Em “Um pai para Lily”, Barbie Ferreira vive jovem em busca de afeto e pertencimento
Inspirado na história da diretora Tracie Laymon, o longa reflete sobre o que faz uma família, para além dos laços biológicos

Bob Trevino é um dos piores exemplos de pai: narcisista, ausente, imaturo e egoísta. Apesar de todos os defeitos que parecem encobrir qualquer virtude, sua filha, a jovem Lily, faz de tudo para se manter próxima dele — mesmo que isso signifique viver em constante sofrimento. Essa é a premissa do filme Um Pai para Lily, que estreou neste mês nos cinemas brasileiros. O longa é protagonizado por Barbie Ferreira, modelo e atriz que ficou conhecida pelo papel de Kat Hernandez em Euphoria.
A trama é inspirada em uma história real vivida pela roteirista e diretora Tracie Laymon, e parte da ideia de que nem sempre família significa laço biológico. No auge do conflito entre Lily (Barbie Ferreira) e Bob (French Stewart), o pai resolve cortar definitivamente relações com a filha. Lily, uma jovem solitária e sem amigos, sofre com a perda do único vínculo que ainda mantinha. Tentando reatar o contato, ela procura o pai no Facebook (sim, a história se passa há alguns anos) e, por engano, adiciona outro Bob Trevino — interpretado por John Leguizamo. Mesmo percebendo o erro, Lily continua a conversar com ele sobre suas dores: perdas, solidão e o desejo de ser ouvida. Aos poucos, encontra nesse estranho gentil a figura paterna que sempre buscou.
Alternando entre comédia e drama, o filme traça um retrato das dificuldades enfrentadas por muitos jovens que precisam se virar sozinhos desde cedo — emocional e financeiramente. Fala também sobre a dificuldade de formar laços duradouros e, acima de tudo, de pedir ajuda. Na produção, Tracie Laymon compartilha sua própria história de emancipação emocional, que, de certa forma, a salvou de uma vida profundamente triste. A força da narrativa está, sobretudo, na atuação de Barbie Ferreira, que confirma sua maturidade artística ao interpretar, com naturalidade e sensibilidade, uma personagem cheia de nuances.
Bravo! conversou com a atriz na semana de estreia do filme. Barbie Ferreira, filha da chef brasileira Janaina Seppe, já chamou a atenção anteriormente dos fãs brasileiros por sua fluência em português, apesar de ter nascido e crescido nos Estados Unidos. Confira abaixo a entrevista.
Oi, Barbie. Estou confuso se devemos falar em português ou inglês.
Eu sei, é confuso. Quer dizer, eu falo português, mas acho que sou melhor respondendo perguntas em inglês. Então eu prefiro responder em inglês se for uma pergunta mais longa, porque senão vou levar uns 30 minutos tentando formular o que quero dizer (risos).
Combinado. Antes de tudo, parabéns pelo seu trabalho. Você entregou uma atuação muito comovente.
Que gentil. Muito obrigada, isso significa muito.
Sobre o filme: o que mais te atraiu na história da Lily quando você leu o roteiro pela primeira vez?
Bem, quando eu… quando li o roteiro pela primeira vez, eu não tinha nenhum contexto. Eu simplesmente recebi o roteiro e não tinha expectativas. E ao ler, fiquei muito tocada com a forma como a Lily é esse retrato tão forte de como as pessoas estão solitárias hoje em dia, e de como falta conexão. Parecia que ela era a personificação perfeita de como nossa cultura se distanciou, e de como usamos a internet para nos conectar. E eu gostei muito do fato de que a Lily era essa personagem meio esquisita, estranha, adorável, que te deixava desconfortável às vezes. Achei tão legal e radical ter uma personagem assim.

O filme é baseado em uma história real. Isso influenciou a forma como você construiu a Lily?
O mais legal nisso tudo é que a Tracie, que escreveu e dirigiu o filme, não queria que eu simplesmente copiasse ela. Então foi incrível podermos criar uma personagem que fosse completamente separada de nós duas, mas que ainda carregasse a verdade emocional do que realmente aconteceu com ela. Sempre senti isso como um ponto de apoio, algo em que eu podia sustentar o trabalho: o fato de que isso realmente aconteceu e mudou a vida de alguém. E o motivo pelo qual ela está dirigindo esse filme é esse homem que foi realmente gentil com ela. Foi ótimo porque não havia necessidade de buscar a realidade daquilo — ela já estava ali.
Isso também faz com que a gente confie mais no processo, porque você já sabe onde essa personagem vai terminar. E eu não vou dar spoiler, mas tem uma trajetória ali que foi muito parecida com a minha e com a da Tracie. Foi muito especial poder viver isso.
Mas você acha que isso traz um senso diferente de responsabilidade para o papel?
Com certeza. Eu tive a sorte de trabalhar com diferentes diretores e roteiristas em outros projetos. E cada um é muito diferente. Nesse caso, a pressão vinha do desejo de deixar a Tracie orgulhosa. Esse filme significava muito para ela — além de ser apenas um filme, era um presente para Bob Layman (o verdadeiro Bob Trevino), que mudou a vida dela. Então eu queria muito que ela ficasse orgulhosa, que a história dela fosse contada de forma correta e com sentido.
Não era exatamente uma pressão, mas uma vontade de estar à altura, porque aquilo significava muito mais do que um filme qualquer que, sabe, não te toca ou que é só algo genérico. Com a Tracie, eu queria fazer com que ela se sentisse conectada ao filme — e todos nós queríamos isso. Até a equipe técnica. Todos queríamos fazer a Tracie se orgulhar, porque a amávamos muito e queríamos que esse filme fosse especial — e todos sentíamos que ele era. Foi muito bonito ver todo mundo unido por isso.

