma dor. Ainda adolescente, foi vítima de abuso sexual de um conhecido mais velho, que a coagiu a uma relação abusiva e a deixou grávida. Em 1957, deu à luz seu filho Patrick em Londres e, para evitar o escândalo, sua família o criou como irmão, mantendo o segredo até que ele completasse oito anos. No mesmo ano, o produtor Franco Cristaldi a contratou para seu estúdio Vides Cinematografica, e Claude se transformou em Claudia Cardinale — abraçando o destino que havia tentado evitar.

Sua estreia foi em I Soliti Ignoti (1958), de Mario Monicelli, e rapidamente ela se tornou presença constante nas grandes produções italianas do início dos anos 1960. Em 1963, estrelou duas obras que mudaram sua trajetória para sempre: O Leopardo, de Luchino Visconti, e 8½, de Federico Fellini — no qual interpretava a mulher ideal de Marcello Mastroianni.
O mundo se apaixonou por ela quando Sergio Leone a escalou como a viúva de Era uma Vez no Oeste (1968). Depois, Claudia filmou em diversos países, e Werner Herzog a levou para a Amazônia em Fitzcarraldo (1982), no papel da mulher que financia o sonho impossível de um amante. Ao longo de seis décadas, ela estrelou mais de 150 filmes, transitando entre dramas, romances e comédias — incluindo a clássica A Pantera Cor-de-Rosa, de Blake Edwards. E, pessoalmente, sempre a adorei como a desastrada Constance, a namora de D’Artagnan na deliciosa versão de Os Três Mosqueteiros, de Richard Lester.
Embora fosse frequentemente comparada a Sophia Loren e Gina Lollobrigida como símbolo sexual da Itália, Claudia tinha um magnetismo mais próximo, quase de “garota da porta ao lado”, que a tornava mais acessível sem perder a aura de estrela. Por isso foi chamada de “a namorada da Itália” e a “garota dos sonhos” de uma geração. Talvez fosse exatamente essa dualidade — ao mesmo tempo inalcançável e próxima, exuberante e discreta, poderosa e vulnerável — que a tornasse tão fascinante.
Hoje, sua imagem continua gravada em celuloide, caminhando ao lado de Visconti, rindo com Fellini ou encarando a câmera de Leone com aquele olhar inesquecível.
Sua morte no último dia 23 deixou fãs ao redor do mundo profundamente comovidos. Ela não queria ser atriz — e se tornou um ícone. Para quem cresceu amando o cinema, seu rosto está entre os melhores filmes de todos os tempos, mantendo para sempre seu sorriso, sua força e seu talento guardados na eternidade. Claudia Cardinale seguirá viva sempre que alguém voltar a assistir O Leopardo, 8½ ou Era uma Vez no Oeste.
Descanse em paz, Claudia. Você sempre foi maior do que a vida.