Lindo. Teve alguma cena ou momento que foi particularmente desafiador ou marcante de filmar?
Sim. Eu sempre falo sobre essa cena… A cena em que eu chego com o personagem do John [Leguizamo] e ele me leva a um abrigo de animais. Essa parte do filme sempre me toca muito. Talvez tenha a ver com o jeito que eu cresci, com minhas próprias dores… Eu sei intimamente como é achar que tudo o que você toca dá errado, que você é ruim, que tem algo errado com você, que você é diferente — e de um jeito negativo.
Então foi muito especial ver isso escrito de um jeito tão bonito, tão bem expresso. Aquilo me atingiu profundamente. E eu me lembro que, ao filmar essa cena, eu simplesmente me desmanchei, porque era como se fosse a resposta definitiva à pergunta: “Eu sou má?” Para mim, essa cena sempre terá um significado muito forte.

Você tem explorado diferentes formatos — séries, filmes, curtas como diretora… O cinema independente te oferece algo como atriz que é difícil encontrar em outras produções?
Ah, com certeza. Eu amo fazer cinema independente. Tem sido o maior presente nos últimos anos. E eu realmente acredito no cinema independente. Acredito que é o futuro, de verdade. Não acho que seja só esse universo de “filminhos que ninguém vai assistir”. Eu acho que esse é o futuro da indústria. Eu sou uma defensora ferrenha do cinema indie. E eu também fiz teatro — acabei de fazer uma peça na Broadway (Cult of Love, de Leslye Headland).
Nos últimos anos, tem sido tudo sobre o meu ofício, o que tem sido muito especial. Às vezes, como atriz, só 10% do que você faz é atuação, e os outros 90% são outras coisas. Mas essa fase tem sido sobre priorizar a minha atuação, meu ofício, e isso tem sido essencial na minha carreira e no meu desejo de me tornar uma grande atriz.
Os filmes independentes são o espaço perfeito para isso. Principalmente quando você trabalha com um diretor que valoriza os atores, as emoções, os personagens. A gente vive em um mundo em que nem sempre tudo gira em torno dos personagens — e tudo bem.
Existem filmes divertidos que são mais sobre a trama ou outras coisas. Mas para mim, como atriz, o maior presente é encontrar um estudo de personagem que seja intenso, comovente e que te faça refletir sobre quem você é. E eu tive o privilégio de viver isso com o cinema independente. Eu realmente acredito que esse é o futuro. Então: com certeza.

Sei que você falou um pouco sobre isso, mas de que maneira você acha que o filme pode tocar o público mais jovem?
O curioso desse filme é que foi o primeiro projeto em que vi uma mudança real no público. Euphoria, por exemplo — muitos adultos assistiram porque tinham filhos, mas não era a primeira escolha deles. Já Bob Trevino (o título do filme em inglês é Bob Trevino Likes It)e tem sido muito interessante, porque jovens do ensino médio que assistem choram, e também pessoas com 90 anos se emocionam profundamente. É como se ele transcendesse demografias, gerações. Parece que há algo ali com o qual todos conseguem se conectar. Todos sentimos solidão em algum grau, todos temos problemas familiares — alguns são abençoados por não ter, mas mesmo esses, ao assistir, conseguem se conectar com a Lily de outras formas. É muito especial. Acho que cada pessoa tira algo diferente do filme, o que é sinal de um bom filme: quando ele provoca reflexões individuais, faz com que as pessoas pensem sobre si mesmas de um jeito que talvez não costumem fazer.

Sei que estamos com a entrevistada chegando ao fim, mas eu preciso perguntar: você se imagina fazendo uma produção brasileira?
Eu adoraria. Não tem nada que eu gostaria mais do que fazer uma produção brasileira. Eu espero conseguir interpretar uma brasileira de verdade. Acho que meu português é bom o suficiente… Mas esse seria um sonho. Eu assisti Ainda estou aqui, adoro o cinema brasileiro, acho que o Brasil está vivendo um momento incrível no cinema e nas artes. Acho muito legal esse renascimento do cinema brasileiro, especialmente depois dos anos 70. É muito empolgante ver esse novo momento.
